O pastor frente à cultura fílmica

Vídeos e filmes se encontram entre os produtos mais consumidos na atualidade. Sua influência é tão forte que, não importando para qual tela midiática se olhe, lá, um deles sempre estará inserido, despertando nossa atenção. O crítico Skip Young adverte que o universo cinematográfico continua crescendo em ritmo acelerado, e “a impressão que temos é de que todos os filmes estão disponíveis o tempo todo. A única coisa que o público precisa fazer é se conectar”.1

Como líderes religiosos, não estamos imunes a essa poderosa influência, tampouco estão nossas congregações. Mesmo aqueles que nunca entraram em uma sala de cinema, provavelmente, consomem filmes pela tela da TV, do computador, ou do tablet. Este artigo analisa a problemática do conteúdo ideológico/filosófico dos filmes e alerta para o cuidado que precisamos ter a fim de não estimular os membros da igreja a buscarem conteúdos que não servirão para a edificação deles.

A influência dos filmes

O poder de influência da cultura cinematográfica é consenso entre os especialistas da área. O historiador Sidney Leite afirma que os filmes podem “imprimir formas, forjar e maquinar situações e contribuir para o funcionamento de um conjunto de ideias e crenças. A rigor, os filmes são poderosos formadores e deformadores de opinião”.2 Marin Karmitz denunciou que, por trás do aspecto industrial, os filmes possuem um aspecto ideológico: “A verdadeira batalha no momento é saber quem poderá controlar as imagens do mundo e, com isso, vender certo estilo de vida, certa cultura, certos produtos e certas ideias.”3 Flávia Costa, doutora em comunicação, admite que os filmes têm “influenciado nossa maneira de conceber e representar o mundo, nossa subjetividade, nosso modo de vivenciar experiências”.4 O famoso cineasta Elia Kazan já preconizava em meados da década de 1980: “Os filmes são o diálogo do mundo.”5

Boa parte desse sucesso se deve ao poderio da indústria cinematográfica americana. Hollywood aprendeu, com erros e acertos, a fazer com que seu produto chegasse a todo tipo de público. Tanta dedicação resultou em um lucro anual de bilhões de dólares. Engana-se quem pensa que Hollywood tem como maior objetivo que todos entrem numa sala de cinema. Segundo Edward Epstein, no fim da década passada, 85% da renda da indústria fílmica americana foram provenientes dos consumidores que compraram produtos ligados aos filmes e assistiram a DVDs na televisão.6 Anualmente, 80% dos filmes exibidos no mundo são de Hollywood. Nas locadoras brasileiras esse índice chegou a 98%, o que levou o país a ser o maior importador de filmes norte-americanos na América Latina.7

A ideologia dos filmes

Nem todos percebem, mas cada filme é mais do que uma simples história. Trata-se de um veículo para se transmitir uma ideia, ou um conjunto de idiossincrasias. O roteirista de filmes Brian Godawa afirmou: “Os filmes comunicam mitos e valores culturais dominantes. Esse efeito cultural é muito mais profundo do que o excesso de sexo e violência. É algo que se estende à filosofia por trás do filme […]. A criação de uma história leva o espectador a ter experiências dramáticas e a ver as coisas como os roteiristas querem que ele as veja.”8

Pode-se pensar nos grandes temas como aventura, romance, drama ou terror. Contudo, há muito mais por debaixo da superfície, e nem sempre é fácil detectar onde realmente está a mensagem central de um filme. Douglas Kellner, crítico cultural, menciona que os filmes americanos fazem parte de uma cultura que ajuda a modelar os valores mais profundos das pessoas, definindo o que é moral ou imoral, bom ou mau, positivo ou negativo.9 Ou seja, em cada filme, existe um conjunto de sugestões ideológicas, filosóficas ou antropológicas que acaba sendo assimilado quase sem questionamento. Tudo como fruto do encantamento das imagens que percorrem a tela velozmente. Talvez por isso, o cientista político Benjamin Barber tenha expressado sua convicção de que os executivos dos estúdios e os cineastas são os verdadeiros “capitães” da indústria mundial da cultura. O que eles controlam não são os produtos, “mas as verdadeiras palavras, imagens, sons e sabores que constroem o domínio ideológico-afetivo pelo qual nosso mundo físico de bens materiais é interpretado, controlado e guiado”.10

Vejamos, por exemplo, um dos filmes mais famosos e influentes de todos os tempos: Titanic. Seu diretor, James Cameron, utilizou o relato do naufrágio do famoso navio como pano de fundo para a história de uma paixão. O que parece ser apenas um romance épico, contém cenas que revelam incursões ideológicas e paradigmas contemporâneos: o herói (Leonardo DiCaprio) é um jovem sem rumo, sem compromisso com ninguém e com desejo de ganhar a vida sem esforço. Ele entra no navio sem pagar, como resultado de uma aposta em um jogo de cartas. Sua suposta liberdade o leva a dizer que é o “dono do mundo”. Conhece uma moça prestes a se casar e se apaixona por ela, mesmo ela estando noiva. Então, eles se envolvem intimamente dentro de um carro que está no interior do navio. No fim, ela afirma que o “dono do mundo” a salvou de tudo o que alguém deseja ser salvo.

“Hollywood tem sido muito eficaz em sua capacidade de criar universos fantasiosos, onde Deus e a Bíblia são completamente descartados.”

Obviamente, os itens citados refletem uma confrontação com a visão cristã da vida no contexto do grande conflito. Para um espectador não cristão, possivelmente, tais detalhes passem despercebidos. No entanto, a despeito da formação cultural ou religiosa do espectador, a mensagem está sendo transmitida. Considerado por outro ângulo (não religioso), pode-se chegar às seguintes conclusões sobre o roteiro de Titanic: aproveitar a vida significa ser solteiro, sem moradia fixa e sem emprego permanente. É possível, e até interessante, viver sem dinheiro e depender constantemente dos outros. Não ter vínculos afetivos com nada nem com ninguém é o suprassumo da liberdade individual. Iludir as pessoas, e até praticar pequenos furtos, é perdoável. Paquerar uma moça comprometida é aceitável. Ter relação sexual com uma pessoa que está prestes a se casar não implica problema, principalmente quando o outro deseja a mesma coisa. Usar o talento artístico para pintar o corpo nu de uma mulher comprometida é arte.

É possível que você tenha visto o filme e não tenha percebido alguns desses detalhes. Quantas pessoas foram “doutrinadas” pelo seu enredo? E os cristãos, será que ficaram imunes? E nós, líderes espirituais, conseguimos distinguir o joio do trigo? E nossos jovens? Eles são o grupo mais visado pela indústria fílmica. Os principais consumidores dos filmes de super-heróis são os adolescentes.

Um exemplo da nova safra é Homem de Ferro (2008). O personagem Tony Stark é bonito e rico. Um homem-máquina que tem telas de comunicação enxertadas em si mesmo. A mensagem é: o herói é arrogante e egoísta, mas, mesmo assim, consegue tudo o que quer. Ele leva as mulheres para sua cama e depois as despacha pela manhã. Seu primeiro pedido depois que volta do cativeiro é um hambúrguer, como se essa fosse a melhor refeição do mundo. Ele bebe muito, mas tudo fica bem depois.

O curioso e trágico nos filmes de super-heróis é que Deus está sempre ausente, e a salvação da humanidade recai sempre sobre os superpoderosos, levando-os a receber completo endeusamento – não apenas na ficção, mas também na vida real.

Mesmo filmes que, aparentemente, são classificados como “bonitos” ou “agradáveis”, contêm alguma mensagem antibíblica. É o caso do filme Náufrago (2000). A história gira em torno de Chuck Nolan, funcionário da empresa de entregas Fedex. Seu avião cai no mar e ele se torna o único sobrevivente, indo parar numa pequena ilha deserta. Sozinho e sem equipamentos, ele tenta sobreviver. Depois de quatro anos, decide fugir em uma balsa improvisada. Prestes a morrer, é resgatado e volta à civilização.

No primeiro momento, o filme leva o espectador a crer que a história seja sobre perseverança e resiliência. De fato, o personagem incorpora essas características. No entanto, o enredo apresenta detalhes nem sempre perceptíveis à primeira vista: sozinho e sem ninguém para ajudá-lo, ele não faz uma única prece a Deus. Na ilha, ele percorre um caminho semelhante ao descrito pela evolução: aprender a se abrigar, morar em caverna, procurar comida, descobrir o fogo, criar ferramentas. Ele inventa um amigo imaginário (deus) usando uma bola, e presta devoção semirreligiosa a ele. Sua busca só termina quando ele encontra uma outra pessoa com quem conviver. No caso, sua ex-mulher, então casada com outro homem.

Ou seja, há um enredo de cunho naturalista: o ser humano está nas mãos do destino, em um universo darwinista. No fim do filme, o personagem para numa encruzilhada pensando qual estrada escolherá, dando a entender que não existe uma melhor do que a outra, cada um deve escolher seu destino.

Ana Lúcia Modesto, doutora em Ciências Sociais, afirma que até as cores são utilizadas nos filmes com o objetivo de impactar.11

Hollywood tem sido muito eficaz em sua capacidade de criar universos fantasiosos, onde Deus e a Bíblia são completamente descartados. O curioso, porém, é notar que, apesar de as verdades bíblicas serem ignoradas nesses filmes, a ambição sempre tem algo de religioso.12

A pergunta que surge é: devemos abandonar completamente os filmes? Em minha opinião, seria imprudente apresentar um “sim” ou “não” categórico. Afinal, os filmes também são uma expressão da arte, uma manifestação da criatividade humana. É verdade que toda atividade artística produzida pelo homem está maculada pelo pecado, e não é diferente com a arte cinematográfica. Contudo, ainda assim, é possível encontrar algo aproveitável em meio ao entulho, descobrir um ou outro filme em que o roteiro não fere a verdade bíblica.

Discernimento e bom senso

Encontrar um filme que mereça ser assistido não é tarefa fácil. Como escolher?

Eis algumas sugestões, a começar pelo que pode ser feito antes de assistir ao filme: ore a Deus pedindo discernimento; informe-se por meio da crítica especializada; descarte roteiros com impureza sexual, violência extrema e consumo de drogas; leia entrevistas com diretores, atores e roteiristas para avaliar a visão deles sobre o que produziram. E pergunte a si mesmo: assistir a esse filme é a melhor maneira de passar o tempo livre?

Em seguida, assistindo ao filme, ainda é possível fazer questionamentos: A ideologia apresentada está ferindo meus princípios? Devo parar de assistir agora mesmo?

Nessas horas, um precioso conselho de Ellen White merece consideração: “Temos, todavia, uma obra a fazer a fim de resistir à tentação. Aqueles que não querem ser enredados nos ardis de Satanás devem guardar as entradas da alma. Devem evitar ler, ver ou ouvir aquilo que sugira pensamentos impuros. A mente não deve ser deixada a divagar ao acaso em todo assunto que o adversário das pessoas possa sugerir […] Isso exigirá oração fervorosa e constante vigilância. Devemos ser auxiliados pela influência permanente do Espírito Santo, que atrairá a mente para cima, e a habituará a se ocupar com coisas puras e santas.”13

Alguém pode achar que tamanha avaliação seja muito complicada, mas saiba que é exatamente nesse ponto que devemos tomar o maior cuidado. O esforço para alcançar discernimento e fazer escolhas saudáveis faz parte de um processo de aprendizado e amadurecimento. “Quando o estudante sacrifica a faculdade de raciocinar e julgar por si mesmo, torna-se incapaz de discernir entre a verdade e o erro, e passa a ser presa fácil do engano […] É um fato grandemente ignorado, ainda que não deixe de haver sempre um perigo nisso, que o erro raramente aparece como aquilo que realmente é. É misturando-se com a verdade ou apegando-se a ela, que alcança aceitação […] A mente que confia no juízo de outra, mais cedo ou mais tarde será transviada. A capacidade de discernir entre o que é reto e o que não é, pode ser obtida unicamente pela confiança individual em Deus.”14

Diante da poderosa influência dos filmes, não podemos nos esquecer de que seu conteúdo afeta diretamente a mente das pessoas. E nossa mente é a porta de entrada para tudo aquilo que ditará o modelo de caráter que teremos. Erton Köhler afirmou acertadamente: “Quem consegue maior controle sobre os pensamentos, tem melhor influência sobre os desejos.”

O apóstolo Paulo fez um apelo: “Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso que ocupe o vosso pensamento” (Fp 4:8). 

Referências

  • 1 Skip Dine Young, A Psicologia Vai ao Cinema (São Paulo: Cultrix, 2014), p. 101.
  • 2 Sidney Ferreira Leite, O Cinema Manipula a Realidade? (São Paulo: Paulus, 2003), p. 6.
  • 3 Benjamin Barber, Jihad x McMundo (Rio de Janeiro: Record, 2003), p. 116.
  • 4 Flavia Cesarino Costa, O Primeiro Cinema (Rio de Janeiro: Azougue, 2005), p. 17.
  • 5 Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, A Tela Global (Porto Alegre: Sulina, 2009), p. 9.
  • 6 Edward Epstein, O Grande Filme (São Paulo: Summus, 2008), p. 355.
  • 7 Rose Satiko Gitirana Hikiji, Imagem-violência (São Paulo: Terceiro Nome, 2012), p. 80.
  • 8 Brian Godawa, Cinema e Fé Cristã (Viçosa, MG: Ultimato, 2004), p. 45-46.
  • 9 Douglas Kellner, A Cultura da Mídia (Bauru, SP: Edusc, 2001), p. 9.
  • 10 Barber, p. 115.
  • 11 Ana Lúcia Modesto, A Fala e a Fúria: O psicopata como imagem do mal no cinema (Belo Horizonte: Argvmentvm, 2008).
  • 12 Chris Taylor, Como Star Wars Conquistou o Universo (São Paulo: Aleph, 2015), p. 22-23.
  • 13 Ellen White, Patriarcas e Profetas (Tatuí, SP: CPB, 1993), p. 460.
  • 14 Ellen White, Educação (Tatuí, SP: CPB, 2003), p. 230 e 231.
  • 15 Erton Köhler, “Ir ao cinema: a melhor escolha?”, Revista Adventista, mai 2004, p. 19.