A profusão de poinsetias floridas no quintal dos vizinhos, do outro lado da rua, e o aroma de assados de cenoura eram, por assim dizer, as únicas indicações da proximidade do Natal. A dor existente em meu coração refletia-se na morosidade de meus dedos ao pendurarem cetinosos enfeites azuis na árvore borrifada de branco. Por que será que meu esposo providenciou essa árvore? — pensei. Ela só aumentava a minha solidão!
Recordações de outras ocasiões no passado, quando um filho entusiasta e duas filhas ativas, com seus amigos, ajudaram a decorar a árvore, assar os bolinhos e embrulhar os presentes, tornavam o pesar mais intenso ainda. Todos os três pareciam estar dotados de assombrosa capacidade para reunir colegas de escola que não tinham um lugar para ir durante o Natal. E possuíam também a estupenda confiança de que o Papai e a Mamãe proveríam abrigo e boa acolhida para os seus amigos.
Conquanto eu sentisse às vezes leve propensão para adquirir o complexo de mártir — como, por exemplo, na ocasião em que uma filha trouxe quatro amigas, e a outra, duas — sempre acabava apreciando mais os jovens do que eles poderiam ter apreciado o tempo que passaram conosco. Eles nunca se queixavam, mesmo quando seu “abrigo” consistia apenas no espaço necessário para estender sobre o tapete um saco de dormir. Punham mãos à obra e ajudavam em tudo, mostrando-se reconhecidos pela culinária doméstica e pelas condições meteorológicas no Natal que estimulavam a realização de piqueniques na praia. Veio-me à lembrança o rosto de cada um desses jovens de olhos azuis ou castanhos. Mas o aspecto de cabeças com cabelos ruivos e encaracolados, lisos e loiros, ou castanhos e ondeados, desvaneceu-se nos cantos da sala enquanto eu relutava em trazer a mente de volta ao calmo presente.
— Que há de errado com um pouco de solidão? — disse para mim mesma, em tom de reprimenda. — Você sabe que está contente porque seu filho é um ministro e piloto numa região cheia de selvas. E sente-se feliz porque ele tem uma esposa que o anima e conforta, e um filhinho que afasta a monotonia da vida.
E continuei a reprimenda a minha própria pessoa:
— Mesmo que pudesse fazê-lo, você não querería que sua filha, que agora é autora e professora, voltasse a ser uma menina, não é mesmo? Bem, talvez não, mas . ..
Justo nesse momento peguei automaticamente a estrela a ser colocada no alto da árvore, lembrando-me do dia em que nossa filha mais nova me ajudou a escolhê-la. A essa altura se desfez todo o estoicismo, e as lágrimas se esparramaram sobre a estrela. Refletida nas gotas reluzentes, vi nossa filha mais nova da maneira como a avistamos pela última vez, há mais de um ano, através da janela, quando nosso avião levantou vôo no aeroporto de Queenstown, Nova Zelândia. Embora estivéssemos contentes de que ela se casara com um jovem e excelente ministro do evangelho, notícias de seu precário estado de saúde, nos últimos meses, nos estavam causando grande ansiedade. E a Austrália estava literalmente a meio mundo de distância!
Depois de orar, porém, em favor de cada um dos três, coloquei a estrela firmemente na árvore, desci da cadeira e comecei a pôr a casa em ordem, fazendo ao mesmo tempo planos para o almoço de Natal, no dia seguinte.
Havíamos recomendado que a amiga de uma de nossas filhas trouxesse os seus pais para esse almoço. Ela fora batizada há pouco tempo, e estava tendo dificuldade em explicar sua nova fé para o pai e a mãe. Descobrimos então outro casal que iria enfrentar o primeiro Natal sem os filhos em casa, e também os convidamos.
Mais tarde, ao aproximar-se a hora do jantar, a casa parecia convidativa, e da cozinha emanavam agradáveis odores. Tocou então o telefone. Peguei o receptor e ouvi a voz de meu esposo, dizendo: “Querida, isto será um choque para você, mas não soube proceder de outro modo”.
Ele explicou que enquanto estava trabalhando sozinho no escritório (era meio feriado), teve de atender ao telefone, e uma jovem senhora lhe disse que tinha urgente necessidade de auxílio. Vários anos atrás, ela estudara no ginásio local, onde se tornara adventista, pelo menos mentalmente, se não no coração. Fugiu então de casa, para casar-se, e estava afastada da família. Tinha agora um bebê de três semanas de idade. O marido e o irmão estavam desempregados, e no dia anterior todos eles haviam sido postos para fora do apartamento em que residiam, por não poderem pagar o aluguel. Os três adultos e o bebê passaram a noite num dos bancos de um parque. Achavam-se agora exaustos e famintos.
— Meu bem, não pude proceder de outra maneira. Disse-lhes, portanto, que iria buscá-los. Seria bom preparar algum alimento, pois faz três dias que eles estão sem comer — acrescentou, antes de desligar o telefone.
Tendo ficado meio aturdida, mantive o receptor desligado junto ao ouvido durante mais algum tempo. Meus pensamentos estavam agitados quando pus água a ferver para o espaguete. Seria prudente hospedar estranhos, hoje em dia? Lembrei-me então destes versículos da Bíblia: “Em verdade vos digo que sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a Mim o deixastes de fazer”. S. Mateus 25:45. “Não negligencieis a hospitalidade, pois alguns, praticando-a, sem o saber acolheram anjos”. Heb. 13:2.
Nesse momento ouvi o carro entrando no abrigo para automóveis, e fui abrir a porta. Uma jovem magra e esquálida, que não podia ter mais de 18 anos de idade, trazia nos braços um lindo bebê.
— A senhora sabe preparar mamadeira? — perguntou-me. — Não tenho leite suficiente para ele.
Fiz o que era possível com o que havia em casa, e dentro em pouco o bebê tomava prazerosamente sua mamadeira.
Quando nos assentamos para comer, a travessa cheia de espaguete logo se esvaziou.
— A senhora é uma boa cozinheira — disse o irmão da moça, e acrescentou que foi auxiliar do cozinheiro-chefe num hotel de turistas. Em seguida, dirigindo-me à cozinha para tomar a encher a travessa, detive os passos quando o novo pai, que era bem mais velho do que sua esposa, se referiu ao tempo que passou na prisão. Ele mencionou também que seus pais dirigiam uma empresa comercial numa pequena cidade do Centro-Oeste dos Estados Unidos. Quando voltei para o meu lugar à mesa, perguntei-lhe se gostaria de telefonar para os pais, mas ele respondeu: “Não. Eles não querem ter nada comigo desde que foi posto na prisão”.
Mais tarde, depois que os hóspedes inesperados tomaram banho de chuveiro e foram para a cama, meu esposo reconheceu que o problema era muito complicado para ser resolvido por nós, e telefonou para o Pastor da igreja que freqüentávamos. Ele declarou que na manhã do dia seguinte entraria em contato com uma organização local que fora instituída para lidar com casos dessa natureza.
A seguir, nós mesmos também nos acomodamos para passar a noite. Terá sido falta de fé ou prudência que me levou a chavear a porta do quarto? Muito depois que meu esposo já estava dormindo, reflexões sobre como pôr em prática os ensinos de Jesus num mundo afligido pelo pecado e o crime mantiveram-me acordada por longo tempo.
Na manhã do Natal, não houve cadeiras vazias à mesa. Nossos três hóspedes comeram novamente com sofreguidão. Quando o Pastor veio buscá-los, o marido expressou sua gratidão pelo alimento e a cordialidade, e disse que isso lhes deu coragem para enfrentar o futuro.
No almoço, que saiu bem tarde nesse dia especial, sentimos nova intimidade com o outro casal solitário, e fortalecemos também a amizade já iniciada com os pais da amiga de nossa filha.
Quando me ajoelhei para orar, naquela noite, surpreendi-me ao perceber que o temível Natal solitário havia passado, e eu não tivera um só minuto para condoer-me de minha própria pessoa. As cadeiras vazias tinham sido ocupadas!
Quando o Pastor veio buscá-los, o marido expressou sua gratidão pelo alimento e a cordialidade, e diste que isso lhes deu coragem para enfrentar o futuro.
June Taylor Secretária na Sede da Associação Geral.