Antes de Lutero tornar-se o grande reformador, a mais terrível e alarmante palavra da Bíblia para ele era “justiça”.
Texto: Romanos 1:16 e 17; 3:19-31.
Esta é a passagem da Escritura que finalmente trouxe o frêmito da libertação à alma de Lutero em sua procura da salvação. Tomou-se o brado que originou a grande reforma do século XVI. Esta passagem também continua sendo a bússola permanente de todo verdadeiro protestantismo e o próprio âmago das Mensagens dos Três Anjos.
Aprendemos aí como a lei e o evangelho são diferenciados em suas funções opostas de requisito e dádiva, de condenação e justificação, sendo porém unidos no plano de Deus com a mesma finalidade: que o homem ande novamente com Deus como filho obediente que confia na vontade de seu Pai. Para confiar em Deus precisamos conhecer muito bem o evangelho, e não somente de maneira vaga e emocional.
O grande evangelista Jorge Whitefield perguntou certa vez a um mineiro em Cornwall, Inglaterra, o que ele cria.
— Oh! — respondeu o mineiro — eu creio o que minha igreja crê.
— E o que crê sua igreja? — indagou o evangelista.
Hans K. LaRondelle Professor de Teologia na Universidade Andrews.
— Bem, a igreja crê o que eu creio.
— Mas, que crêem vocês dois? — insistiu Whitefield.
— Nós cremos a mesma coisa — replicou o mineiro.
Não devemos supor que nossos ouvintes estão inteirados do evangelho e que devemos, portanto, concentrar-nos em outros assuntos além do evangelho para prender-lhes a atenção. Não se poderia cometer maior erro do que esse. Ellen G. White recomenda o seguinte no livro Evangelismo, p. 186: “Muitas pessoas … são lamentavelmente ignorantes quanto ao plano de salvação; precisam mais de instrução quanto a esse tema todo-importante, do que sobre qualquer outro.
“São necessários discursos teóricos, para que o povo veja a cadeia da verdade, elo após elo, ligando-se num todo perfeito; mas nunca se deve pregar um sermão sem apresentar a Cristo, e Ele crucificado, como a base do evangelho. … Se não é apresentado o dom gratuito da justiça de Cristo, os discursos são áridos e sem vigor; as ovelhas e os cordeiros não são alimentados”. (Grifo acrescentado.)
Consideremos sucintamente como Lutero descobriu o evangelho. Embora vivesse na obscura Idade Média, ele começou a estudar a Bíblia. Designaram-no para ensinar as Escrituras Sagradas, e sua alma sedenta ansiava pela verdade.
Antes de Lutero tomar-se o grande reformador, a mais terrível e alarmante palavra da Bíblia para ele era “justiça”. Até mesmo quando lia Romanos 1:17: “Visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé”, sua alma sensível tremia, percebendo a santa justiça de Deus e sua própria indignidade aos olhos do Senhor. Esforçava-se, portanto, ao máximo para realizar penitências e todas as boas obras prescritas pela Igreja. Em sua opinião, o principal característico de Deus era Sua justiça, pois não toleraria o menor pensamento de desejo egoísta. Lutero só podia conceber a justiça de Deus de acordo com o significado latino dessa palavra, que encerrava apenas a idéia jurídica de justiça distributiva ou punitiva. Por conseguinte, os teólogos escolásticos discerniam a justiça de Deus como equivalente a: Deus é Juiz.
Era-lhe, portanto, um inexplicável enigma como Davi pôde orar no Salmo 31: “Livra-me por Tua justiça”, ou como pôde dizer no Salmo 143: “Responde-me segundo a Tua justiça”; pois a palavra “justiça” só ressoava aos ouvidos de Lutero como a ira e o castigo eterno da parte de Deus.
Em desespero, ele volveu-se para o Novo Testamento em busca de conforto. Qual é o verdadeiro significado do evangelho? Abriu o livro de Romanos, e começou a ler o primeiro capítulo, encontrando então estas palavras no verso 16: “O evangelho . .. é o poder de Deus para a salvação”.
Salvação! Era isso que Lutero tinha procurado por muitos anos, mas não conseguira encontrar. E agora Paulo lhe declara que o evangelho é o poder de Deus para a salvação. Lutero fica excitado! Ele deseja encontrar o segredo do evangelho e prossegue avidamente a leitura: “Visto que a justiça de Deus se revela no evangelho …” V. 17. Lutero se detém aí. Paulo está removendo a última esperança de seu coração, dizendo-lhe que o próprio evangelho é uma revelação da justiça de Deus.
Como podia Paulo chamar o próprio evangelho de “justiça”? É o evangelho outra manifestação da lei? Se fosse correto dizer isto, o próprio evangelho condenaria o pecador; pois a justiça não significa sempre que Deus lida com todo homem de acordo com o que ele merece?
Lutero procurou compreender o texto estudando o seu contexto. Ele chegou a Romanos 3:21: “Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus . . .” Subitamente, aclarou-se-lhe a visão. Pela graça de Deus ele conseguiu ver agora o que Paulo queria dizer: a justiça de que o apóstolo falava não era uma justiça requerida ao homem, mas uma justiça oferecida ao crente no evangelho, sendo portanto uma profunda expressão da graça de Deus! Deus oferece ao crente a justiça de Cristo como Sua própria justiça. Esta é a salvação do evangelho. Ele justifica o pecador mediante a justiça de Cristo. A justiça do evangelho não é nossa obra, e, sim, o dom de Deus pelo qual Ele nos justifica e nos torna justos! Foi nesse momento que Lutero encontrou libertação. Chegou até a cantar. Os Salmos tornaram-se atraentes. Disse ele:
“Pareceu-me ter nascido de novo e penetrado no Paraíso através de portas recém-abertas. De repente, a Bíblia começou a falar-me de maneira bem diferente. A própria expressão: ‘A justiça de Deus’, que antes eu detestava, era agora a que eu mais apreciava. Foi assim que essa passagem escrita por Paulo tornou-se-me a entrada do Paraíso. A Escritura assumiu imediatamente um novo aspecto”. (WA 54:185).
A descoberta de Lutero foi uma descoberta exegética, que lhe trouxe um novo conceito de Deus e uma nova relação com Ele, não mais baseados nas virtudes de Lutero e em seu amor a Deus, mas na justiça de Deus e em Seu amor a Lutero! Não encontrara a Deus no moralismo, racionalismo ou misticismo, mas exclusivamente na compreensão da cruz de Jesus Cristo segundo a mensagem do evangelho. Daí em diante Lutero gloriou-se na cruz, onde estava sua invencível certeza de salvação! Elaborou uma nova espécie de teologia, que a Igreja não conhecera desde o tempo do apóstolo Paulo: a teologia da cruz, em contraste com a teologia de gloriar-se no êxito e nas aptidões humanas. A teologia de Lutero começava e terminava com a cruz: “Deus só pode ser encontrado no sofrimento e na cruz” (LW 31, 53). E isto não pode ser compreendido por percepção sensorial ou por contemplação mística, mas unicamente pela fé.
A Base de Nossa Justificação
Lutero concentrou-se intensamente na conclusão central da mensagem de Paulo, segundo aparece em Romanos 3:28: “Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei”.
“Fé” tem aí o sentido de fé em Cristo como o prometido Cordeiro de Deus, fé na justiça de Cristo como sendo nossa, confiança em Seus méritos como totalmente suficientes para nos apresentarmos a Deus.
Seus méritos não completam nossos próprios méritos, mas constituem nossos únicos méritos diante de Deus. Este é o princípio fundamental do evangelho a ser levado em conta não só pelo descrente, mas também pelo crente. Até mesmo o grande pregador e apóstolo Paulo confessou: “Mas longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo”. Gál. 6:14.
Nossas obras de obediência à vontade de Deus, as boas obras de crentes renascidos, nada valem, porém, diante de Deus? Não são efetuadas com o auxílio do Espírito Santo? Os frutos do Espírito de Deus em nossas obras e em nosso caráter são frutos essenciais de nossa justificação. Mas a nossa justificação não se baseia neles. A base e a causa de nossa justificação com Deus não é nossa obediência, mas a obediência de Cristo.
Está escrito em Romanos 5:19: “Porque, como pela desobediência de um só homem muitos se tomaram pecadores, assim também por meio da obediência de Um só muitos se tomarão justos”.
Não devemos confundir os frutos com a base!
Disse Jesus: “Assim também vós, depois de haverdes feito tudo quanto vos foi ordenado, dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos apenas o que devíamos fazer”. S. Luc. 17:10.
Paulo pergunta com o mesmo efeito: “Que tens tu que não tenhas recebido? e, se o recebeste, por que te vanglorias, como se o não tiveras recebido?” I Cor. 4:7. Em Romanos 4:4 e 5, ele estabelece o seguinte contraste entre o verdadeiro e o falso meio de salvação: “Ora, ao que trabalha, o salário não é considerado como favor, e, sim, como dívida. Mas ao que não trabalha, porém crê nAquele que justifica ao ímpio, a sua fé lhe é atribuída como justiça”.
Aí está o ponto decisivo! Não se deve trabalhar a fim de ser justificado. Deve-se crer e confiar em Cristo para ser justificado. A essência do evangelho não é “faça!”, mas: “feito!” Não: “esforce-se!”, mas: “creia!”
Não precisamos ser bons a fim de ser salvos. Precisamos, porém, ser salvos para ser bons. Não somos salvos pela fé e as obras, mas pela fé que opera.
Paulo ilustra este princípio da justiça pela fé em Romanos 4 por dois exemplos extraídos do Velho Testamento: Abraão e Davi. Notai, portanto, que o Velho Testamento ensina o mesmo evangelho que o apóstolo Paulo!
Esse apóstolo cita um dos versículos mais notáveis de todo o Velho Testamento: Gênesis 15:6, onde está escrito a respeito de Abraão: “Ele creu no Senhor, e isso lhe foi imputado para justiça”.
Isto é justificação pela fé! Pela fé no SENHOR! Pela fé na promessa do Senhor! Foi sob essa condição que o Senhor justificou a Abraão, considerando-o justo no critério divino. E é esse critério que realmente tem valor. É esse critério que dá descanso à consciência turbada do homem. Unicamente a decisiva Palavra de Deus traz paz à alma e alegria ao coracão. Abraão foi justificado por sua fé.
O outro exemplo é Davi, ao confessar no Salmo 32:1 e 2: “Bem-aventurado aquele cuja iniqüidade é perdoada, cujo pecado é coberto. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não atribui iniqüidade, e em cujo espírito não há dolo . Onde Davi fala da bem-aventurança do homem perdoado a quem o Senhor não atribui pecado, Paulo interpreta esse texto de maneira positiva, dizendo que “Davi declara ser bem-aventurado o homem a quem Deus atribui justiça, independentemente de obras (Rom. 4:6). Aqui Paulo interpreta o perdão do Velho Testamento como justiça pela fé.
Isto dá a Ellen G. White o direito de afirmar: “Perdão e justificação são uma só e a mesma coisa”. — SDABC, vol. 6, p. 1070. Como é evidente, portanto, que necessitamos de justificação diária, e a mesma justificação recebida pelos santos do Velho Testamento! Ao passo que eles aguardavam a morte do Cordeiro de Deus, para nós esse acontecimento se acha no passado; mas a eficácia da cruz de Cristo se achava e sempre se acha disponível.
No Apocalipse vemos como o anjo de Deus “ficou de pé junto ao altar, com um incensário de ouro, e foi-lhe dado muito incenso para oferecê-lo com as orações de todos os santos sobre o altar de ouro que se acha diante do trono; e da mão do anjo subiu à presença de Deus o fumo do incenso, com as orações dos santos” (Cap. 8:3 e 4).
Que significa esse ato simbólico? Que mesmo os frutos do Espírito, nossas orações, o louvor e a confissão do pecado, estão tão maculados por nossa natureza carnal, que “a menos que sejam purificados por sangue, jamais podem ser de valor perante Deus” (Mensagens Escolhidas, livro 1, p. 344).
Exclama Ellen G. White: “Oxalá vissem todos que quanto à obediência, penitência, louvor e ações de graças, tudo tem que ser colocado sobre o ardente fogo da justiça de Cristo! A fragrância desta justiça ascende qual nuvem em tomo do propiciatório”. — Ibidem.
Todos temos, portanto, necessidade de justificação diária pela fé em Cristo, quer tenhamos transgredido consciente ou inconscientemente. Por isso Davi orou a Deus no Salmo 19: “Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas”.
- V. 12. Ele confessou a insondável profundeza de seu coração pecaminoso à luz da santa lei de Deus e admitiu que nem sequer conhecia plenamente a si mesmo. Suplicou então a absolvição divina de seus pecados ocultos. Implorou a graça perdoadora de Deus, não somente para pecados isolados, mas também para seu coração pecaminoso.
Jeremias refere-se a essa dimensão do pecado, ao escrever: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto, quem o conhecerá?” Em Sua providência, não nos coloca o Senhor reiteradas vezes em diversas situações e variadas circunstâncias, para que descubramos os defeitos de nosso caráter de que não tínhamos conhecimento? Constantemente nos são reveladas certas faltas de que não suspeitávamos. (Ver A Ciência do Bom Viver, p. 471.)
Como precisamos conhecer a Deus a fim de conhecer a nós mesmos! Necessitamos dEle a todo momento. E quanto mais O conhecermos, tanto mais nos convenceremos da necessidade que temos dEle e tanto maior será nossa confiança em Suas promessas. Foi por isso que João escreveu aos crentes: “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça”. I S. João 1:8 e 9. O verbo “purificar” está no tempo presente. Precisamos de perdão e purificação diária da parte de nosso Sumo Sacerdote no Céu.
Que é Justificação Pela Fé?
Segundo a definição bíblica, justificação pela fé em Cristo é a imputação divina da justiça de Cristo a nossa própria pessoa. E o “ajuste” legal com Deus em consideração a Cristo. Este é o ensino do ritual do santuário no Velho Testamento, de Isaías 53 e também de II Coríntios 5:21: “Àquele que não conheceu pecado, Ele O fez pecado por nós; para que nEle fôssemos feitos justiça de Deus”.
A fé tem de preceder nossa justificação individual, segundo é declarado em Gálatas 2:16: “Temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo”. A fé não é nosso salvador ou o meio de salvação. Ela é unicamente o conduto da salvação. A fé aceita a Cristo como Salvador pessoal, e apodera-se dEle. Então somos individualmente justificados por Deus.
Deus colocou todas as nossas iniqüidades sobre Cristo, na cruz. Mas podemos participar agora do ato de Deus confessando-Lhe nossos pecados em verdadeiro arrependimento e aceitando a Cristo como nossa Justiça. Nossa sincera condenação própria e nossa aceitação de Cristo como o Santo é nosso ato de fé que glorifica a Deus pelo fato de justificá-Lo.
Davi declara no Salmo 51: “Pequei contra Ti, contra Ti somente, e fiz o que é mal perante os Teus olhos, de maneira que serás tido por justo no Teu falar e puro no Teu julgar”. E Lucas afirma que os que eram batizados por João Batista, tendo confessado os seus pecados, justifica vam a Deus (S. Luc. 7:29).
A confissão de nossas culpas, selada em nosso batismo, justifica a Deus por declarar desse modo que Ele é justo e atribuir-Lhe irrepreensibilidade. Finalmente se dobrará todo joelho diante do trono de Sua santidade para confessar a justiça e a bondade de Deus (Isa. 45:23).
Nossa justificação não pode ocorrer de outra maneira senão pela fé em Cristo como nossa única Justiça. Isto constitui a graça de Deus.
Todo pensamento ou esforço para obter algum mérito por nossa obediência diante de Deus destrói imediatamente a graça — a natureza da cruz de Cristo. Paulo é muito enfático a esse respeito. Ele declara em Gálatas 2:21: “Não anulo a graça de Deus; pois, se a justiça é mediante a lei, segue-se que morreu Cristo em vão”. E chega mesmo a dizer em Gálatas 3:10: “Todos quantos, pois, são das obras da lei, estão debaixo de maldição”; e em Gálatas 5:4: “De Cristo vos desligastes vós que procurais justificar-vos na lei, da graça decaístes”. Em Romanos 11:6, ele deduz portanto: “E se é pela graça, já não é pelas obras; do contrário, a graça já não é graça”.
Paulo está tratando aí de dois princípios ou sistemas diferentes de existência diante de Deus: um é pela graça, e o outro é pelas obras ou pela lei. Ele não coloca a lei de Deus em oposição à graça de Deus! Simplesmente estabelece uma antítese irreconciliável entre a justiça pela lei e a justiça pela graça!
O apóstolo desmascara o mau uso da lei pelos judaizantes. Deus nunca tencionou que a lei servisse de vara para medir a justiça de Israel. Pelo contrário, Ele transmitiu Sua lei em meio de aterradoras manifestações de Sua santidade, a fim de que, por contraste, Israel pudesse discernir a pecaminosidade de seu próprio coração. (O Desejado, p. 226.)
A lei foi dada para nos convencer do pecado, e não como meio de justificação. Mediante a condenação da lei o homem poderia ver mais claramente a necessidade de um Salvador e a indispensabilidade do Homem de Nazaré. A lei é o instrumento usado pelo Espírito Santo para conduzir-nos a Cristo, para que sejamos justificados pela fé nEle. Assim é preservada a santidade da lei na justificação pela fé.
A justificação é a garantia e a certeza de nossa aceitação da parte de Deus. Não pode ser substituída por nenhuma outra coisa. Constitui o único meio de salvação. Não há outro plano. Tanto o Velho como o Novo Testamento indicam o mesmo caminho para o eterno Reino de Deus. Abraão é chamado o pai de todos os crentes, tanto judeus como gentios.
Muitos não vêem a unidade espiritual do Velho e do Novo Testamento em Cristo. Confundem o Velho Testamento com o farisaísmo e separam completamente os dois testamentos. Existe, porém, uma diferença fundamental entre o Velho Testamento e o legalismo farisaico. Legalismo não é a obediência pela fé de que fala a Bíblia.
Para Cristo e Seus apóstolos, o evangelho do sangue de Jesus não era uma religião diferente da que existiu no Velho Testamento, mas o seu desdobramento. Em Romanos 3:21, Paulo indica claramente que a justiça pela fé em Cristo está em perfeita harmonia com os ensinos do Velho Testamento, pois declarou que é “testemunhada pela lei e pelos profetas”. Além disso, de acordo com Gálatas 2:15 e 16, ele disse para Pedro: Nós, como judeus, sabemos “que o homem não é justificado por obras da lei, e, sim, mediante a fé em Cristo Jesus”; e “temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois por obras da lei ninguém será justificado”.
Em última análise, podemos dizer que o apóstolo recorre aí novamente ao Velho Testamento, onde é declarado numa das orações oficiais de Israel: “Não entres em juízo com o teu servo, porque à Tua vista não há justo nenhum Vivente”. No juízo, ao ser cotejado com o divino padrão de justiça, nenhum homem, nenhum israelita, possui justiça em si mesmo. Este conceito da pecaminosa natureza humana diante de Deus é uma parte essencial da fé do Velho Testamento, expressa também em muitas outras passagens dos escritos hebraicos (Jó 14:4; 15:14; 25:4; I Reis 8:46; Ecles. 7:20).
Israel podia encontrar justificação no santuário e, mais tarde, no templo sobre o monte Sião — o lugar da habitação de Deus. O Médico celestial achava-Se ali, querendo comunicar Seu bálsamo curativo e restaurador a todo penitente que cresse no Cordeiro de Deus.
De acordo com Levítico 4:31, o sacerdote levítico era designado por Deus para fazer expiação pelo crente por meio da aspersão do sangue do substituto — “e lhe será perdoado”. Este perdão é agora oferecido diretamente por Cristo, do santuário celestial. O perdão divino é a resposta de Deus para nossa condenação total. O pecador arrependido que é justificado está justificado perante a lei, porque está em Cristo (Rom. 8:1).
O perdão nunca é, portanto, uma justificação parcial, e, sim, a restauração completa ao favor divino. É isto que a consciência perturbada necessita saber constantemente. Cada dia incorremos em novas culpas por causa de nossa natureza carnal, pondo assim em risco a nossa felicidade e segurança em Cristo. Muitas pessoas se acham física e mentalmente doentes devido a sentimentos de culpa e remorso.
O dirigente da maior instituição psiquiátrica de Londres disse recentemente: “Se as pessoas que estão aqui simplesmente pudessem crer no perdão, eu poderia enviar amanhã metade delas para casa”.
É isso que Jesus realiza, segundo S. Lucas 18. Ele escandalizou os orgulhosos judeus contando-lhes a história do fariseu e do cobrador de impostos que subiram ao templo com o propósito de orar.
O fariseu era muito grato a Deus pelo que não tinha feito, e gabava-se de sua moral e de sua disciplina própria. Disse Jesus, porém, a respeito do coletor imoral que, todo envergonhado, confessou seus pecados a Deus: “Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele”. S. Luc. 18:14.
Isto constituiu uma dupla surpresa para os judeus. Primeiro porque não foi o homem devoto e religioso que conseguiu ser aceito, mas o desprezado pecador; segundo, porque o cobrador de impostos não foi justificado no juízo final, mas ali mesmo e naquele próprio momento!
Justificação no presente constitui realmente a maior necessidade do homem, seu mais profundo anseio de justiça e o único bálsamo que curará sua alma. E todos necessitam dela. Por isso Cristo está atraindo todos os homens a Si mesmo. É Sua prerrogativa perdoar os nossos pecados, imputando-nos Sua própria justiça e curando-nos pelas Suas pisaduras.
A Justificação Restaura a Alma
A justificação pela fé em Cristo é o bálsamo que restaura nossa alma. Deve ser, porém, uma fé pessoal num Salvador pessoal, apoderando-se dos méritos do sangue de Cristo.
Aquele que apresenta a Deus o Salvador crucificado e resssurrecto como seu único merecimento, jamais será rejeitado. Jesus prometeu: “O que vem a Mim, de modo nenhum o lançarei fora”. S. João 6:37.
Cristo conhece quem dEle se aproxima com o toque da fé pessoal. Quando a multidão se comprimia em volta do Mestre, uma pobre mulher, que durante doze anos vinha padecendo de uma hemorragia, avançou entre eles, dizendo para si mesma: “Se eu apenas Lhe tocar as vestes, ficarei curada”.
E no momento em que ela O tocou, sentiu no corpo estar curada de sua enfermidade. Toda a sua fé em Jesus concentrou-se naquele único toque. Cristo distinguiu esse toque de fé dos toques casuais da multidão descuidada. Visto que ela O tocara com um firme propósito, Ele acurou, dizendo: “Filha, a tua fé te salvou”. S. Mar. 5:34.
Aprendemos aí como a fé pode tornar-se uma viva realidade. Cristo percebeu “que dEle saíra poder” (S. Mar. 5:30) mediante o toque de fé pessoal. Assim também, nas coisas espirituais, há uma diferença entre o contato casual de uma opinião a respeito de Jesus e a fé que O aceita como Salvador pessoal. Ellen G. White exprimiu-o com muito acerto em A Ciência do Bom Viver, p. 62: “A fé salvadora é um ajuste pelo qual os que recebem a Cristo se unem em concerto com Deus”.
Isto é fé viva, fé que justifica, fé que restaura, fé que opera, fé que vence o mundo.
Possuímos semelhante fé? Oh! como necessitamos orar fervorosamente: Vem, Senhor, ajuda-me na minha falta de fé! Como nossa alma precisa estar mais unida com Ele!
Jesus curará as almas enfermas de pecado se as conduzirmos a Ele com fé. O paralítico de Cafarnaum almejava ver a Cristo e receber a certeza do perdão dos próprios lábios do Salvador. Seus amigos levaram-no ao Mestre, o qual estava ensinando na casa de Pedro. Não conseguindo entrar na casa, eles descobriram o eirado no ponto correspondente ao lugar em que estava Jesus, e baixaram o enfermo a Seus pés.
Lemos em S. Marcos 2:5: “Vendo-lhes a fé, Jesus disse ao paralítico: Filho, os teus pecados estão perdoados”. Que significou isto para ele? Eis a resposta:
“O peso da culpa cai da alma do doente. … Quem pode negar Seu poder de perdoar pecados? A esperança toma o lugar do desespero, e a alegria o do opressivo acabrunhamento. Desaparece o sofrimento físico do homem, e todo o seu ser se acha transformado”. — A Ciência do Bom Viver, p. 76.
Só os fariseus negavam esse poder de Jesus. Ele realizou, portanto, a inegável cura do corpo do paralítico.
“Nada menos que poder criador exigia o restituir à saúde aquele decadente corpo. … A cura do corpo era uma evidência do poder que renovara o coração”. — Idem, pp. 76 e 77.
Cristo mandou que o paralítico se levantasse, tomasse o leito e fosse para casa, “para que saibais que o Filho do homem tem sobre a Terra autoridade para perdoar pecados” (S. Mar. 2:10).
O Salvador revelou a devida prioridade das necessidades humanas. Precisamos de saúde da alma antes que possamos apreciar a saúde do corpo. Para milhares de pessoas, a culpa é a causa de suas enfermidades, e só poderão ser ajudadas dirigindo-se Àquele que cura a alma. Antes que sejam curadas as suas doenças físicas, Cristo precisa curá-las com Seu bálsamo perdoador. Anseiam inconscientemente pela mensagem: “Os teus pecados estão perdoados”. Esta lição não deve ser passada por alto.
A justificação do pecador é muito mais do que um ajuste legal. Vejamos que significa o perdão na parábola do filho pródigo, em S. Lucas 15.
Quando o filho perdido se arrependeu e voltou para casa, pretendendo pedir o ínfimo lugar entre os servos de seu pai, a fim de obter alimento, o pai o avistou e, compadecido dele, correu-lhe ao encontro, o abraçou e beijou, e nem sequer permitiu que o filho relatasse todos os seus pecados. Disse o pai aos seus servos: “Trazei depressa a melhor roupa; vesti-o, ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés; trazei também e matai o novilho cevado. Comamos e regozijemo-nos, porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado”. S. Luc. 15:22-24.Vemos aí o significado do perdão divino: ele significa completa e total restauração à qualidade de filho e à comunhão com o Pai. Há alegria no Céu toda vez que fazemos sincera confissão de nossos pecados e de nossa aceitação da justiça de Cristo. A alegria no Céu corresponde ao regozijo da alma.
Salvação! Era isso que Lutero tinha procurado por muitos anos, mas não conseguira encontrar. E agora Paulo lhe declara que o evangelho é o poder de Deus para a salvação.
‘”A justiça de Deus’, que antes eu detestava, era agora a que eu mais apreciava. Foi assim que essa passagem escrita por Paulo tornou-se-me a entrada do Paraíso”.
Não precisamos ger bons a fim de ger salvos Precisamos, porém, ger salvos para ger bons. Não somos salvos pela fé e ag obras, mas pela fé que opera.
A fé não é nosso salvador ou o meio de salvação. Ela é unicamente o conduto da salvação. A fé aceita a Cristo como Salvador pessoal, e apodera-se dEle.
A lei foi dada para nos convencer do pecado, e não como meio de justificação. Mediante a condenação da lei o homem poderia ver mais claramente a necessidade de um Salvador e a Indispensabilidade do Homem de Nazaré.
Hans K. LaRondelle, Professor de Teologia na Universidade Andrews