É manhã de sábado e o pastor está de saída para a igreja. Entrando no carro, seu telefone toca. Do outro lado da linha, em lugar do amigável “feliz sábado”, ele ouve: “O senhor precisa fazer alguma coisa! Há um integrante do grupo de louvor que não tem mais condições de participar. Todos já sabem o pecado que ele cometeu e a igreja deve removê-lo!” O caso aqui é hipotético. Mas você pode ter vivenciado algo parecido.
Infelizmente, o pecado e suas consequências são uma realidade no convívio humano. Na igreja não é diferente. Geralmente recai sobre o pastor a pressão para uma solução rápida e (o mais difícil) que satisfaça os sentimentos de justiça dos envolvidos.
A Igreja Adventista é notoriamente prudente quando se trata de disciplina eclesiástica, basta olharmos para as recomendações do Manual da Igreja. Nele há um capítulo biblicamente bem embasado dedicado a esse tema, o qual é enfático em recomendar a busca pela conciliação dos envolvidos, visando a paz e a harmonia entre os membros do corpo de Cristo. Para isso, o Manual recomenda que seja levado à igreja apenas os casos não solucionáveis particularmente entre os irmãos.
Nos últimos anos, temos observado a judicialização de casos ligados à disciplina eclesiástica. A questão que se levanta é: Pode a justiça estatal revisar uma decisão interna sobre disciplina? Veremos, a seguir, dois aspectos importantes.
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Proteção legal
O Judiciário brasileiro tem por regra não analisar o mérito das decisões eclesiásticas. Esse respeito decorre da forte proteção legislativa conferida às organizações religiosas e associações em geral.
O Código Civil brasileiro (Art. 44, § ١º) assegura liberdade às igrejas em definir sua estrutura e organização interna, o que inclui regular as condições de ingresso e permanência no seu rol de membros. Por sua vez, a nossa Constituição Federal (Art. 19, I) ainda veda ao Estado qualquer ato que possa embaraçar o funcionamento das igrejas, o que também abrange procedimentos disciplinares.
Ocorre que essa proteção é perdida quando a própria igreja desatende o rito processual definido. Quando há falha no rito, existe sempre a possibilidade dele ser anulado judicialmente. Por isso, recomendamos que, ao notar que houve alguma falha durante o trâmite, a própria igreja reabra o procedimento (ou recue, se ainda não foi concluído) para refazer o ato em conformidade com o regulamento.
2
Ampla defesa
Neste ponto, chamo atenção para um direito que possui uma especial proteção: o direito à ampla defesa e o contraditório, garantido pelo Art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Essa proteção garante ao envolvido não apenas o direito de ter conhecimento prévio dos fatos a ele imputados, mas também o de se pronunciar sobre eles em defesa própria e apresentar as provas necessárias.
O Manual da Igreja regula esse direito no item denominado “Direitos Fundamentais dos Membros” (p. 72). Nesse item, além da oportunidade de falar em defesa própria e produzir provas, o membro envolvido deve receber uma notificação por escrito, pelo menos duas semanas antes da reunião da Comissão Diretiva da Igreja e da reunião administrativa. Nessa notificação, devem conter também as razões para sua disciplina.
Se houve falha nesse ponto durante o procedimento que culminou com a remoção do rol de membros, a pessoa removida poderá obter a nulidade da remoção no Judiciário, inclusive com a sua reintegração ao rol de membros. Imagine o constrangimento!
Por isso, uma atenção especial deve ser dada a essas notificações por escrito. Recomendamos que a sua entrega seja comprovada por meio de um protocolo ou um recibo assinado pelo membro que a recebe. A prova documental da entrega evitará a dúvida sobre a sua existência no futuro.
No mais, é bom relembrar que a Igreja Adventista conta com uma rede de advogados preparados para esclarecer dúvidas e apoiar em qualquer necessidade.
EDER BARBOSA advogado geral da Igreja Adventista para o estado de São Paulo