“Sábado! Período de 24 horas que me protege, enche-me de graça, imprime ideias claras e coragem, colore de riquezas minha vida”

Quando eu tinha apenas quatro anos, meu pai trabalhava no turno da noite em uma empresa. Cada manhã, ao terminar o período, ele transferia as tarefas para o colega do turno diário, e explicava o que fazer para garantir a continuidade dos projetos. Como se fosse providencial, aquele colega percebeu que aquele homem que cada manhã lhe transferia o trabalho tinha um coração honesto. Não demorou muito, o colega Al Lein perguntou ao meu pai: “Você estaria interessado em estudar a Bíblia?” Meu pai não hesitou. Ele tinha um profundo desejo de conhecer mais a respeito das Escrituras.

Pouco mais de 50 anos depois, ainda me lembro de meu pai correndo à caixa de correio, pegar e abrir um envelope branco a cada semana, sentar-se na varanda de nossa modesta casa de madeira em Norwich, Connecticut, e abrir a Bíblia. Tendo sido criado sob circunstâncias difíceis em Harlem, ele tinha pouca base para entender questões religiosas. Mas, seu intelecto perspicaz, suas penetrantes indagações e determinação obstinada o mantiveram estudando por dois anos. Linha por linha, preceito sobre preceito, ele comparava capítulos e versos, enquanto eu brincava com minhas bonecas junto à minha irmã Dale.

Então certo dia, ele encontrou isto:

“Lembra-te do dia de sábado, para santificá-lo. Trabalharás seis dias e neles farás todos os teus trabalhos, mas o sétimo dia é o sábado dedicado ao Senhor, o teu Deus. Nesse dia não farás trabalho algum, nem tu, nem teus filhos ou filhas, nem teus servos ou servas, nem teus animais, nem os estrangeiros que morarem em tuas cidades. Pois em seis dias o Senhor fez os céus e a Terra, o mar e tudo o que neles existe, mas no sétimo dia descansou. Portanto, o Senhor abençoou o sétimo dia e o santificou” (Êx 20:8-11).

Quanto mais papai estudava esses versos, mais ele compreendia que eles o convidavam à ação. No fim da tarde de uma sexta-feira, enquanto o Sol começava declinar e ele se dirigia para a empresa, meu pai estacionou no acostamento da estrada, baixou a cabeça e orou, decidindo que aquele seria o último sábado no qual ele trabalharia.

Jamais ele retrocedeu daquela decisão.

O sábado e papai

A decisão de meu pai não foi fácil. Com três filhos e um a caminho, ele estava profundamente cônscio da necessidade que tinha de sustentar a família. Como católica devota, minha mãe não entendeu plenamente o novo compromisso dele, mas era dedicada ao bem-estar do relacionamento e respeitou o direito que ele tinha de fazer sua escolha.

Inicialmente, papai encontrou um trabalho como operador de máquinas em uma empresa pertencente a dois homens judeus, sabendo que isso manteria protegida sua observância do sábado. Quando o trabalho ficou escasso, eles lhe ofereceram a oportunidade para começar seu próprio negócio em um porão. Nunca me esquecerei daqueles anos de “vacas magras”, compartilhando o mesmo chapéu com minha irmã nas manhãs frias, abrindo os pacotes com nossos presentes de Natal, embrulhados em jornais, e dependendo do meu avô para nos levar à loja.

Porém, em meio a tudo isso, um profundo sentimento de alegria está associado às minhas memórias em torno do sábado, o sétimo dia. Embora minha mãe, meu irmão, minhas irmãs e eu continuássemos sendo católicos por muitos anos, eu aguardava com ansiedade o momento em que meu pai voltava da igreja cada sábado. Então, eu corria para encontrá-lo. Durante os sábados, havia as visitas ao zoológico, passeios no parque, saladas de frutas e o senso de calma e paz. Nas noites de sexta-feira, enquanto assistíamos à televisão, meu pai passava em silêncio pela sala, sorria para nós, entrava em seu quarto, fechava a porta e abria sua Bíblia. O suave brilho da luz daquele quarto dizia-me que tudo estava muito bem.

Papai guardava seus sábados com inflexível integridade. Qualquer que fosse a circunstância, estou segura de que ele não teria alterado seu costume. E Deus recompensou sua fé. Dentro de cinco anos, a pequena empresa cresceu e passou a ter uma dúzia de trabalhadores e nossa família se mudou para uma casa maior no campo. Durante minha adolescência, 30 empregados batiam ponto na empresa do papai, cada dia, e as finanças ficaram suficientemente estáveis para pagar as sempre crescentes despesas do colégio.

Hoje, o sábado está no centro da minha fé. Embora meu pai continuasse a me levar com minhas irmãs para as aulas de catecismo, depois de sua nova descoberta, chegou o dia em que nós também começamos a fazer perguntas. Dez anos depois da decisão que ele tomou de guardar o sábado, finalmente, ele pôde ter a família unida em sua dedicação e crença de que o quarto mandamento ainda está vigente.

O poder de uma ideia

Que coisa existe no sábado do sétimo dia que é tão impressionante, tão atraente, que atinge nosso coração com poder e convicção inabaláveis? Durante os anos da adolescência, houve um período em que eu voltei as costas para algumas crenças que havia abraçado, mas nunca houve nenhum questionamento quanto ao sábado. Lembro-me de ter sido convidada para festas e de ter respondido aos meus amigos: “Quando a grande bola vermelha de fogo desaparecer no céu, não poderei ficar aqui.” Então, apressando-me para casa, eu era recebida pela lenha queimando na lareira, minha mãe tocando piano, meu pai estudando a Lição da Escola Sabatina e minhas irmãs com o cabelo arrumado. A paz estava no ar.

Sábado! Período de 24 horas que me protege, enche-me de graça, lembra-me da minha herança, imprime ideias claras e coragem, colore de riquezas minha vida!

Alguns anos atrás, tive a felicidade de conhecer um dos mais belos livros que já li – Sabbath – escrito por Dan Allender. Normalmente, ninguém lê um livro mais de uma vez; porém, já saboreei esse livro por três vezes, calmamente, digerindo suas frases como uma fina refeição, parando de vez em quando, para deixar o sabor fluir levemente.

Dia prazeroso

Allender afirma que o sábado não é tanto uma pausa na vida diária, mas uma entrada feliz na verdadeira vida.

“Deus não repousou no sentido de tirar um cochilo ou Se restaurar. Em vez disso, Ele celebrou e Se alegrou em Sua criação. Deus introduziu a alegria em Sua criação e a deixou livre para estar ligada ao artista, não separada dEle.

“De certo modo, o repouso de Deus no sétimo dia da criação é comparado ao processo do nascimento e ao período que se segue a ele, quando termina o trabalho de parto e começa o fortalecimento do vínculo. A mãe e o pai olham demoradamente a criança que já está separada deles, porque já não se encontra apenas na mente e no ventre da mãe, mas externamente separada. Ela já não está sozinha na imaginação ou na profundidade do ventre. Finalmente, é libertada para ser conduzida nos braços dos pais. Essa ligação leva a mãe e a criança a um vínculo que, caso seja seguro, perdurará sempre, na angústia e na perda, provendo à criança a certeza de que tudo estará bem.

“Semelhantemente, Deus olhou embevecido para Sua criação e disse: ‘Tudo é muito bom.’ Não sabemos o que Deus fez ou não fez no sétimo dia, mas podemos assegurar que Seu prazer não variou nem diminuiu com o passar dos dias. Em vez disso, Sua alegria infinita cresceu em admiração e felicidade, enquanto supervisionava tudo o que havia criado e declarou ‘tudo muito bom.’”1

De acordo com Allender, o que nos impede de imergir plenamente em tudo o que o sábado tem a oferecer não é apenas nosso estilo de vida agitado, mas, em nível mais profundo, nosso temor de verdadeiramente aceitar a alegria. Ao avaliar seus alunos, Allender descobriu que eles ficavam muito mais à vontade com o trabalho. “Eu não sei o que fazer com um dia que é destinado a ser cheio de alegria”, disse um dos estudantes.2

O livro de Allender apresenta os muitos níveis de alegria sabática que espera aqueles que são suficientemente corajosos para aceitá-la. Ao ler suas palavras, relembro novamente as profundas bênçãos que esse dia generosamente oferece. A escolha é minha. Acaso estaria eu trivializando o dom do sábado, relaxando no sofá, enquanto navego pelo facebook, verificando e-mails, e fazendo joguinhos banais? Ou estou verdadeiramente ansiosa para receber de braços abertos o sétimo dia, desejosa de mergulhar de cabeça em toda a sua beleza?

O elementar

Em seu livro, Allender apresenta quatro elementos do sábado que, segundo ele, são o coração das bênçãos do sétimo dia. Aqui estão eles, com meus comentários:

Glória e beleza. “Devemos aproveitar a beleza para envolver nossos sentidos em cor, textura, sabor, fragrância, brilho, som, doçura e prazer. Se devemos fazer isso em todos os dias, muito mais devemos fazê-lo no sábado, dia em que Deus parou e Se maravilhou diante de Sua criação.”3

Teria sido mais fácil permanecer em casa na tarde daquele sábado no nordeste de Massachusets. A temperatura estava em torno de zero grau e uma camada grossa de gelo cobria a janela. Mas minha tia havia me presenteado com um chapéu para o Natal, e um amigo me convidou para uma caminhada. Com ansiedade infantil, agasalhei-me, coloquei um cachecol de lã sobre a boca e abri a porta a toda esplêndida glória do sábado. Caminhamos por aproximadamente uma hora, enchendo os pulmões com ar frio, sentindo a reverência silenciosa da floresta agraciada com neve. Décadas depois, a lembrança daquele sábado ainda me traz alegria.

Ritual. “Os rituais e símbolos sabáticos são a maneira pela qual exteriorizamos o espetáculo de um dia santo.”4

Lendo os comentários de Allender sobre rituais, não posso deixar de recordar um dos capítulos de outro livro favorito, intitulado The Man Who Mistook His Wife for a Hat [O homem que confundiu sua esposa com um chapéu]. Nele, Oliver Sacks incluiu um atraente ensaio sobre Jimmie, um homem acometido por extrema perda de memória, ou síndrome de Korsakov. Embora Jimmie tenha sido como que “empacotado” por 30 anos e não possa se lembrar de qualquer coisa que tenha acontecido cinco minutos atrás, ele demonstra estar surpreendentemente vivo no contexto do ritual. “Completamente, intensamente, quietamente, em absoluta concentração e atenção, ele entrou e no templo participou da Santa Ceia. Ele foi completamente absorvido por um sentimento. Não havia esquecimento nem Korsakov, nem parecia possível imaginar que isso existisse ali; pois ele já não estava à mercê de um mecanismo falho – de traços e sequências de memória sem sentido – mas estava absorvido em um ato de todo o seu ser, que carregava sentimento e significado em unidade e continuidade orgânica, unidade e continuidade tão ligadas, que não permitiam nenhuma interrupção.”5

Toda vez que leio esse trecho, sinto-me intensamente maravilhada. O ritual é importante. O sábado é importante. Há uma parte de nós que se torna ancorada, enraizada e completa no contexto dos símbolos, e de atos que executamos cada semana.

Confraternização. “A alegria do sábado não está simplesmente em uma reunião com boa comida e amigos – há muitas outras oportunidades para esse tipo de encontro. Mas, não há outra oportunidade que seja tão gloriosamente reservada para desfrutarmos o prazer da maravilha de entrar na eterna festa de Deus.”6 Como esposa de pastor, tenho participado de muitas refeições aos sábados, com antigos e novos amigos.

Andriy apareceu de bicicleta, certo sábado, em nossa igreja em Orlando. “Esta é a igreja Kress Memorial?”, ele perguntou com um profundo e bonito realce. Ao receber a confirmação de que estava no lugar certo, ele gritou: “Que maravilha! Na Ucrânia, achei esta igreja pela internet. Cheguei ontem, de avião, aluguei esta bicicleta, e estou há quase duas horas procurando por ela!” Então, juntos festejamos aquele sábado, com muita alegria e a certeza de que adoramos o mesmo Deus.

Alegria restauradora. “O sábado é nosso dia recreativo, não como um feriado qualquer, mas no sentido de ser uma festa que celebra a grande generosidade do criativo amor de Deus.”7

Uma das minhas mais gratas lembranças do sábado como dia restaurador me leva a um glorioso dia ensolarado na Nova Inglaterra. Meu esposo encontrou Maggie na ala psiquiátrica de um hospital. Oprimida por uma depressão crônica, ela havia solicitado a visita de um pastor. Sua face carregava as feridas dos anos de sofrimento. Com o passar dos meses, à medida que aumentava sua confiança em nós, sua história veio à tona. Ela era divorciada de um marido abusivo que tinha um temperamento violento. Mas isso não era a pior parte na história de Maggie.

Criada por um rígido clérigo, Maggie tinha aprendido a associar religião com hipocrisia, abuso e crueldade. O fato de que ela houvesse respondido à nossa oferta de amizade foi nada menos que um milagre. Ainda mais surpreendente foi o desejo que ela manifestou de frequentar a igreja.

Em um sábado ensolarado de junho, depois do culto, resolvemos passear pela costa do Maine. Encontramos Maggie à entrada do templo e a convidamos para ir conosco. Com alegria, ela aceitou o convite. Depois de algum tempo, contemplando a beleza do mar, ela disse: “Nunca imaginei que pudesse desfrutar um sábado na companhia da esposa de um pastor!” Era claramente perceptível o sentimento de paz que ela irradiava, enquanto dizia essas palavras.

Sábado! Dia de repouso e alegria! Sim, alegria. Não nos esqueçamos da alegria. Alegria, prazer e fartura esperando todos aqueles que estejam ansiosos para receber alegria, prazer e fartura!. 

Referências:

  • 1 Dan Allender, Sabbath (Nashville, TN: Thomas Nelson Pub., 2009), p. 28.
  • 2 Ibid., p. 24, 25.
  • 3 Ibid., p. 44.
  • 4 Ibid., p. 156.
  • 5 Oliver Sacks, The Man Who Mistook His Wife for a Hat (Nova York: Simon and Schuster, 1985), p. 36.
  • 6 Dan Allender, Op. Cit., p. 78.
  • 7 Ibid., p. 82.