“A obra do pastor não está completa enquanto ele não fizer seus ouvintes sentirem a necessidade de uma transformação de coração”

Algum tempo atrás, vi afixado no púlpito de uma igreja este pensamento: “O púlpito cristão não é um trono; não ‘domina’ o povo. Não é tribunal; não condena. Não é tenda de leilão; não compra nem vende. Não é palco; não se exibe. Mas é a mesa de Deus para almas famintas, o bálsamo para corações feridos, o apoio para quem carrega fardos e aflições. O mais elevado serviço do ministério requerido pelo grande Pastor é: ‘Apascenta as Minhas ovelhas!’”

Apascentar ovelhas é cuidar delas, protegê-las, conduzi-las, alimentá-las, entre outras coisas, e o uso do púlpito é um dos meios de se cumprir essa tarefa. Com a exposição substancial da Palavra, o rebanho é encorajado, sustentado, protegido, guiado e revigorado. Tudo isso é necessário para o crescimento espiritual dos membros e para levá-los a um desempenho relevante no cumprimento da missão confiada por Deus à igreja.

Indubitavelmente, nutrir o rebanho é um dos propósitos primordiais da pregação. Por isso, o pensamento acima fala do púlpito como sendo “a mesa de Deus para almas famintas”. É triste quando os ouvintes voltam para casa tão famintos espiritualmente como quando de lá saíram para ir à igreja. Como diz Orley Berg, “quando o membro deixa seu confortável lar para assistir ao culto, seja no sábado de manhã ou no meio da semana, ele deve ter certeza de que o pastor gastou tempo para se preparar bem, e que terá alguma coisa importante a dizer, incluindo algo palpitante e novo, extraído da Palavra de Deus. Ele [o pastor] pode falhar em outras coisas e até passar despercebido; mas não pode se permitir falhar nessa questão”.1

Em artigo nesta revista, já ponderei que um calendário de púlpito leva o pastor a oferecer uma nutrição espiritual balanceada, enquanto o ajuda a superar a tendência de pregar apenas temas favoritos com sacrifício de outros importantes e necessários.2 Tem que haver equilíbrio na pregação. Duncan afirma que “uns pastores pregam somente doutrina; isso faz da congregação apenas cabeças, semelhantes a monstros. Outros pregam somente experiências, o que torna as ovelhas apenas coração – outro fenômeno. Ainda outros pregam somente prática, e os membros se tornam apenas mãos e pés, resultando noutra classe de monstros. Esforcem-se, pois, em pregar a doutrina, a experiência e a prática, de modo que, pela graça de Deus, seus ouvintes tenham cabeça, coração, mãos e pés, e sejam perfeitos em Cristo”.A graça de Jesus e por meio dEle é o critério final da pregação apropriada e oportuna. O pensamento inicial destas ponderações toca essa realidade, quando qualifica o púlpito de “cristão”, o que envolve o apelo evangélico do Novo Testamento, bem como doutrinas e material profético consignados em toda a Bíblia.

Cristianismo e pregação

Esse tríplice envolvimento – apelo evangélico, doutrinas e material profético – é condizente com o próprio significado de cristianismo. Portanto, a fim de consolidar o púlpito adventista como o foro no qual é proclamada a mensagem autenticamente bíblica, é fundamental determinar o que é cristianismo.

Uma conceituação de cristianismo é própria quando se considera seus dois sentidos: essencial e decorrente. O segundo sugere diferentes conceitos, que, tomados em seu todo dão forma e conteúdo à sua essencialidade, a qual é primeiramente cristológica; então, soteriológica. A essencialidade do cristianismo se resume na fórmula “cristianismo é Cristo”, como a análise de conceitos decorrentes o comprovam.

Conceito filosófico. Quando é definido filosoficamente, cristianismo é tomado como a religião dos cristãos, e seria comparável a qualquer outra grande religião do mundo: budismo, islamismo e outras. Porém, não fazemos justiça ao cristianismo se meramente o conceituarmos em termos filosóficos, posto que a fé avança para além da razão, ainda que a primeira não seja contrária a esta. É claro que cristianismo é uma religião, mas, por natureza, é mais que isso.

Conceito revelacional. Cristianismo é tanto religião como revelação, ou, na ordem prioritária, revelação e religião. A primeira, porque se origina no que Deus faz pelo homem; portanto, ressalta as profecias e seu cumprimento. A segunda, porque mostra como o homem deve reagir à ação de Deus, o que ressalta as doutrinas bíblicas. Tal ação é particularmente observada na pessoa de Jesus, sendo considerada em seu propósito último: restaurar a humanidade à comunhão com Deus. Assim definido, o cristianismo oferece a solução para o pior problema do Universo: o pecado.

Conceito eclesiológico. A igreja integra o conceito orgânico/institucional do cristianismo. A comunidade dos fiéis efetiva o ideal cristão, que deve permear a sociedade. Mas não é próprio confundir cristianismo com cristandade, já que a igreja, no sentido bíblico, é mais que a sociedade cristã. Igreja e cristianismo não se equivalem plenamente. A primeira é um elemento essencial do segundo, mais restrito em seu escopo e atribuição. Ela incorpora o cristianismo, faz por viver seus princípios, mas não é tudo o que ele representa.

Conceito doutrinal. Cristianismo pode também ser definido doutrinalmente, em termos das confissões de fé formuladas no transcurso da era cristã, comuns na pretensão de se fundamentarem na verdade, mas distintas em particularidades oriundas de diferentes interpretações dela. Não cabe aqui discutirmos as diferenças doutrinárias das várias confissões, mas precisamos reconhecer que uma doutrina só é válida se estiver fundamentada plenamente nas Escrituras, a única segura regra de fé e prática do cristianismo. Não podemos igualmente restringir o cristianismo a um corpo doutrinário, ainda que inteiramente bíblico. Implica realidade maior, embora o inclua.

Conceito ético. Próximo ao doutrinal, o conceito ético toma o estilo de vida ensinado e exemplificado por Jesus, como expressão do cristianismo. Inegavelmente vive o cristianismo quem copia o modelo de vida legado por seu Fundador. Ser cristão é fazer o que Jesus fez; é ser o que Ele foi. Daí, o valor da pregação doutrinária e profética, o qual se destaca ao se admitir que doutrina, ética e profecia inferem mais naturalmente o sentido primordial de cristianismo, embora também não expressem tudo o que ele é.

Por esse ângulo, cristianismo é uma religião que envolve doutrinas e cumprimento profético; mas vai além, salientando a atuação do Espírito Santo que gera fé no pecador e lhe propicia viver a própria vida de Cristo (Gl 2:20). Somente viveremos a vida de Jesus, normatizada por Seu ensino, se Ele mesmo viver em nós. Cristianismo aqui é salvífico, para então se revelar ético, num estilo de vida em harmonia com a Bíblia. Antes de exemplo, Cristo tem que ser Salvador pessoal, como estabelece o conceito experiencial de cristianismo.

Conceito experiencial. Vida cristã autêntica começa e prossegue com a aceitação de Jesus como Salvador e Senhor. Pela fé, os recursos divinos são colocados ao alcance do cristão. Arrependido, ele recebe o perdão dos pecados; justificado, ele tem paz com Deus. Pelo Espírito Santo, ele é gerado para uma nova vida de justiça e santidade; membro do corpo de Cristo (a igreja), ele desfruta do companheirismo com seus irmãos. Com novo senso de valor e missão, ele se torna uma bênção para a família, os vizinhos, a comunidade, a igreja e o mundo; e a vida do reino divino se torna sua vida, seu estilo de vida sob o domínio do amor. Que experiência! Acaso, poderia faltar em nossos púlpitos a exposição de tal assunto?

Cristianismo cristológico e soteriológico

Portanto, cristianismo é matéria de cristologia (doutrina da pessoa de Cristo) e consequente soteriologia (doutrina da salvação por meio de Cristo). É cristológico por ter em Cristo seu fundamento e conteúdo. Não havendo Cristo, não há, absolutamente, cristianismo. Cada coisa que é cristianismo o é em Cristo. Se concebido como filosofia, Ele é a “sabedoria de Deus” (1Co 1:24). Se entendido como religião, Ele é o meio de ligação com Deus (Jo 14:6); sendo compreendido como revelação, Ele é o cumprimento essencial da profecia (Mt 5:17). Percebido como igreja, Ele é Sua cabeça; e ela, Seu corpo (Cl 1:18). Concebido como sistema doutrinal, ou estilo de vida, Ele encarna as duas coisas (Jo 1:14). Assim, Cristo é a pedra de esquina e substância de todo o edifício cristão.

Igualmente soteriológico, o cristianismo envolve um processo completo de revelação, reconciliação e restauração da comunhão entre Deus e o homem. Aqui, entram definitivamente as profecias e doutrinas. As primeiras, porque procedem da revelação ou, melhor, são a própria revelação que desvenda o plano da redenção e chama pecadores a se valerem dele. As segundas, porque normatizam a vida cristã. Portanto, ao contrário de excluir doutrinas e profecias, o púlpito adventista as supõe, considerando serem ambas componentes essenciais do cristianismo.

“Quando colocamos a cruz no centro, cada setor do ensino cristão da Bíblia se ajusta devidamente como raios de uma roda. Convém que toda doutrina e prática da igreja seja exposta como uma série de passos sucessivos para andar ao lado do Senhor. ”

Naturalmente, há um conjunto de ensinos bíblicos que a igreja deve incorporar e comunicar. A grande comissão estabelece que a multiplicação de discípulos é fruto do ensino (Mt 28:20). Doutrinação é fundamental.

Por outro lado, doutrinas e profecias se relacionam mutuamente. Para começar, várias doutrinas peculiares são, no mínimo, confirmadas na nossa maneira também peculiar de interpretar certas profecias. Tomemos a guarda do sábado como exemplo. Quando a contrastamos com a guarda do primeiro dia da semana, valemo-nos particularmente de Daniel 7 e Apocalipse 13. Quando anunciamos a doutrina basilar do adventismo, a do santuário, recorremos a Daniel 8. Como pregar sobre escatologia, a doutrina dos últimos acontecimentos, sem nos valermos das profecias? Assim, doutrinas e profecias seguem associadas.

A importância da pregação doutrinária e profética se deve ao fato de que, uma vez convertido, o pecador deverá crescer no conhecimento e na prática da vontade de Deus. Caso contrário, sua vida não corresponderá à dinâmica experiência da salvação, o que será uma lamentável incoerência. Pecado, exatamente aquilo de que ele foi salvo, é desarmonia com a vontade de Deus (1Jo 3:4). E as profecias incluem o benefício adicional de confirmar a fé, fortalecer o ânimo e assegurar que Deus conduz a História e a igreja, e o fará, incluindo nossa própria vida, até a vitória final. Não é por acaso que, “quando os livros de Daniel e Apocalipse forem bem compreendidos, os cristãos terão uma experiência religiosa inteiramente diferente”,4 ocorrendo “entre nós grande reavivamento”.5

Portanto, é impróprio pregar Cristo como Salvador sem referência às doutrinas e profecias, apresentadas não apenas nos evangelhos, mas em toda a Bíblia. Isso seria o mesmo que apresentá-Lo como Salvador, sem exaltá-Lo como Senhor. As profecias sustentam essas duas qualidades de Cristo, enquanto a igreja, ao viver as doutrinas, confessa tê-Lo recebido e ser sujeita a Ele.

Evitando extremos

O sentido essencial do cristianismo permeia os conceitos derivados de seus elementos. Em qualquer aspecto, dentro do que é verdadeiramente bíblico, cristianismo é Cristo. Então, ao ocupar o púlpito, o pastor se empenhará em aplicar tais princípios, evitando a todo custo o unilateralismo, ou seja, os extremos da pregação sem doutrinação e estudo profético, ou da pregação doutrinária e profética, sem o apelo salvífico do evangelho.

Por se tratar de algo mais subjetivo, o primeiro caso será um risco para o viver autenticamente cristão. O crente não doutrinado e alheio ao conhecimento profético será mais vulnerável às pressões circunstanciais do mundo e estará propenso a abdicar de determinados aspectos da vida cristã, se não de todos, tão logo a dúvida e o desinteresse se façam presentes. O resultado será desastroso; na melhor das hipóteses, a mornidão laodiceana que, possivelmente seja pior que a apostasia total. Além disso, multiplicam-se os falsos profetas, pregadores oportunistas, os dissidentes, que encontram em crentes despreparados um terreno fértil para disseminar seus erros.

Como alguém poderá viver de acordo com a vontade de Deus, se desconhecer o manual dessa vontade, a Bíblia? Como será testemunha da verdade, se pouco sabe sobre ela? Como amadurecerá na fé, visando à semelhança com Cristo, se não desenvolver a salvação “com temor e tremor” (Fp 2:12)? Como avançará “para o alvo” (Fp 3:14)? “Os pastores devem apresentar a firme palavra da profecia como o fundamento da fé dos adventistas do sétimo dia.”6 Pode ser alegado que na classe batismal já se estudam doutrinas e temas proféticos. Porém, é inegável que precisam de contínuo repasse; doutrinas e profecias aguardam novas “descobertas”!

A vida cristã é marcha para a frente e para o alto; é batalha que exige adestramento e amadurecimento. Artur H. Stainback, líder batista, escreveu em favor da pregação doutrinária (e eu incluiria a profética), dizendo, entre outras coisas, o seguinte: “É triste ter que afirmar que muitos membros de nossa igreja são infantis em questão de doutrina. Jamais teremos uma igreja adulta, amadurecida, ou um cristianismo forte, enquanto não tivermos cristãos amadurecidos. Para sermos amadurecidos, precisamos conhecer doutrina. Preguem doutrina e estarão limpando o pó dos assentos [não é verdade que nada melhor que o estudo das profecias para entusiasmar a igreja?]…

“Acomodem-se em seus sermões para ser agradáveis aos homens, e estarão lesando sua eficácia em Cristo. Adocem seus sermões adaptando-os ao mundo de que os homens gostam, e estarão levando a congregação à diabetes espiritual. Preguem ideias populares e seu rebanho procurará o caminho do mundo e trará os entulhos dele para suas portas. Preguem as grandes doutrinas e deixem que vejam como Deus é rico em Sua Palavra, e conhecerão Deus e Suas riquezas.”7

A segunda situação, pregação doutrinária e profética sem o apelo salvífico do evangelho, resultará em mero proselitismo, alargando o espaço para membros convencidos da verdade, mas não convertidos a ela. O resultado será presunção dosada com exclusivismo, radicalismo, triunfalismo, criticismo, farisaísmo, mundanismo e outros “ismos” deploráveis.

Não podemos nos esquecer de que não somos apenas um movimento apocalíptico dos últimos dias. Somos uma igreja cristã, evangélica, comissionada a cumprir uma missão profética, a proclamação da última mensagem de misericórdia ao mundo, segundo consta em Apocalipse 14:6-12. Uma proclamação do “evangelho eterno” (v. 6).

Ellen G. White lembra que “às vezes homens e mulheres, sem estar convertidos, decidem-se em favor da verdade devido ao peso das provas apresentadas”.8 Convencer sem converter, essa não é a função do púlpito. “Deus quer desviar a mente da convicção lógica para uma convicção mais profunda, elevada, pura e gloriosa… Alguns pastores erram em tornar seus sermões inteiramente argumentativos.”9

É claro que o povo de Deus tem assuntos doutrinários e interpretação profética, ambos incomuns, sobre o que pregar; os membros em geral e os interessados em particular devem assimilá-los e vivê-los. Mas há de se ministrá-los corretamente, como Cristo fazia. Ele não procurava o mero assentimento, mas visava ao coração. Com efeito, quando uma pessoa abre o coração para receber o Salvador, o assentimento às doutrinas e a compreensão das profecias serão facilitados. Por isso nos é dito que “a obra do pastor não está completa enquanto ele não fizer sentir a seus ouvintes a necessidade de uma transformação de coração”.10

O processo correto de doutrinação e estudo profético exige que doutrinas e profecias sejam apresentadas cristocentricamente, razão pela qual somos instados a apresentar “a verdade como esta é em Jesus”.11 Shuler afirma que “quando colocamos a cruz no centro, representando a justificação e a salvação, cada setor do ensino cristão da Bíblia se ajusta devidamente como raios de uma roda… Cristo é o centro da roda da verdade. Convém que toda doutrina e prática da igreja remanescente seja exposta como uma série de passos sucessivos para andar ao lado do Senhor. Semelhante método conduzirá muito mais pessoas à verdade”.12

Providencialmente, Ellen G. White afirmou: “A verdade como esta é em Jesus subjugará os mais fortes oponentes, levando-os cativos a Jesus Cristo.”13 Amém! 

Referências:

  • 1 The Ministry, janeiro de 1970, p. 48.
  • 2 J. C. Ramos, “A dimensão pastoral da pregação”, Ministério, julho-agosto de 2000, p. 14.
  • 3 John Duncan, “Pregação equilibrada”, Ministério, maio-junho de 1963, p. 23.
  • 4 Ellen G. White, Testemunhos Para Ministros e Obreiros Evangélicos, p. 114.
  • 5 Ibid., p. 113.
  • 6 Elen G. White, Obreiros Evangélicos, p. 148.
  • 7 Arthur H. Stainback, “Necessidade de pregação doutrinária”, Ministério, novembro-dezembro de 1974, p. 7.
  • 8 Ellen G. White, Obreiros Evangélicos, p. 159.
  • 9 Ibid., p. 157, 158.
  • 10 Ibid., p. 159.
  • 11 Ellen G. White, Evangelismo, p. 191.
  • 12 J. L. Shuler, “A roda da verdade”, Revista Adventista, maio de 1968, p. 5, 6.
  • 13 General Conference Bulletin, 25/02/1895, p. 337.