Por que as duas fases do ministério de Cristo são indispensáveis à redenção do ser humano

Deus revelou o santuário a Moisés, no Monte Sinai (Êx 25:9, 40; 26:30; 27:8; Nm 8:4). De acordo com Frank Holbrook, nessas cinco referências, o verbo “ver” [hebraico, ra’ah] tem significado causativo, ou seja, “levou, compeliu, induziu a ver”1 “O candelabro foi feito de ouro batido, do pedestal às flores, conforme o modelo [mar’eh] que o Senhor [Yahweh] tinha mostrado a Moisés” (Nm 8:4). Conforme veremos, esse significado causativo é muito importante.2 Deus disse a Moisés: “Tenha o cuidado de fazê-lo segundo o modelo [tabnît] que lhe foi mostrado no monte” (Êx 25:40). A palavra hebraica tabnît tem uma variação semântica para tipo, e poderia indicar projetos (modelos) do arquiteto ou um modelo (tipo) em miniatura. À primeira vista, isso poderia significar que Deus apresentou a Moisés ou desenhos arquitetônicos, ou modelo de uma estrutura.

Uma coisa é certa: assim como os mandamentos não foram simplesmente falados, mas escritos em tábuas de pedra com o próprio dedo de Deus (Êx 24:12); Dt 10:1-4), as instruções do santuário não foram dadas apenas verbalmente, mas foram apresentadas a Moisés como projetos ou modelo em miniatura. Lucas relata que o santuário “fora feito segundo a ordem de Deus a Moisés, de acordo com o modelo que ele tinha visto” (At 7:44). Siegfried Wagner nota que “Yaweh mostrou a Moisés o modelo do santo tabernáculo divino e todos os seus acessórios (Êx 25:9, 40). Aqui, tabbnith significa ‘modelo’”,3 um “modelo tridimensional” (Sl 106:20).4

A palavra hebraica tabnît (“modelo”; Êx 25:40) é traduzida na Septuaginta (versão grega do Antigo Testamento) pela palavra tupon, significando “tipo”. F. F. Bruce comenta sobre isso dizendo: “A implicação é que a Moisés foi mostrada alguma coisa como um modelo representativo do santuário que devia ser erguido.”5 William Lane concorda: “Moisés viu algum tipo de ‘modelo’ que podia ser reproduzido na Terra.”6 Richard Davidson aponta que, se Deus tivesse dado um conjunto de projetos a Moisés, poderíamos esperar que ele os trouxesse da montanha como um guia para os construtores. Mas, a Bíblia diz que ele desceu apenas com duas tábuas nas quais estava gravado o que Deus havia escrito (Êx 32:15, 16).7 Isso exclui a possibilidade de que ele tivesse descido com um modelo em miniatura.

Vejamos o significado da frase “ser levado a ver”, mencionada anteriormente. A respeito disso, Davidson afirma: “Parece mais em consonância com o contexto, que a Moisés foi dada uma visão com uma mostra de algo construído, relatando em realidade vívida como o santuário iria ser.”8 Moisés foi arrebatado em uma visão que era claramente tridimensional com especificações cuidadosas.

Lugares santo e santíssimo

O santuário tinha um Lugar Santo e um Lugar Santíssimo (Êx 26:33). É interessante notar que os templos de Salomão e Ezequiel tinham especificações diferentes.9 Embora o tamanho desses templos fosse maior que o tabernáculo,10 cada um deles tinha os mesmos lugares santo e santíssimo: o compartimento externo, ou salão principal, e o interno (1Rs 6:29; Ez 41:1-4). Esse plano dos dois compartimentos é condizente nessas três estruturas, e é a parte mais importante das especificações dadas por Deus a Moisés, Davi e Ezequiel, porque os dois compartimentos eram lugares em que ocorria o ministério sacerdotal, depois que os sacrifícios eram feitos.

O livro aos hebreus fala do tabernáculo original no Céu (Hb 8:1-5), e indica que, depois de Cristo haver realizado Seu sacrifício no Calvário, entrou no santuário celestial (Hb 1:2), a fim de iniciar um ministério em duas fases. Os dois lugares santos11 têm tudo que ver com as duas fases do ministério de Cristo no santuário do Céu – redimir (primeira e segunda fases) e restaurar (segunda fase). O ministério celestial de Cristo redime os seres humanos e restaura o Universo à sua condição anterior ao conflito cósmico.

Ministério diário

Repetidamente, o Novo Testamento afirma que, depois de Sua ascensão, Cristo foi ao Pai e sentou-Se à direita deste no trono (Mc 16:19; At 2:34; 5:31; Rm 8:34; Ef 1:20; Cl 3:1; Hb 1:3, 13; 8:1; 10:12; 12:2; 1Pe 3:22). Muitos cristãos falham em compreender a importância das duas fases do ministério de Cristo no santuário celestial. O santuário é o dispositivo de ensino mais longamente usado nas Escrituras e revela a missão de Cristo na era cristã.

No famoso ensino de Cristo a respeito da era cristã e do fim do tempo (Mt 24:25), Ele chamou a atenção de Seus ouvintes para a profecia sobre “o abominável da desolação” do qual falou Daniel, “no lugar santo” (Mt 24:25). Cristo Se referiu a dois diferentes ataques do inimigo: primeiro, a Seu templo terrestre
(Dn 9:27), então, a Seu santuário celestial (Dn 11:31; 12:11). O primeiro ataque foi a invasão pelo exército romano, sob as ordens de Tito, em 70 a.D., para destruir o templo de Jerusalém. O segundo é a substituição do ministério de Cristo no santuário celestial pelo ministério sacerdotal católico romano na Terra. Neste segmento, consideramos o ministério diário de Cristo e, no próximo segmento, veremos Seu ministério anual.

“Deus não nos pede que nos preocupemos com nossa perfeição, mas com a perfeição dEle”

Disse Jesus: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai, a não ser por Mim” (Jo 14:6). Nas Escrituras não há lugar para a intercessão de Maria nem dos santos. É por isso que o livro aos hebreus, como um quinto evangelho, fala tanto sobre o ministério de intercessão de Cristo, depois da ascensão, no Céu. Nem Maria nem os santos são mencionados. O pré-requisito para a intercessão de Cristo no Céu é Sua morte. “Ele entrou no Santo dos Santos, de uma vez por todas, e obteve eterna redenção” (ta hagia; Hb 9:12; cf. 7:27). Não há intercessores humanos qualificados.

Diferentemente dos sacerdotes humanos, “Jesus tem um sacerdócio permanente. Portanto, Ele é capaz de salvar definitivamente aqueles que, por meio dEle, aproximam-se de Deus, pois vive sempre para interceder por eles. É de um sumo sacerdote como este que precisávamos: santo, inculpável, puro, separado dos pecadores, exaltado acima dos céus” (Hb 7:24-26). Ele prometeu: “O que vocês pedirem em Meu nome, Eu farei” (Jo 14:14). E Paulo afirmou: “O meu Deus suprirá todas as necessidades de vocês, de acordo com as suas gloriosas riquezas em Cristo Jesus” (Fp 4:19).

Daniel profetizou a respeito do ataque à intercessão celestial de Cristo. Os inimigos “se levantarão para profanar a fortaleza e o templo, e acabarão com o sacrifício diário” (Dn 11:31). A palavra “sacrifício” não existe no texto original. Somente a palavra “diário” (tamid) está no original (ver também Dn 8:11; 12:11). A palavra “diário” (contínuo) envolve tudo o que Cristo faz cada dia no santuário celestial, desde Sua investidura como Sacerdote-Rei (Hb 1:3-13; Ap 5: 1-14) até o fechamento futuro da porta da graça (Dn 12:1; Ap 21:6). O chifre pequeno que surgiu é o sacerdócio católico romano (Dn 7:8), que “suprimiu o sacrifício diário” (tamid; ministério diário de Cristo), de modo que “o lugar do santuário foi destruído… e a verdade foi lançada por terra” (Dn 8:11, 12).

Cristo estava preocupado em relação a Seu ministério diário, contínuo, no santuário celestial, em favor de Seus seguidores, porque isso foi substituído pela teologia e sacerdócio romanos (Maria e os santos). Por isso, Ele deseja que os cristãos estudem o livro de Daniel, a fim de que conheçam essa contrafação ao plano de salvação, que se coloca entre Cristo e os pecadores – que necessitam apenas de Cristo.

Ministério anual

O Dia da Expiação (Yom Kippur) era um dia de juízo, perto do fim do ano judaico. O antítipo desse dia é anunciado pela primeira mensagem angélica: Temam a Deus e glorifiquem-nO, pois chegou a hora do Seu juízo” (Ap 14:7). Isso dirige a atenção para o santuário celestial, portanto, longe da contrafação feita na Terra. Deus não necessita do juízo, porque Ele é onisciente (Sl 33:13;15; 56:8; 104:24; 139:2, 6; 147:5; Is 44:28; 46:9, 10; Ml 3:16; Mt 10:29, 30; At 15:8; Rm 11:33; Ef 3:10). “O Senhor conhece quem Lhe pertence” (2Tm 2:19).

Então, qual é a razão do juízo pré-advento? Não haveria necessidade desse juízo, se não houvesse o conflito cósmico que questiona Deus. Satanás e seus anjos foram expulsos do Céu, por causa da rebelião deles (Ap 12:7-9). Assim, como podem os pecadores do planeta Terra ser admitidos no Céu, por ocasião do segundo advento? Acaso, isso é imparcial? Por que outros pecadores não serão admitidos? Uma avaliação dos seres humanos é necessária, para que os seres criados no Universo possam ser satisfeitos em sua expectativa no sentido de que Deus é imparcial em Sua decisão sobre quem entrar no Céu e quem não entrar.

Daniel 7 apresenta uma cena de tribunal no santuário celestial: “O tribunal iniciou o julgamento, e os livros foram abertos” (v. 10). Note que uma investigação terá lugar antes do segundo advento. Quando o veredicto for confirmado, o Filho do homem virá nas nuvens do céu. Antes do julgamento, Ele não virá à Terra (1Ts 4:16-18), porém vai ao Ancião de Dias no Céu (Dn 7:13, 14). Consequentemente, o juízo e o veredicto ocorrem antes da segunda vinda.

A sentença será anunciada no contexto de uma guerra sendo travada “[O chifre pequeno] falará contra o Altíssimo, oprimirá os Seus santos e tentará mudar os tempos e as leis. Os santos serão entregues nas mãos dele por um tempo, tempos e meio tempo [1.260 anos, 538 a.D.-1798 a.D.]. Mas o tribunal o julgará, e o seu poder lhe será tirado e totalmente destruído, para sempre. Então a soberania, o poder e a grandeza dos reinos que há debaixo de todo o céu serão entregues nas mãos dos santos, o povo do Altíssimo” (Dn 7:25-27). A sentença do tribunal precede a vinda do reino de Cristo (Ap 11:15; 19:1-3).

O chifre pequeno guerreou contra o povo de Deus durante 1.260 anos (Ap 12:14), período em que a Igreja Católica empreendeu grande perseguição contra aqueles que proclamavam o evangelho. A Inquisição e a colocação da Bíblia no Index Lobrorum Prohibitorum [Índice de Livros Proibidos] revelam a missão desse sistema religioso.

“O ministério celestial de Cristo redime os seres humanos e restaura o Universo à sua condição anterior ao conflito cósmico”

Processo de julgamento

Alguns cristãos temem o juízo presente, pois olham para eles mesmos, em vez de olharem a Cristo. Em certo sentido, olhar para si mesmo, em vez de olhar para Cristo não é melhor do que olhar para um ministério sacerdotal terrestre em vez de olhar para o ministério sacerdotal de Cristo no Céu. Durante o processo do juízo pré-advento, os seres inteligentes no Universo veem se as pessoas julgadas aceitam ou rejeitam a obra de salvação que Jesus realizou em favor delas na cruz.

É precisamente isso, e nada mais, que determina o destino pessoal de alguém. Deus não nos pede que nos preocupemos com nossa própria perfeição, mas com a perfeição dEle. É do Seu traje de justiça que necessitamos. Assim, o juízo pré-advento está centralizado em Cristo; não no ser humano. Não é tanto o que os seres humanos têm feito ou não que é decisivo (Ec 12:14; Mt 12:36, 37), embora isso esteja incluído no processo. A questão é se eles têm aceitado ou rejeitado o que Cristo fez em favor deles quando foi julgado em seu lugar na cruz (Jo 12:31). Aqueles que se apegam a Cristo irão para o Céu; aqueles que não o fazem não irão. Por meio disso, Deus está mostrando ser amoroso e justo, permitindo que a liberdade humana de escolha seja decisiva. Por isso, o julgamento é pré-advento, para que os espectadores do Universo possam ver que o destino humano é imparcial, antes de alguns serem levados para o Céu, e outros não, por ocasião da segunda vinda (1Ts 4:16-18).

O Dia de Expiação continua além do juízo pré-advento, até os juízos do milênio e pós-milênio. Nessas três etapas do juízo, todos os seres humanos, caídos e não caídos, veem que Deus é justo e se curvarão diante dEle (Is 45:23; Rm 14:11; Fp 2:10, 11: 15:3; 19:1-6). As duas fases do ministério de Cristo são igualmente evangelho, porque não há redenção sem que o conflito seja resolvido. 

Referências:

  • 1 Frank Holbrook, The Sanctuary and the Atonement: Biblical,Historical and Theological Studies (Washington D.C.: Review and Herald, 1981), p. 4.
  • 2 A palavra hebraica mar’eh é derivada da palavra ra’á (ver). Ela tem ampla extensão semântica que inclui vista, visão, aparência, fisionomia e beleza. Ver, por exemplo, Robert D. Culver, Theological Wordbook of the Old Testament (Chicago, IL: Moody Press, 1980), v. 2, p. 824.
  • 3 Sigfried Wagner, Theological Dictionary of the Old Testament (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1975), v. 2, p. 179.
  • 4 Frank Holbrook, Op. Cit., p. 4.
  • 5 F. F. Bruce, The New International Commentary on the New Testament: Hebrews (Grand Rapids: Eerdmans, 1990), n. 27, p. 184.
  • 6 William L. Lane, Word Biblical Commentary: Hebrews 1-8 (Nashville: Thomas Nelson, 1991), v. 47A, p. 207.
  • 7 Richard M. Davidson, Typology in Scripture: A Study of Hermeneutical Structures (Berrien Spring, MI: Andrews University Press, 1981), p. 376.
  • 8 Ibid.
  • 9 Na construção do templo de Salomão, Deus novamente deu cuidadosas especificações
    (1Cr 28:11, 12,19; ver os versos 13-18 para outras especificações). A palavra hebraica tabnît é usada para o santuário e o templo. A visão de um templo nunca construído, dada a Ezequiel, também continha grandes especificações (Ez 40:1–42:20).
  • 10 Os templos de Salomão e Ezequiel tinham compartimentos adicionais, mas não juntos ao templo central (1Rs 6:2-5; Ez 40, 41).
  • 11 “O lugar santo” (Hb 9:2) e o santíssimo (Hb 9:3) são hagia. “lugares santos”; não “lugar santíssimo, conforme erroneamente traduzido na Nova Versão Internacional de Hebreus 9:12.