Como igreja, “nada temos a temer quanto ao futuro”

Na introdução do seu livro sobre o futuro da igreja, Eddie Gibbs escreveu: “Olhando para trás, para meus anos de formação, percebo que fui treinado para um mundo que mudou além de qualquer previsão, não apenas em termos de progresso tecnológico, mas, sobretudo, na área cultural.”1 Essa afirmação parece traduzir perfeitamente os desafios que a igreja enfrenta na atualidade e que tendem a se intensificar no futuro. A velocidade das forças modeladoras de nossa cultura está deixando um rastro tão assustador de fragmentação e colapso social, que as palavras de Gibbs quase se tornam as palavras da igreja.

Isso tem afetado o crescimento de igrejas em muitos lugares, e se espalhado por todo o mundo ocidental. Citando o Yearbook of American Churches [Livro do Ano das Igrejas Americanas], Gibbs apresenta o seguinte quadro: A Igreja de Cristo declinou de 1.592.609 membros em 1968, para 929.725 em 1997. No mesmo período, a Igreja Episcopal perdeu mais de 800 mil membros, seguida pela Igreja Metodista Unida que viu desaparecer mais de 2.400 membros.2 “Se as tendências continuarem”, opinam Norman Shawchuck e Gustave Rath, “60% de todas as congregações cristãs nos Estados Unidos desaparecerão antes de 2050.”3

A realidade brasileira, mesmo não sendo alarmante, não deve ser desprezada. De acordo com o IBGE, o crescimento dos evangélicos entre os anos 1980-1991 foi 5.18%; de 1991-2000, 7.3%, e de 2000-2010, 4.9%, o menor dos últimos 30 anos. Nesse período, denominações como Congregação Cristã no Brasil diminuiu de 2.489.113 membros para 2.289.634. A Igreja Luterana decresceu de 1.062.145 para 999.494 membros. A Igreja Presbiteriana, de 981.064 para 921.209. A Igreja Congregacional diminuiu de 148.836 para 109.591 membros, e a Igreja Universal do Reino de Deus, de 2.101.887 para 1.873.243; os que se declaram “sem religião” cresceram de 12,5 milhões (7,4%), em 2000, para 15,3 milhões (8%), em 2010. Isso num período em que o número de pessoas que se declaram evangélicas cresceu quatro vezes mais do que a população.4

Nada a temer

Creio que para a igreja é impossível entender o que está acontecendo ao seu redor, se ficar presa em si mesma, centralizada em seus problemas internos, sem notar a mudança cultural que afeta todas as áreas da sociedade. Mudanças tão profundas, complexas, abrangentes, imprevisíveis e globais, que se não entendermos a força delas, corremos o risco de ser esmagados.

Os profetas eclesiológicos modernos clamam por despertamento. Esperam que a igreja acorde e reaja, aproveitando o momento e se expandindo como o reino de Deus na Terra. Porém, eles e a própria igreja, espantados com o desafio, perguntam: Como? A maioria de nós nasceu na era industrial, em um mundo de mudanças rápidas e crescentes; como devemos proceder em uma era de mudanças velozes? Como deve ser a igreja em uma sociedade pluralista? Como evangelizar com êxito neste mundo consumista, sem compromisso com a coletividade e que defende uma moral autônoma, dissociada de Deus? Sentimo-nos impotentes para os desafios da pós-modernidade. O que fazer e como fazer? Qual será o futuro da nossa Igreja?

Não devemos desesperar. É preciso humildade, sabedoria e ânimo redobrado para avançarmos “como uma associação de peregrinos caminhando para o fim do mundo e para os confins da Terra”.5 “Nada temos a temer quanto ao futuro, a não ser que nos esqueçamos o caminho pelo qual Deus nos tem conduzido”, escreveu Ellen G. White.6 Essas palavras não podem ser ignoradas.

Recapitulando a história do cristianismo, vemos a mão divina em seu surgimento, crescimento e expansão. Mesmo que se argumente dizendo que o mundo estava preparado para receber o cristianismo no primeiro século, a verdade é que os cristãos tiveram que enfrentar muitos desafios. Eles intimidaram os orgulhosos pagãos, ao enfrentar a tortura e a morte, defendendo um amor que reduzia fronteiras raciais, proibindo o amor livre e outras práticas aceitas como corretas e necessárias. Num ambiente hostil, com propostas diferentes do comum, a igreja primitiva prosperou. De um punhado de cristãos amedrontados, espalhou-se pelo mundo e chegou aos nossos dias.

Quando enviou a igreja a fazer discípulos de todas as nações, Cristo prometeu: “Estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos” (Mt 28:20). Essa realidade foi experimentada por todos os que abandonaram o paganismo e se uniram a Ele na missão de salvar. Jesus Se apresentou à igreja como Aquele que tem autoridade no Céu e na Terra (Mt 18:18) e tem a igreja em Sua mão (Ap 1:11-20). Isso é suficiente para revigorar nosso ânimo. Conhecendo o fim desde o princípio, Ele afirmou: “Eu lhes disse essas coisas para que em Mim vocês tenham paz. Neste mundo vocês terão aflições; contudo, tenham ânimo! Eu venci o mundo!” (Jo 16:33). Em Jesus, a vitória da igreja está garantida: “as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16:18).

Ligada a essas está a promessa da presença do Espírito Santo, vivificando e capacitando a igreja militante: “Ele vive com vocês e estará em vocês” (Jo 14:17); “ensinará todas as coisas e lhes fará lembrar tudo o que Eu lhes disse” (Jo 14:26); “convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo” (Jo 16:8). As Escrituras também relatam que, quando a igreja for levada perante tribunais e tiver que testemunhar, o Espírito dará as palavras corretas (Mt 10:19, 20). Finalmente, o Espírito concederá dons à igreja para o desempenho do serviço missionário e transcultural, como foi outorgado a Cristo (Ef 4:11-14).

Diante disso, as perspectivas, embora desafiadoras, não são desanimadoras. Basta à igreja olhar para cima e ao seu redor. Ela deve perceber seu contexto, dialogar com ele e influenciá-lo com os valores do Reino de Deus, à semelhança do que fizeram o Mestre e os cristãos primitivos, quando entraram na sociedade helenística e urbana.

Tempo de oportunidades

É necessário reconhecer que parte da realidade do mundo ocidental de hoje foi construída pela igreja que relegou a prática do cristianismo bíblico a um plano inferior àquele vivido e ensinado por seu Fundador, para seguir caminhos não aprovados por Ele. Foi nesse ambiente de aparente cristianismo que o secularismo, o pluralismo religioso e o individualismo nasceram sem oferecer nenhuma esperança para o amanhã; centralizados no presente, ignorando as verdades da Palavra de Deus, agarrados a um emaranhado de experiências efêmeras, querendo ao mesmo tempo pertencer, descobrir e encontrar motivo para viver.

Um tempo de grandes oportunidades está se abrindo para a igreja. Pessoas estão procurando respostas para suas inquietações. Embora estejam desconstruindo verdades existentes e reconstruindo suas próprias verdades, elas insistem numa constante busca de algo para preencher o vazio do coração. Por isso, continuam “aflitas e desamparadas, como ovelhas sem pastor” (Mt 9:36). E será sempre assim, até que morram ou preencham o vazio existencial com Deus. É nesse ponto que se abre a oportunidade para a igreja.

É fundamental que a igreja se conscientize de que está a serviço de Deus no mundo e, pelo menos por enquanto, não pode sair dele. Por isso, é necessário que nos lancemos humildemente aos pés do Salvador e peçamos a unção celestial que os discípulos receberam a fim de testemunhar em Jerusalém, na Judeia, Samaria e nos confins da Terra (At 1:8). Necessitamos dessa experiência, a fim de que possamos amar as pessoas no mundo e do mundo, como Jesus as amou e Se deu por elas. Somente sob a dotação sobrenatural do Espírito é possível entrar em contato com o perdido e dialogar com ele sem preconceito nem medo, utilizando linguagem adequada e palavras certas.

Os tempos mudaram, mas não mudou o poder divino. O Espírito Santo continua disponível à igreja. Essa é a verdadeira esperança para o mundo e para nós que vivemos os desafios contemporâneos da missão. Que o Senhor da igreja nos conceda o mesmo êxito que obtiveram os cristãos do primeiro século!

Referências:

  • 1 Eddie Gibbs, Para Onde Vai a Igreja, (Curitiba, PR: Editora Esperança, 2012), p. 12.
  • 2 Ibid., p. 21.
  • 3 Norman Shawchuck e Gustave Rath, Benchmarks of Quality in the Church (Nashville: Abingdon, 1994), p. 12.
  • 4 IBGE, Censo 2010, análise MAI, Eunice Zillner, julho/2012, www.mai.org.br.
  • 5 J. H. Wright, A Missão do Povo de Deus – Uma Teologia da Missão da Igreja (São Paulo, SP: Editora Vida Nova, 2012), p. 34.
  • 6 Ellen G. White, Vida e Ensinos, p. 204.