ENTREVISTA: ANTÔNIO MONTEIRO DOS ANJOS
“Sempre mantive a crença de que o Senhor estava comigo. Portanto, não desesperaria. Como Paulo, eu não era prisioneiro do Togo, mas de Cristo”
por Delbert Baker
No dia 15 de março de 2012, Antônio Monteiro dos Anjos, pastor adventista em Cabo Verde, foi acusado falsamente, condenado e encarcerado numa prisão em Lomé, Togo. Depois de 22 meses, finalmente o Tribunal de Apelações do Togo o inocentou de todas as acusações, libertando-o no dia 13 de janeiro deste ano.
Depois da libertação, o pastor Monteiro passou o primeiro sábado com a família dele em Dakar, Senegal, onde concedeu esta entrevista ao pastor Delbert Beker, vice-presidente da Associação Geral dos Adventistas. Em seguida, Monteiro voltou para Cabo Verde, onde aproximadamente mil pessoas o receberam calorosamente no aeroporto da capital, Praia.
Aqui estão os principais trechos da entrevista.
Ministério: Como o senhor resume sua experiência de ter passado quase dois anos na prisão, por um crime que não cometeu?
Monteiro: Um homem, que eu nunca tinha visto antes, veio ao meu escritório em busca de assistência, e eu o ajudei. Algum tempo depois, esse homem acusou a mim e outras pessoas por um crime sobre o qual eu nada sabia. Como resultado, fui julgado, condenado e preso. Isso foi como se o céu tivesse desabado sobre mim. O tema do último sermão que preguei antes de ser preso foi reavivamento e reforma. Eu não sabia quanto necessitaria me lembrar, pouco tempo depois, dos princípios bíblicos apresentados naquela mensagem. Minha fé foi provada, mas Deus me sustentou.
Ministério: Quais foram seus sentimentos, ao ouvir o veredito de sua inocência?
Monteiro: Senti-me extremamente grato a Deus, aliviado e feliz. Lembro-me de que, quando o juiz leu a declaração cheia de termos técnicos jurídicos, os dois guardas que me escoltavam viraram-se discretamente para mim e disseram: “Você está livre.” Foi uma emoção indescritível! Então pensei: “Será maravilhoso estar novamente com minha família!”
Ministério: Quais foram os fatores que contribuíram para sua libertação?
Monteiro: Primeiramente, a intervenção direta de Deus. Ele trabalhou por meio de pessoas queridas. Eu poderia ter sido abandonado e esquecido na prisão, mas minha família, meus irmãos em Cristo, líderes de todos os níveis da Igreja e colegas de ministério não se esqueceram de mim em suas orações. Ele trabalhou em meu favor por meio das autoridades governamentais e jurídicas de Cabo Verde. O poder de Deus é magnífico!
Ministério: O senhor tem alguma ideia das razões pelas quais Deus permitiu essa experiência?
Monteiro: Não tenho explicações. Parece que Deus tinha um grande propósito a ser cumprido. Na verdade, entendo que não precisamos ter todas as respostas para tudo o que nos acontece. Simplesmente, enfrentaremos algumas situações na vida. Minha maior preocupação era com minha família. Se algo ruim acontecesse a ela, teria sido muito pior para mim.
Ministério: Sentiu ódio ou ira, enquanto esteve preso?
Monteiro: Não; nem ódio nem ira. Eu sabia que as acusações não tinham fundamento, e que eu era apenas um injustiçado. No início, eu perguntava: “Por que isso está acontecendo?” Depois, passei a perguntar: “O que Deus quer me ensinar com essa situação?” Então, decidi não alimentar sentimentos negativos, mas usar a experiência para meu aprendizado e crescimento. Vi muitos outros prisioneiros que estavam irados, odiosos e deprimidos o tempo todo. Vi o que o ódio e amargura podem fazer para envenenar os relacionamentos. Não quero isso para mim!
Ministério: O que o senhor tem a dizer sobre as outras pessoas que foram acusadas com o senhor, mas não estão livres?
Monteiro: Alguém me disse, e eu acredito, que eu tinha uma missão naquela cadeia. Eu não sairia de lá, antes que essa missão fosse cumprida. Assim foi comigo e eu creio que é com os demais. Deus esteve comigo durante o cumprimento dessa missão, e estava comigo quando fui libertado. Assim será com aquelas pessoas. Quando eu saí, falei ao irmão Amah e aos demais, a quem respeito e em cuja inocência creio firmemente, que eles devem continuar o trabalho que iniciamos. Oro para que Deus prossiga trabalhando com eles. Continuo em contato com eles e apoiando-os.
Ministério: Que teria acontecido se o senhor não tivesse sido libertado?
Monteiro: Felizmente, essa é uma boa pergunta com a qual não preciso me preocupar [risos]. Mas, quando eu estava preso, realmente acreditava que Deus me libertaria. Ele me impressionava com esse pensamento. Porém, eu também sabia que não podia falar muito sobre essa convicção. Ademais, embora eu acreditasse que Deus me libertaria, estava preparado para permanecer na prisão ou para fazer qualquer sacrifício que fosse exigido de mim.
“Sou grato pelo amor, apoio e pelas orações de todos, durante o tempo em que estive preso”
Ministério: O senhor ajudou alguém que depois o acusou falsamente. Deixaria de ajudar pessoas, por causa dessa experiência?
Monteiro: Absolutamente, não! Nada do que me aconteceu me impede de continuar ajudando outros. O fato de que coisas indesejáveis aconteçam a nós não deve nos impedir de fazer o bem. Jesus fez somente o bem e morreu numa cruz. Na prisão, eu pude ajudar mais pessoas do que imaginava. Entretanto, é certo que, ao ajudarmos pessoas que nos procuram, devemos ser sábios e tomar precauções.
Ministério: De que maneira o senhor acha que sua experiência espiritual o preparou para esse teste?
Monteiro: Deus não permite vir sobre nós nenhuma tentação ou prova que não possamos administrar. Creio que Ele nos prepara para o que tivermos que enfrentar. Sim, minha experiência anterior com Deus me ajudou a conviver com essa situação e adquirir crescimento. À semelhança de Cristo, eu pedia: “Pai, se possível, passa de mim este cálice”; então acrescentava: “Não seja como eu quero, mas como Tu queres.” Esses pensamentos não vêm apenas uma vez, mas constantemente vêm, vão e voltam. Toda vez que somos tentados a duvidar, devemos dar lugar à fé.
Ministério: Como era o dia na prisão?
Monteiro: Estive numa prisão construída para cerca de 500 presos, mas abrigava quase dois mil. Éramos aproximadamente 25 homens em quartos apertados, sem janelas nem ar condicionado. Acordávamos cedo, eu tomava tempo para devoção pessoal, então íamos para o pátio. Para muitos prisioneiros, a comida era indigna de ser chamada de alimento. Na verdade, liberdades básicas nos eram negadas. Às 17h30, os guardas nos trancavam no quarto e ninguém podia sair, nem eles podiam entrar até às seis da manhã. Não havia camas, apenas esteiras no chão duro. Havia um balde grande no meio do quarto que todos usavam para toilette. Não havia privacidade, vivíamos em condições indesejáveis. Nesse ambiente, havia doenças e o potencial para brigas. Porém, fui abençoado com a maneira pela qual os outros presos me respeitavam e tratavam, além do fato de que nunca fiquei doente.
Ministério: Pessoas de todo o mundo o visitaram na prisão. O que isso representou para o senhor?
Monteiro: As visitas eram animadoras. Pude compreender melhor o que a Bíblia diz quando nos aconselha a visitar prisioneiros. Cada visita era um testemunho e demonstração de amor e apoio. O ponto alto das visitas era a presença da minha esposa. Era-lhe permitido me levar comida e ela fazia isso todos os dias. Meus filhos também me visitavam. Recebi a visita de líderes da União, pastores, membros da igreja, representantes da Divisão e da Associação Geral. Uma das visitas especiais foi a do pastor Ted Wilson. Todos ficaram impressionados com o fato de que o presidente mundial da Igreja Adventista tomasse tempo para me visitar.
Ministério: Quais são as lições dessa experiência?
Monteiro: A primeira foi a lição de perdoar sem ressentimentos. Havia a tentação para ser odioso e amargurado. Mas, lembrei-me de que Jesus também foi acusado falsamente, mesmo por alguns de Seus seguidores. Então, resolvi perdoar sem ressentimentos. Por causa disso, consegui me relacionar cordialmente com o homem que me acusou e que foi confinado na mesma prisão. Isso me deu entusiasmo espiritual. A segunda lição foi a aceitação sem renúncia. Eu não podia prever meu futuro, mas aceitei minha condição. Eu acreditava que seria liberto em algum momento, embora não soubesse como nem quando isso aconteceria. Portanto, eu não falava para ninguém qual seria minha reação se não acontecesse. Isso porque eu não queria que alguém pensasse que eu estava hesitante ou inseguro. A terceira lição foi a da compaixão e generosidade. Na prisão há sempre pessoas necessitadas. Então, amor e bondade foram muito importantes. Havia muitos internos num lugar pequeno e, naquela situação, a necessidade de mostrar o amor de Cristo era real. Quando havia prisioneiros necessitando de dinheiro, desanimados ou com fome, eu procurava ajudar dentro das possibilidades. Quando estavam prontos para brigar, lá estava eu trabalhando pela reconciliação. Sempre que tinha oportunidade, eu compartilhava o evangelho. Quarta lição: confiança persistente em Deus. Eu mantinha a crença de que Ele estava ali comigo. Portanto, não me desesperaria. Lembrei-me de personagens da Bíblia que estiveram em prisões: José, Daniel, Jeremias, Paulo e outros, e me animava. Como Paulo, eu não era prisioneiro do Togo, mas de Cristo. A quinta lição: aproveitar sabiamente o tempo. Eu tinha o tempo em minhas mãos. Podia desperdiçá-lo, ou usá-lo para crescimento mental e espiritual. Então, lia a Bíblia e outros livros, revistas, orava e preparava mensagens. Preguei, ensinei e aconselhei. Tentei usar o tempo da maneira mais proveitosa.
“Deus não permite vir sobre nós nenhuma tentação ou prova que não possamos administrar”
Ministério: Como lhe foi possível exercer o ministério do perdão?
Monteiro: Simplesmente perdoei. À luz de minha decisão de não me tornar amargurado, resolvi perdoar assim como Deus me perdoou. Vingança não compensa. As pessoas me viam tratar bondosamente meu acusador e perguntavam como eu podia fazer isso. Essa demonstração de perdão abriu muitas portas ao testemunho e comecei a fazer a diferença. A prisão se tornou mais pacífica. Alguns diziam: “Não podemos brigar tendo o pastor Monteiro por perto.” [risos]. O perdão é poderoso e contagioso!
Ministério: Há fotografias em que o senhor aparece realizando batismos e cerimônias de Santa Ceia.
Monteiro: A prisão era um território evangelístico. Havia internos precisando de ajuda e, principalmente, de Cristo. Assim que cheguei, fui apresentado como pastor adventista do sétimo dia. Os prisioneiros quiseram que eu pregasse e estudasse a Bíblia com eles. Assim fiz, além de distribuir literatura levada pelos irmãos da igreja. Então, organizamos grupos de estudos bíblicos. Tínhamos um dia especial de oração em favor do Togo. Pela primeira vez, muçulmanos, católicos, protestantes e outros religiosos se reuniram para confraternizar e orar pelo país. Tudo isso criou unidade na prisão.
Ministério: Foi difícil testemunhar?
Monteiro: Às vezes era difícil, mas também havia alegria, especialmente quando podíamos ver orações respondidas e vidas transformadas. Eu não fui para lá com um plano de evangelismo. O plano foi desenvolvido à medida que a oportunidade aparecia. Eu pregava às terças e quintas-feiras, e dava estudos nos outros dias. Houve um batismo de nove detentos e cerimônias de Santa Ceia.
Ministério: Quais são seus planos daqui para frente?
Monteiro: Meu desejo é ministrar e ajudar as pessoas. Tenho um pastorado na Associação de Cabo Verde, depois tenho grande interesse no ministério em prisões. Penso que posso usar nesse trabalho a minha experiência. Esse é um ministério que Cristo incentiva e muito pode ser feito nessa área.
Ministério: Qual é sua mensagem para os adventistas que, em todo o mundo, oraram em seu favor?
Monteiro: Tenho uma mensagem de gratidão. Sou grato pelo amor, apoio e pelas orações de todos, durante o tempo em que estive preso. O amor de minha família e de toda a igreja estará sempre comigo. Sou grato pelo apoio da liderança mundial e da Divisão Centro-Oeste Africana da Igreja Adventista; isso foi um testemunho poderoso para o governo e o povo do Togo. Foi também uma demonstração para meu país de que os adventistas são unidos e solidários. As palavras nunca expressarão plenamente minha gratidão. Tenho muito a agradecer a todos!