Sua carta de 28 de maio chegou aqui a 9 de junho. Lamento muitíssimo não ter podido respondê-la antes, por ter estado mais de dois meses ausente do escritório, realizando longa viagem, e ao voltar, certamente havia muito trabalho atrasado, que tive de pôr em dia, tudo isso retardou minha resposta. Espero que esta contestação o encontre gozando as bênçãos do Céu. Vou procurar responder sua carta ponto por ponto.
A Lei dos Dez Mandamentos seria somente para os israelitas. Sinto discordar de você. Os Dez Mandamentos evidentemente foram promulgados para a humanidade inteira. Não se ajusta aos mais elementares princípios da lógica crer que, por não sermos judeus, podemos cometer adultério, roubar e mentir à vontade, sem falar em assassinato. Os Dez Mandamentos constituem a lei moral, pela qual deve o homem pautar sua vida. Os quatro primeiros, se os cumprir, porão em evidência seu amor a Deus. Os seis últimos mostrarão seu amor ao próximo. Os Dez Mandamentos são a lei do amor. Além disso, segundo uma declaração do Novo Testamento, todo ser por ela será julgado. É esta: “Porque qualquer que guardar toda a lei, e tropeçar em um só ponto, tornou-se culpado de todos. Porque Aquele que disse: Não cometerás adultério, também disse: Não matarás. Se tu pois não cometeres adultério, mas matares, estás feito transgressor da lei. Assim falai, e assim procedei, como devendo ser julgados pela lei da liberdade”. S. Tiago 2:10-12. É interessante o apóstolo chamar a essa lei “a lei da liberdade”. Também é digno de nota que seja dirigida a uma igreja cristã. Esta, com o correr do tempo, chegou a ser constituída por mais gentios do que judeus. E a lei também se aplicava a esses gentios e por ela seriam julgados.
O sábado seria só para os israelitas. A observância do sábado é estipulada no quarto mandamento do Decálogo, que, como temos afirmado, constitui a lei moral promulgada para toda a humanidade. É evidente, prezado irmão, que você tem um conceito “dispensacionalista” da mensagem cristã. Seu dispensacionalismo leva-o a passar por alto um fato de suma importância, a saber, que a igreja cristã é a sucessora do antigo Israel. Como tal, aplicam-se a ele e a seus componentes todas as normas que não foram expressamente suspensas por nosso Senhor Jesus Cristo. Visto não encontrarmos nas Escrituras a mínima declaração que nos permita presumir que a observância do sábado foi suprimida, e menos ainda que foi transferida para o domingo, primeiro dia da semana, cremos que a igreja cristã, pela graça de Deus e o poder do Espírito Santo, pode guardar o sábado e o deve fazer.
É impossível alcançar a perfeição? Uma das razões de eu ser adventista e não evangélico, meu querido irmão, é crer no Evangelho da vitória e não no da derrota. É verdade que Jesus Cristo cumpriu a lei, e que todos nós somos salvos unicamente por Seus méritos. Graças a Seu sacrifício na cruz, que aceitamos pela fé, somos justificados diante do Senhor. Ao nos arrependermos, ao confessarmos os nossos pecados, recebemos Seu perdão e nos apresentamos diante dEle como se nunca houvéssemos pecado. O branco manto da justiça de Cristo nos cobre completamente, e assim somos salvos pela fé e pela graça. Mas, desde o momento em que somos justificados, começamos a transitar pelo caminho escabroso mas ascendente da santificação. Cada dia, ao consagrar-se o cristão, pela fé, ao serviço do Senhor, recebe do alto uma medida crescente de graça e poder espiritual, concedidos pelo Espírito Santo, para ir amoldando cada vez mais sua vida e seu caráter ao Modelo divino, que é nosso Senhor Jesus Cristo, o Cumpridor da Lei. Se você estuda detidamente as profecias das Escrituras Sagradas, e suplica, ao estudá-Ia, a direção do Espírito Santo, descobrirá, estimado irmão, que nas etapas finais da história deste mundo o Senhor terá um povo numeroso, que em meio à mais terrível perseguição viverá como Jesus Cristo, isto é, perfeitamente, pois terá alcançado pela graça e pela fé a perfeição que o Senhor espera de Suas criaturas. Entre elas haverá judeus e gentios. Entre elas deve encontrar-se você e também devo encontrar-me eu. Deus quer demonstrar ante o Universo inteiro que assim como Cristo, na Sua condição de homem, pode viver em perfeita harmonia com Sua lei moral, Seus seguidores, sustentados pela Sua graça e pelo poder de Seu Espírito, também podem alcançar a mesma vitória. Se a intenção do Senhor fosse que só Jesus vencesse, e que nós, acalentados por Sua vitória, nos conformássemos com uma vida de permanente e definitiva derrota, as declarações que encontramos em Apocalipse 2:7, 11, 17, 26 e 3:5, 12 e 21, não teriam o menor sentido. Os cristãos têm sido chamados para vencer pela fé e pela graça de Cristo. E isso implica a perfeita sujeição da vida à norma moral dos Dez Mandamentos.
Jesus aboliu a lei? Você menciona em sua carta nossas “contradições”. Eu encontro uma contradição em sua carta e respeitosamente a vou assinalar: você afirma que Jesus aboliu a lei dos Dez Mandamentos; mas, ao mesmo tempo, cita uma série de versículos do Novo Testamento mediante os quais os apóstolos reafirmam a dita lei. Essa reafirmação evidenciaria que os apóstolos não estão de acordo com você; Jesus não havia abolido a lei dos Dez Mandamentos; esta continuaria em vigência para a igreja cristã.
O sábado não aparece no Novo Testamento ? Ao fazer a lista dos versículos do Novo Testamento que reafirmam o Decálogo, você acrescenta esta declaração: “Quanto ao quarto mandamento, é digno de nota que não se. aplica do modo predito. Nem sequer aparece no resumo de princípios de Romanos 13:9, 10 e na declaração feita pelos apóstolos e anciãos de Jerusalém (Atos 15:24-29)”. Há várias coisas a comentar nessa declaração, mas, no momento, nos cingiremos ao que dela se depreende: o sábado nem sequer apareceria no Novo Testamento. Mas. não é assim: aparece e em forma bem destacada, visto que a alusão ao verdadeiro dia de repouso é feita por nosso Senhor Jesus Cristo mesmo. Eis aqui Suas palavras: “Orai para que a vossa fuga não aconteça no inverno nem no sábado”. S. Mat. 24:20. Jesus estava dando Seu sermão profético. Anunciou ao mesmo tempo a destruição de Jerusalém e o fim do mundo. Esta profecia foi dada no ano 31 da era cristã. Cumpriu-se 39 anos depois, no ano 70 da era cristã, o que quer dizer que durante cerca de 40 anos os cristãos de Jerusalém deviam orar para que sua fuga não fosse no sábado. O argumento de que deviam orar por isso para não entrarem em problemas com os judeus, é sumamente débil. A verdadeira razão era que a igreja cristã primitiva guardava o sábado, tal como Jesus guardou, que o Senhor nunca teve a menor intenção de fazer uma mudança nesse sentido. Quer dizer, então, que o quarto mandamento também está presente no Novo Testamento, sublinhado pelo próprio Salvador, e portanto está em vigência.
O ministério da morte. Você cita, a esse respeito, II Coríntios 3:7-11. Ali se fala de dois ministérios opostos. O primeiro recebe a designação de “ministério da morte” e “ministério da condenação”. Ao segundo se chama “ministério do Espírito” e “ministério da justificação”. Mas o fato de haver “dois” ministérios, o primeiro anterior a nosso Senhor Jesus Cristo, e o segundo posterior a Ele, não nos dá o menor direito de supor que a abolição do primeiro “ministério” implique a abolição da lei sobre a qual ambos se fundamentam, porque insisto, querido irmão, tanto o “ministério da morte e da condenação” como o “ministério do Espírito e da justificação” se baseiam na lei do amor dos Dez Mandamentos. A diferença entre ambos é que no primeiro caso, essa lei estava gravada “com letras em pedra”, ao passo que no segundo, a mesma lei, sem variação ou modificação alguma, é escrita na “mente” e no “coração” dos crentes. Para comprovar isso, tenha a bondade de ler Hebreus 8:8-12. O antigo pacto caracterizava-se por estar a lei escrita em pedra e os israelitas prometerem cumpri-la. O novo pacto é muito melhor, porque se baseia na promessa de Deus de escrever essa lei na mente e no coração dos que O amam, nEle crêem e estão dispostos a servi-Lo e a Lhe obedecer.
Deus mesmo deu Sua vida. A menos que você seja ariano ou semi-ariano — posições que não têm nenhuma base nas Escrituras — terá que reconhecer que Jesus Cristo é Deus, porque assim o declaram as Escrituras. “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. … E o Verbo Se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a Sua glória, como a glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade”. S. João 1:1 e 14. “Dos quais são os pais, e dos quais é Cristo segundo a carne, o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente: Amém”. Romanos 9:5. “E sabemos que já o Filho de Deus é vindo, e nos deu entendimento para conhecermos o que é verdadeiro; e no que é verdadeiro estamos, isto é, em Seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna”. I S. João 5:20. Se Jesus é Deus, como estes textos provam com toda a clareza, então o Dr. Chaij está plenamente certo ao dizer que Deus mesmo deu Sua vida por nós.
Jesus é o Criador. Também isto está claramente estabelecido nas Escrituras Sagradas. “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez”. S. João 1:1-3. “Porque nEle (Jesus Cristo) foram criadas todas as coisas que há nos Céus e na Terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades; tudo foi criado por Ele e para Ele”. Colossenses 1:16.
Jesus tem vida em Si mesmo. “Por isto o Pai Me ama, porque dou a Minha vida para tornar a tomá-la. Ninguém ma tira de Mim, mas Eu de Mim mesmo a dou; tenho poder para a dar, e poder para tornar a tomá-la”. S. João 10:17 e 18. A declaração com que termina o versículo 18 “este mandamento recebi de Meu Pai” e a que encontramos em S. João 5:26, que diz: “Porque, como o Pai tem a vida em Si mesmo, assim deu também ao Filho ter a vida em Si mesmo”, não significa que Jesus não tenha vida em Si mesmo inerentemente, mas que em ambas as declarações o homem Jesus, que tinha de viver como um homem entre os homens, Se expressa como homem diante do Pai. Mas Jesus era Deus feito homem, para redimir os homens. É indubitável: Jesus tem vida em Si mesmo.
Não estamos sob a lei. Perfeitamente de acordo, prezado irmão. Uma vez que temos aceito a Jesus como nosso Salvador, uma vez que temos recebido o perdão de Deus e o poder de Seu Santo Espírito em nossa vida, não estamos mais debaixo da lei; estamos em harmonia com a lei, o que é bem diferente. Em outras palavras, nós cristãos guardamos a lei dos Dez Mandamentos de uma forma suave, sem nos darmos conta, porque somos dirigidos pelo Espírito Santo. Guardamos a lei de amor porque já fomos redimidos. Não estamos na posição do fariseu, do judeu do tempo de Jesus, que queriam guardar a lei para se salvar. Esses senhores estavam sob a lei. Nós não. _ .
Romanos 13:9. O apóstolo S. Paulo está reafirmando aqui a lei dos Dez Mandamentos. Não os cita todos, porque evidentemente não fazem falta. Além disso, nesta porção de sua epístola, está dando ênfase especial ao amor ao próximo, e os mandamentos que cita têm que ver com a parte do Decálogo que se refere ao amor ao próximo.
Atos 15:24-29. Estes versículos fazem parte das resoluções tomadas pelo primeiro concílio cristão celebrado em Jerusalém. Põem em evidência o que o Espírito Santo tem revelado através dos séculos aos cristãos fervorosos, a saber, que a igreja cristã não se deveria submeter mais à liturgia hebraica, em nenhuma de suas formas, porque toda ela apontava a Jesus, nEle achou sua substância, e nEle se cumpre. Essa comunicação do concílio jerosolimitano não invalida em absoluto os Dez Mandamentos. Acentua a não participação no culto idólatra, as leis higiênicas do povo de Israel que bem fazemos em nós também observarmos, porque a maquinaria humana judia e gentílica é a mesma; e um dos Dez Mandamentos, a saber, o que proíbe a fornicação. Esse era o pecado da moda naquela época (e é agora também), e convinha destacá-lo. Não se pode deduzir invalidação dos Dez Mandamentos dessas declarações.
Colossenses 2:16, 17. Uma análise acurada e honesta das declarações que se encontram nestes versículos levar-nos-á à conclusão de que o apóstolo se está referindo à liturgia hebréia. As comidas e bebidas por ele mencionadas, não se referiam ao desjejum, ao almoço e à ceia comuns, mas às que estavam ligadas à liturgia hebraica. Os “dias de festa, ou da lua nova, ou dos sábados (repouso)” também participam desse caráter litúrgico. Creio que você é aplicado estudante das Escrituras e estará inteirado de que a liturgia hebraica prescrevia sábados cerimoniais . Esses “sábados” ficavam abolidos. Não é o sétimo dia da semana que não é litúrgico, mas moral, pois faz parte da lei da liberdade e de amor.
Rogando ao Altíssimo que o dirija com Seu Santo Espírito, para que cresça na graça e no conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo por meio de Suas Santas Escrituras, saúda-o com amor cristão e se põe às suas ordens.
Seu irmão na mesma esperança G.C.