ENTREVISTA GERSON PEREIRA DOS SANTOS

“Os desafios são imensos, as necessidades são incalculáveis. Porém, a Bíblia contém vários exemplos de que a impossibilidade humana é a oportunidade de Deus”

Nascido na cidade de Santos, SP, o pastor Gerson Pereira dos Santos terminou a Faculdade de Teologia no antigo IAE, em 1982 e, em seguida, iniciou sua carreira ministerial na Associação Paulista Leste, onde foi pastor de igrejas e diretor de departamentos, o que também fez no âmbito da União Centra-Brasileira. Em 1994, foi para os Estados Unidos, onde também pastoreou igrejas, coordenou departamentos nas Associações da Flórida e da Grande Nova York. Nessa última, também atua como secretário.

Doutor em Ministério, pela Universidade Andrews, Michigan, e em Plantio de Igrejas, pelo Seminário Fuller, Califórnia, o pastor Gerson recentemente foi nomeado diretor do Centro de Ministério Urbano da Associação Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Casado com a professora Leila Kümpel dos Santos, tem dois filhos: Anne Elise e Jefferson (ambos casados) e dois netos.

Nesta entrevista, o pastor Gerson fala de sua experiência pastoral e da evangelização dos grandes centros urbanos.

Ministério: Com trinta anos de ministério pastoral, como o senhor avalia a experiência adquirida?

Gerson: Creio que, como seguidor de Jesus, fui chamado para partilhar minha fé, servir as pessoas com as quais eu entrar em contato, ajudá-las a conhecer o amor de Deus e também a se tornarem seguidoras de Jesus. Como pastor, sinto-me privilegiado em poder ajudar a preparar outras pessoas para a vinda de Jesus e treiná-las para ministrar em nome do Senhor. Posso dizer que o que mais me agrada no trabalho pastoral é ajudar os membros da igreja a crescer espiritualmente, descobrir seu chamado e se envolverem no discipulado.

Ministério: O que mudou nesses trinta anos?

Gerson: Muita coisa mudou. Eu mudei muito, e gostaria de poder voltar e recomeçar tudo, com a energia do início e a experiência adquirida com o passar dos anos. O mundo também mudou e uma das principais mudanças acredito ter sido a disponibilidade do conhecimento. O pastor já não é autoridade absoluta em diversos ramos do conhecimento humano. Atualmente, a informação está acessível, literalmente, na ponta dos dedos. E a especialização do conhecimento nos tem levado a saber cada vez mais de cada vez menos. Hoje, o mundo funciona com redes de relacionamentos e, à medida que aumenta a conectividade, esses relacionamentos se tornam cada vez mais superficiais. O líder do passado sabia dar a resposta certa; o líder do futuro faz a pergunta certa.

Ministério: Qual foi o momento mais difícil dessa jornada ministerial e que lições lhe foram proporcionadas?

Gerson: Creio que um dos momentos mais difíceis de meu ministério foi a readaptação ao pastorado de igreja, depois de haver trabalhado alguns anos como diretor de departamentos. Sentia-me seguro como especialista de uma área específica, mas quando voltei à igreja, percebi que ela não precisava de um profissional, mas de um amigo e líder que investisse tempo com os membros, ajudando-os a enfrentar suas lutas, buscando ajuda de Deus para solucionar problemas. Foram alguns anos de desafios, altos e baixos, mas aprendi a ser mais humilde e a confiar mais em Deus. Tive oportunidade de ter minha família perto, quase o tempo todo. Hoje tenho procurado estar sempre rodeado de gente comprometida com o serviço de Deus. Procuro conciliar o trabalho no escritório com o campo de trabalho. Não quero ser promotor de um produto, mas um praticante que ensina a partir da própria experiência.

“Em vez de vender técnicas de testemunho, devemos viver o evangelho. Nisso reside a força da nossa pregação”

Ministério: O que tem a dizer sobre a experiência de pastorear igrejas no Brasil e nos Estados Unidos?

Gerson: Acredito que as necessidades básicas do ser humano são as mesmas em todo lugar. Se a pessoa vai morar em outro país, recebe uma série de influências anteriormente desconhecidas. Isso pode trazer desafios e traumas, porém, ao mesmo tempo, oferece oportunidade de serviço. Quando alguém se muda para um lugar distante, essa pessoa se torna mais “vulnerável” ou aberta para receber uma mensagem que pode mudar sua vida. Com relação ao lugar em que vai trabalhar, tenho visto grande diferença em países que são mais desenvolvidos ou secularizados, nos quais a maioria das pessoas tem muitas reservas e preconceitos com a religião institucionalizada. Nos países em que não existe liberdade religiosa, em que o cristianismo é minoria ou praticamente não existe, a dificuldade é maior ainda. Não é fácil explicar os desafios para alcançar pessoas que vivem num contexto secular ou não cristão. Às vezes estamos tão fechados, servindo a igreja, que perdemos a noção dos desafios que estão à nossa volta. É um privilégio ser missionário em qualquer país, mas também é um trabalho de grande compromisso e abnegação, que envolve toda a família. Além disso, leva muito tempo, vários anos, para que o missionário se adapte à nova cultura e consiga se comunicar adequadamente. Não me refiro simplesmente a aprender uma nova língua, mas entender como as pessoas da referida cultura processam de forma distinta as pequenas coisas do dia a dia. Infelizmente, muitos missionários voltam para casa quando estão começando a compreender a maneira pela qual agem as pessoas da outra cultura. A compreensão e valorização dessa nova cultura são imprescindíveis, para que haja respeito e diálogo. Isso é realidade se você trabalha em outro país, como também se atravessa a rua para partilhar as boas-novas com o vizinho não cristão.

Ministério: Quais são as atividades e os projetos do Centro de Estudos para Ministério Urbano?

Gerson: O mundo se transforma rapidamente. Educadores devem adaptar seu currículo e estilo didático a fim de preparar estudantes para trabalhos que ainda não existem, usando tecnologia que ainda não foi inventada, a fim de resolver problemas que ainda não foram identificados. A cada dois anos, a quantidade de informação técnica é duplicada. Lembro-me de que, vinte anos atrás, vendi um carro para comprar uma linha telefônica para nossa casa no Brasil. Hoje, não temos linha telefônica em casa; usamos somente o telefone celular. Desde a antiguidade, a maioria das pessoas tinha um estilo de vida rural, dependendo da agricultura e da caça; Até o ano 1800, somente 3% da população mundial vivia nas cidades. Anos mais tarde, em 1900, o índice da população urbana alcançava 14%. Em décadas recentes, o mundo tem experimentado um crescimento sem precedentes da população urbana. A expectativa é que por volta do ano 2050, 70% da população do mundo estejam concentrados nos centros urbanos. Evidentemente, essa população precisa ser alcançada com a mensagem do evangelho. Nesse sentido, o Centro de Ministério Urbano da Associação Geral é um centro de recursos e consultoria. Não é nosso propósito desenvolver programas, mas ajudar a desenvolver pessoas e comunidades. Nossa missão é inspirar e capacitar a igreja para fazer novos discípulos. Nossa visão é oferecer um ministério para alcançar não cristãos. Estamos construindo um site de informações e recursos, chamado “Missão para as cidades” – www.missionthecities.org.

Ministério: Este é o ano da evangelização das grandes cidades. O que é o projeto “NY13”?

Gerson: Sem dúvida, NY13 é uma das maiores iniciativas evangelísticas da igreja. É uma abordagem abrangente do ministério, promovendo reavivamento espiritual, capacitação e treinamento, envolvimento missionário na comunidade, campanhas de colheita e formação de discípulos. Nos últimos dois anos, a igreja em Nova York tem investido muito tempo em planejamento e oração, preparando-se para essa grande iniciativa. Como resultado de estar centralizada na missão, a igreja tem sido muitíssimo abençoada por Deus; por exemplo, no ano passado, verificou-se o maior crescimento da igreja, em toda sua história, em Nova York. Esperamos que este ano seja ainda melhor. Porém, não queremos ser triunfalistas, dando a impressão de que tudo caminha facilmente. Os desafios são imensos, as necessidades são incalculáveis. Existem mais de 500 grupos étnicos. Mais de 300 línguas são faladas numa área metropolitana de aproximadamente 20 milhões de pessoas. Nova York é uma das cidades mais visitadas do mundo. Além disso, é o centro mundial de finanças, com uma riqueza cultural imensa. É também reconhecida como centro de comunicações, por ser o centro de produção de notícias para o mundo. Ellen G. White profeticamente menciona que o trabalho em Nova York deveria servir de modelo para o trabalho em outras grandes cidades do mundo. Durante 2013, esperamos ter centenas de campanhas de colheita, milhares de pequenos grupos e dezenas de novas igrejas.

“Os desafios existentes nos grandes centros urbanos oferecem muitas oportunidades para a missão”

Ministério: Que sugestões o senhor tem quanto aos métodos para evangelizar as grandes cidades?

Gerson: Faz muito tempo, aprendi que existe somente um método de evangelismo que não funciona: é o método de nada fazer. Deus é tão poderoso e está tão disposto a ajudar, que pode abençoar até mesmo as iniciativas mais limitadas. Por outro lado, o melhor método que podemos utilizar é o de Cristo. Ellen G. White afirmou que a única metodologia que produzirá verdadeiro sucesso é seguir o exemplo de Cristo. Ele Se misturava com as pessoas, demonstrava simpatia para com elas, atendia-lhes as necessidades, depois as convidava para segui-Lo (A Ciência do Bom Viver, p. 143). Creio que uma das maiores necessidades que temos, como pastores, é nos lembrarmos de que, acima de tudo, somos cristãos e, como seguidores de Cristo, devemos viver como Ele viveu e desenvolver um modelo relacional de ministério e estilo de vida. Os desafios existentes nos grandes centros urbanos também oferecem oportunidades para a missão. Milhões de pessoas que vivem nas grandes cidades têm as mesmas necessidades espirituais. Às vezes penso que, em vez de assumirmos a atitude de promotores desenvolvendo e vendendo técnicas de testemunho, devemos viver o evangelho. Nisso reside a força da nossa pregação.

Ministério: Como o senhor avalia a marcha missionária da igreja, à luz da segunda vinda de Cristo?

Gerson: A Igreja Adventista do Sétimo Dia está crescendo. Em algumas regiões, como os Estados Unidos, é a igreja que mais cresce – aproximadamente 2,5% ao ano. Porém, a maior parte desse crescimento ocorre entre minorias e, principalmente, imigrantes de primeira geração. Isso quer dizer que muitos já eram adventistas em seus países de origem. Mas existem segmentos da sociedade que praticamente não estamos alcançando. O mesmo se passa em outras regiões, como o Oriente Médio e partes da Ásia, onde a igreja adventista não está crescendo ou tem presença irrelevante. Mesmo em países onde a igreja cresce muito, como o Brasil, a presença adventista é pequena em relação ao crescimento da população e de outras igrejas, especialmente nos grandes centros urbanos. O desafio de alcançar os grandes centros urbanos e segmentos populacionais nos quais a igreja não tem conseguido penetrar leva-nos a pensar que precisaríamos de mais 150 anos de história para cumprirmos a missão. Porém, como a Palavra de Deus exemplifica muitas vezes, a impossibilidade humana é a oportunidade de Deus. Com um povo comprometido com a missão, o Espírito Santo de Deus terminará a tarefa de pregação do evangelho em pouco tempo. A vitória está garantida.