(Continuação)

Doutrina Sobre as Relações Entre Igreja e Estado

Distinguiremos antes de tudo duas grandes categorias: Sistemas que unem Igreja e Estado e sistemas que separam ambos os poderes.

1. Sistemas que Unem Igreja e Estado. Consiste na união entre os dois poderes, e poderia entender-se bem como um nexo de subordinação de um ao outro, ou como coordenação de ambos entre si.

Sistema de Subordinação. A subordinação pode dar-se, por sua vez, em duas versões: a) Igreja que se subordina ao Estado, e b) Estado que se subordina à Igreja.

Igreja que se Subordina ao Estado. Situa-se aqui o tipo extremo de césaro-papismo e o tipo atenuado de jurisdicionalismo. Nesta subordinação a ordem eclesiástica se encontra tão estreitamente sujeita à ordem política e ao chefe do Estado que este orienta os movimentos da igreja. O resultado histórico foi a provocação do cisma do Oriente e a aparição de igrejas nacionalistas anexas ao respectivo Estado, cujo modelo é a igreja ortodoxa russa sob os czares, seguida da formação da igreja anglicana da Inglaterra, quando o Parlamento proclamou Henrique VIII como único chefe supremo civil e religioso. Há formas atenuadas de subordinação da Igreja ao Estado, e estas são o episcopalismo, o territorialismo, o galicanismo, o jebronianismo. Segundo estes sistemas, ao se formarem igrejas nacionais, estas são absolutamente independentes, desligadas de hierarquias superiores eclesiásticas, em virtude de nacionalismo político e a subordinação da Igreja ao Estado.

Estado que se Subordina à Igreja. Este sistema consiste na intromissão do clero e de ministros cristãos em assuntos temporais, e no uso da religião como instrumento político para conseguir seus fins. Aí é quando a igreja ostenta as duas espadas: a espiritual e a temporal. Ambos os poderes estão em mãos da igreja. Este sistema hierocrático tem causado muito dano à igreja através dos séculos de sua história.

2. Separação Entre Igreja e Estado: Este sistema supõe a ausência de vínculos políticos e de associações especiais entre Igreja e Estado. Do ponto de vista legislativo o regime separatista começou no século dezoito com a constituição dos Estados Unidos da América do Norte, e do ponto de vista doutrinário, com a Revolução Francesa. A tese sustentada pelos separatistas pode ser assim sintetizada: “Igreja Livre no Estado Livre”.

Distinção Entre Igreja e Estado. Neste sentido Cristo fez uma distinção clara e terminante em S. Mat. 22:21: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Cristo afirma a existência dos dois poderes, um religioso, com fins transcendentais, e o outro civil, com propósitos temporais. O poder civil cuida diretamente dos interesses humanos terrenos, e a igreja cuida dos bens espirituais. Ademais o homem, em cada esfera, pode cumprir seu papel histórico como membro da sociedade civil, e ser por sua vez membro da igreja. Tanto o poder civil como a igreja são potestades supremas, independentes e autônomas, cada uma em seu gênero, de modo que o Estado deve respeitar as gestões da Igreja em sua esfera, com suas organizações e normas, hierarquia e jurisdição, e em reciprocidade a Igreja deve respeitar a jurisdição e leis do Estado em qualquer de suas formas políticas, cumprindo os estatutos civis toda vez que não se sobreponham às normas fundamentais do evangelho e da lei moral, porque as coisas divinas não dependem do poder temporal, concernindo a política a políticos e a religião aos bispos.

Natureza e Fim da Comunidade Civil. O homem, a família, e os diversos grupos sociais, formam a comunidade civil e são conscientes de sua própria insuficiência para alcançar uma vida plena, e reclamam uma comunidade mais ampla e estados civis que respeitem a consciência humana na pluralidade de suas manifestações, já que no concurso de todos existe a sabedoria para uma justa convivência social, a fim de que todos possam cumprir seu programa benfeitor em plenitude e favor da sociedade civil, onde se desenvolve melhor a igreja para cumprir sua obra redentora. A comunidade civil serve, pois, para buscar o bem comum temporal, no que encontra sua justificação plena que é sua razão de existir, e do qual deriva sua legitimidade primeva. O bem comum temporal abarca o conjunto daquelas condições de vida social com as quais os homens podem lograr com plenitude e felicidade sua perfeição em mérito dos valores revelados por Deus: Sua Lei Moral e Sua graça.

A comunidade civil e a autoridade temporal se fundem na natureza humana, e portanto, pertencem à ordem prevista e sancionada pela Suprema Autoridade Divina, em harmonia com as normas da lei moral como fonte geradora de leis civis. É saudável que a igreja estimule o trabalho de quem, a serviço do homem, se consagra ao bem da coisa pública e aceita com boa vontade cargas e tributos impostos pelo poder civil. Estes estímulos devem ser comedidos, cautelosos e prudentes. A cooperação mútua de todos é necessária dentro da comunidade civil, aceitando responsabilidades como educadores, em alguns casos funcionários públicos, profissionais ou como simples cidadãos, cabendo ao cristão ser modelo como Daniel ou como José, cultivando a magnanimidade e a lealdade, o amor à pátria, mas sem estreiteza de espírito nem cerrado nacionalismo, cuidando dos seus, unidos por vínculos entre os diversos grupos, raças, povos e nações, e mantendo-se na pureza de sua fé ainda que desmoronem os céus. Como cristãos devemos todos ter consciência da vocação e do papel que desempenhamos dentro da sociedade civil.

A Comunidade Civil e a Igreja. É de suma importância que tenhamos um correto conceito dentro da sociedade civil pluralista com respeito às relações entre a comunidade civil-política e a igreja, e saber distinguir entre a ação individual que exercem para o bem de sua comunidade a título pessoal, e a ação que realizam, em nome da igreja, como ministros, missionários, educadores e administradores. A igreja, em razão de sua missão, e de sua competência, não se confunde de modo algum com a comunidade civil-política, nem está ligada a sistema político algum, por ser sua natureza divina e salvaguarda da vida transcendente da pessoa humana. A comunidade política e a igreja são independentes, cada uma atuando autonomamente em seu próprio terreno. Ambos os poderes têm suas próprias doutrinas, seus sistemas próprios, campos de aplicação próprios e finalidades próprias. A comunidade civil-política é temporal, e a igreja pertence ao reino eterno, mas cada uma sem desconhecer a realidade existencial da outra. Ambas as comunidades, por diferentes títulos, estão ao serviço do homem. A Igreja jamais deve estar a serviço do Estado, como não deve o Estado prestar tutela à Igreja, exceto no que se refere a leis justas, outorgando-lhe garantias constitucionais de proteção legal. O Estado não deve invadir o terreno da Igreja, nem deve esta pretender faculdades que só cabem ao poder civil. A igreja fundada no seio da comunidade, pregando a verdade evangélica e a vigência da imutável lei de Deus, iluminando a todos os setores da ação humana com o testemunho de uma vida consagrada ao serviço do homem, está no domínio de sua autoridade. Certamente, as realidades temporais e as espirituais têm vinculação entre si, já que a mesma igreja se serve de meios temporais que lhe sejam lícitos e possíveis, segundo o exigem suas próprias funções. Por exemplo, os bens e serviços que facilitam o avanço da obra. Não põe, todavia, sua esperança em privilégios providos pelo poder civil. E mais, renunciando ao exercício destes privilégios e direitos que poderiam empanar ou comprometer a pureza de sua fé e fiel testemunho.

A política serve para mudanças de estruturas sociais e a igreja existe para restaurar no homem a imagem de Deus, o Criador. Por essa razão a igreja e os cristãos devem manter neutralidade política, embora devam cumprir com zelo os seus deveres cívicos. Cristo é o supremo exemplo do perfeito equilíbrio de obediência à vontade de Deus e o respeito às normas do poder temporal. Cristo cumpriu a lei de Deus e a lei civil em Sua pátria. Nunca participou de política. Daniel também é modelo de cidadão temporal com perfeita projeção transcendente. Não deve tampouco a igreja envolver-se em doutrinas e teorias alheias à revelação dada por Deus e contida na Bíblia. Muitas doutrinas sociais, religiosas, políticas, como o “Evangelho Social”, apareceram nos últimos tempos no seio da igreja católica e de outras confissões que perseguem dupla finalidade: Política e Religião. Em 1958, no Congresso Comunista de Milão, o líder máximo do marxismo, Togliatti, fez um fervoroso chamado às igrejas cristãs com estas palavras: “Podemos aproveitar a consciência de justiça social que há na doutrina cristã. A própria religião pode ser um instrumento para propagar nosso sistema. Podemos dizer aos católicos que entre nós há algo em comum, isto é, o mútuo anelo de justiça social. Por que não colaborarmos unidos para este ponto de apoio e convergência?” Lamentavelmente parte da igreja católica aceitou este chamado do comunismo internacional. Os partidos políticos como “Social Cristão”, “Democracia Cristã” e “Ação Popular Cristã”, além de outros, se formaram com o apoio da igreja católica. Também do humanismo político se contaminou a igreja. Esta doutrina social propugna pela perfeição do homem com base em leis puramente civis, e a tecnocracia estatal considera que a perfeição se encontra na própria natureza humana, desconhecendo os valores morais e espirituais. O humanismo bíblico é transcendente, reformando o homem com mentalidade espiritual, cujo destino vai além do bem temporal. Também o existencialismo cristão é uma doutrina filosófico-religiosa e é a tendência do materialismo histórico que se introduziu no seio das igrejas cristãs.

Situação Jurídica da Igreja Adventista

A igreja adventista do sétimo dia é aceita pelo poder civil como organização cristã de pessoa jurídica de direito privado, dentro das normas do direito público internacional. Isto significa que suas relações no plano temporal com outros assuntos de direito, o Estado antes de tudo, e a própria comunidade internacional, se regem pelo direito dos povos que os países aceitam e amparam em sua legislação civil. Desde sua constituição legal a igreja adventista mantém a neutralidade política, cumprindo exclusivamente seus fins estatuários, no respeito a toda forma de governo civil, mantendo-se absolutamente à margem do poder político, e como igreja de Jesus Cristo se preserva em sua autonomia e independência, obedecendo ao mando de Cristo: “É-Me dado todo o poder no Céu e na Terra. Portanto ide, e ensinai as nações”. S. Mat. 28:18.

A igreja adventista do sétimo dia mantém em seu sistema religioso a obrigatoriedade de obediência à lei de Deus, segundo a palavra: “À lei e ao testemunho”, e é uma igreja incorruptível e cheia de paciência, a paciência dos santos, que mantém indelével o sinal: “Guarda os mandamentos de Deus e a fé de Jesus”. Apoc. 14:12.