Introdução: A característica fundamental de nossa época são as profundas transformações de estruturas como conseqüência da evolução científica, política, cultural, econômica e social.
Logicamente estas transformações exercem grande pressão e domínio na vida da comunidade, principalmente no que se refere aos direitos e deveres de todos, no exercício da liberdade e na busca do bem comum como fruto das relações dos cidadãos entre si e com as autoridades do poder civil.
As nações soberanas existem pela vontade de Deus, com o propósito de estabelecer uma ordem jurídico-política, que proteja melhor na vida pública os direitos das pessoas, sancionando as obrigações a serem cumpridas pelos membros da comunidade. Deus é a origem de toda autoridade. Esta autoridade, cuja fonte é Deus, é partilhada em diferentes graus por Seus representantes na Terra: a Igreja, o Estado e a Família. (Rom. 13:1.)
As legislações que acautelam os direitos essenciais do homem, são: Direitos de livre associação, de liberdade de expressão e de publicações, de professar privada ou publicamente uma religião. A garantia dos direitos da pessoa é condição necessária para que os cidadãos como indivíduos ou como membros de uma associação religiosa, possam participar ativamente da vida da sociedade na base de uma boa conduta, como guia e modelo, na esfera de sua ação cotidiana.
A melhor maneira de chegar à consciência da comunidade é pelo serviço interior de justiça, a benevolência e a prática do bem moral e espiritual, com o reto exercício dos deveres cívicos, respeitando as normas legais de cada país, mantendo-se firmes nos princípios básicos da verdade evangélica.
Igreja e Estado Autônomos e Independentes
A igreja é uma sociedade juridicamente
perfeita, isto é, é uma sociedade que possui meios próprios e suficientes para conseguir por si mesma seus próprios fins, vale dizer, a santificação e a salvação das almas. Assim é como as legislações civis definem a igreja. Biblicamente, a igreja é uma sociedade perfeita, ou seja, uma congregação estável de pessoas humanas, que persistem num fim comum, sociedade fundada por Cristo, constituída por membros sob a disciplina de uma norma e pela participação da fé redentora persegue a eterna bem-aventurança.
A Ata de Fundação da igreja se contém nos evangelhos. A igreja é, pois, como já dito, uma sociedade perfeita, uma congregação estável de pessoas humanas, sociedade que em sua estrutura íntima resulta ser sobrenatural e natural ao mesmo tempo.
Para a lei civil os elementos sociais da igreja são os membros batizados, mas também fazem parte da alma da igreja os fiéis de boa fé, embora não batizados. Estão fora da igreja, de acordo com os estatutos civis, conquanto batizados, os que cometeram delitos públicos de cisma, heresia ou apostasia. O Direito Internacional de Pessoas chama aos membros das igrejas “Homos Viator”, ou seja, homem em trânsito por este mundo temporal. (Heb. 11:13.)
As Sagradas Escrituras ensinam que a finalidade da igreja é o homem. Os meios de que dispõe a igreja para alcançar o seu fim são fundamentalmente sobrenaturais: a fé, que os cristãos professos devem testemunhar por sua profissão externa, a verdade, a lei moral, a graça, etc. E também dispõe de meios naturais para materializar sua ação cristã. A igreja, para poder atuar livremente, deve estar organizada juridicamente, de acordo com as leis de cada país, o que lhe dá caráter natural e, por isto mesmo, os Estados consideram a igreja como uma sociedade perfeita, útil, necessária.
O poder civil só considera a igreja infalível no que se refere às verdades sobrenaturais e morais definidas teologicamente, e incorporadas como doutrina à religião cris-tã. A igreja é indefectível, ou seja, perdura e perdurará eternamente. A igreja está submetida a uma POTESTADE DE ORDEM que administra a graça, por obra do Espírito Santo, realizada pelos ministros do culto, com uma POTESTADE DE JURISDIÇÃO própria e inviolável, para exercer a disciplina por meio do governo da igreja.
Nesta potestade de ordem estão: 1) A potestade de jurisdição — o poder de dirigir e reger a igreja como uma instituição jurídica em suas relações com o Estado e, 2) a potestade de ordem ministerial, ou seja, a faculdade de administrar ritos como o batismo, o casamento, etc. Por exemplo, para a legislação civil nos países da “União Incaica”, a potestade de ordem jurisdicional está representada pela Corporação da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia, juridicamente organizadas de conformidade com as leis da Bolívia, Equador e Peru.
Existe também a jurisdição de império ou de governo, jurisdição de ministério e jurisdição de magistério. Também a jurisdição legislativa, isto é, a potestade da igreja para ditar normas em assuntos de fé e a jurisdição que é o poder que tem a igreja para aplicar e executar suas normas em assuntos de fé e a jurisdição judicial, que é o poder que tem a igreja para aplicar e executar suas normas em assuntos de sua competência.
Delitos Contra a Igreja
Em princípio, a proteção à igreja é sempre a finalidade do direito e de todo governo constituído; mas, há tutelagem especial contida nos códigos da maioria das nações, podendo resumir-se assim:
Primeiro’. Delito Contra a União da Igreja. — Nestes delitos está o cisma, que é rebelião contra a organização, a unidade e o governo da igreja.
Segundo: Delito Contra a Independência da Igreja. — Este delito alcança os que ditam leis, mandatos e decretos contra a liberdade religiosa e contra os direitos da igreja, podendo citar-se como exemplo: Quando um governo promulga uma lei contra o dízimo ou contra os bens dedicados ao serviço de Deus, ou do culto.
Terceiro: Delito Contra a Constituição Hierárquica da Igreja. — O delito consiste em desconhecer as autoridades da igreja ou os ministros legitimamente constituídos conforme as normas da igreja: delito de abuso de autoridade cometidos por funcionários de um Estado.
Quarto: Delito Contra a Disciplina da Igreja. — O delito típico é a desobediência que consiste em não cumprir ou não fazer cumprir as normas da igreja, ou deixar de executar leis e decretos que favorecem as igrejas. Este delito cometem-no as autoridades civis ou funcionários eclesiásticos.
Quinto: Delito Contra a Dignidade da Igreja. — São os delitos cometidos contra a honra: calúnia, difamação, injúria grave, etc.
Sexto: Delito Contra a Administração da. Igreja. — São delitos contra a fé pública; violação de correspondência; violação dos lugares de culto; violação de domicílio; usurpação e suplantação do nome jurídico e os delitos contra o patrimônio da igreja.
Experiência Histórica da União de Igreja e Estado
Historicamente o paganismo se introduziu na igreja a partir do século II, e concretizou-se no tempo dos imperadores Constantino e Tibério. (Ano 313). Para o paganismo, o poder civil é superior ao poder da igreja, de modo que, para o paganismo, o Estado e a Igreja se concentram numa só autoridade: o rei ou o imperador.
Simultaneamente o rei era o primeiro hierarca político e primeiro sacerdote, entendendo-se os assuntos religiosos como um capítulo dos assuntos públicos. O Direito Romano considerava o Jus Sacrum como parte do Jus Publicum, e o imperador era o Pontífice Maximo e suprema autoridade na ordem religiosa, inclusive titular de honras divinas. Desta tradição herdou o papado a infalibilidade e as honras sacras.
A vinda de Cristo à Terra implicou uma novidade verdadeiramente histórica com a mensagem: “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.
Em S. Mat. 22:21 Jesus Cristo estabeleceu nítida separação entre os poderes civil e religioso, até então confundidos. Este mandato de Cristo possibilitava a constituição de uma igreja universal, isenta de moldes nacionalistas e raciais; assegurava-se a genuína liberdade de consciência e a supremacia da igreja sobre todas as organizações sociais. Mas a igreja católica romana buscou hegemonia ao amparo do poder civil, sacrificando, assim, a pureza da igreja.
O Edito de Milão: Era Bizantina
O Edito de Milão, promulgado por Constantino e Licinio (ano 313), mudou a perseguição implacável do paganismo contra o cristianismo pela suavidade de Constantino, com o fim de introduzir pacificamente dogmas pagãos na igreja. Os papas o aceitaram gostosamente, equiparando-se, por aí, a igreja com as religiões pagãs, herdando do paganismo o Dominus Dei [observância do domingo] e o culto das imagens, etc.
Constantino concedeu muitos favores à igreja, e os sucessivos imperadores continuaram a fazê-lo. Constantino, logo após a derrota de Maxêncios, muda a corte de Roma para Constantinopla. Deixa ao papa o seu palácio de Latão em Roma, construído sobre a colina do Vaticano, assim chamado pelos vaticínios e adivinhações que lá se faziam, e aí o pontífice se instala. E ambos os poderes, civil e religioso, perseguiram os cristãos fundamentalistas, os quais não aceitavam a união de Igreja e Estado.
Sob o imperador Teodósio (380 e 392), o catolicismo foi proclamado religião única do Estado, proscrevendo-se todas as outras formas de religião. Já com o poder civil, Roma católica dominou a consciência do homem, apostatando deste modo e ocultando as Sagradas Escrituras.
Entre os principais benefícios outorgados pelo poder civil à igreja católica, podemos mencionar os seguintes:
- 1. Direito de Estabelecer Concordatas.
- 2. Doações e legados excluintes, vale dizer, só para a igreja católica.
- 3. Isenção de tributos.
- 4. Doação perpétua do território do Vaticano para seu Estado político-religioso.
- 5. Direito de asilo e de imunidade.
- 6. Direito diplomático de unicaturas apostólicas.
- 7. Reconhecimento oficial do Código Canônico com competência própria, etc.
Com a invasão dos bárbaros e a queda do Império do Ocidente, a igreja católica se uniu ainda mais ao poder civil dos visigodos, ostrogodos, burgúndios, alamanes, hérulos, lombardos e vândalos.
O rei Franco Clodoveu, com seu batismo, fez o pacto de união entre o poder civil e o papal. O intermediário foi o bispo Remígio. Clodoveu, em troca, outorgou muitos privilégios ao papa como foro eclesiástico do reino dos francos. O rei visigodo da Espanha, Recaredo, aceitou o catolicismo, e pelo terceiro concilio de Toledo (589), este monarca outorgou poderes e favores ao papa, servindo esta estreita união entre o poder civil e a igreja, como modelo para a concordata que dura até o presente.
Pepino o Breve, pai de Carlos Magno, depois da derrota do rei lombardo Astolfo, e por aliança subscrita como papa Estêvão III, outorgou em doação os territórios do Vaticano à igreja (751).
Carlos Magno estreitou ainda mais o vínculo civil com a igreja, e no ano 800 o papa Leão III coroou a Carlos Magno imperador do Santo Império Romano-Germânico. Deste modo o papa assumiu poder político.
Em 962 Oton I é coroado rei pelo papa João XII, e em troca os bispos e arcebispos recebem a investidura feudal e a outorga da exceção de violar a lei do celibato e mais o regime de simonia eclesiástica. A igreja reagiu no ano 1073 contra a união da Igreja e Estado. O papa Gregório VIII decreta a “Querella das Investiduras”, excomungando a todo sacerdote que se atrevesse a aceitar o bispado ou abadias das mãos dos senhores feudais, com ameaça de excomunhão a todo imperador que outorgasse qualquer dignidade eclesiástica.
O poder político reagiu violentamente, e o imperador Henrique IV, depois de rechaçar o decreto de Gregório VII, ordenou a deposição do papa, e este replicou com a excomunhão.
Este conflito entre o Estado e a Igreja durou até o ano 1122, quando veio a Concordata de Worms, celebrada entre o papa Calixto II e o imperador Henrique V. Esta concordata foi ratificada pelo Concilio de Latrão, no ano 1123. A calma durou pouco, pois Frederico Barbarroxa reclama senhorio absoluto ante a igreja, e solicita o poder de designar pontífices, e o papa Alexandre III triunfa no episódio, com o auxílio de outros imperadores aditos. As hostes do imperador germânico foram batidas em Lenguano em 1176.
O poderio papal na época de Inocêncio III (1198-1216) alcançou o apogeu. O papa chegou a ser então o chefe supremo religioso e árbitro da política do mundo ocidental. Em 1302, na época do papa Bonifácio VIII, firmou-se a supremacia eclesiástica, sendo esta data significativa, porque todos os Estados europeus reconheceram a infalibilidade papal. Em virtude dos conflitos entre o poder papal e o poder civil chegou a haver até dois papas de uma só vez. Logo o Concilio de Pisa reconheceu os dois papas como parte da cristandade (1409), dando-se fim ao conflito no Concilio de Constância (1517), com a eleição do papa Martinho V como pontífice único.
Da mesma maneira vinha-se preparando a Reforma Protestante em virtude da corrupção sacerdotal e da união de Igreja e Estado.
Na Dieta de Augsburgo (1555), e pelo pacto de Westfalia (1648), ficaria consagrado o princípio de “Religião Estatal”, ou seja, a “religião eleita pelo príncipe é a religião dos súditos”.
A Revolução Francesa’. Napoleão 1
Sob a Revolução Francesa as relações entre a Igreja e o Estado se desenvolveram sob permanente crise. Em 1789 foram nacionalizados os bens da igreja. Em 1790 adotaram-se várias medidas contra ordens e congregações religiosas. Em 12 de junho de 1790 foi promulgada a “Constituição Civil do Clero”, que reduzia os clérigos à condição de funcionários do Estado. Dividiu-se a igreja entre os “juramentados”, que aderiram à referida lei, e os “refratários”, que rechaçaram tal constituição. A campanha anti-religiosa culminou com a coroação da “Deusa da Razão”, sendo coroada uma atriz no altar da catedral de Notre Dame. Um historiador, comentando o fato afirma que “a causa se encontra no fato de que a igreja, em vez de manter sua pureza, aceitou unir-se ao poder civil, união que os enciclopedistas franceses repudiaram como prejudicial a ambos os poderes”.
A Convenção de 21 de fevereiro de 1795 decreta a liberdade de culto para a igreja católica, triunfando uma vez mais a diplomacia pontifícia. Mas o Diretório se dá conta da política papal, e o exército francês ocupa os Estados Pontifícios, tomando prisioneiro o papa Pio VI, que morre na prisão em 1799. Sob o Consulado francês, o papa Pio VII readquire o poder civil e o Estado do Vaticano, e, pela concordata de 1801, fica reconhecida a religião católica como confissão única da França, com todos os privilégios canônicos e civis. É digno de estudo os famosos “77 Artigos Orgânicos”.
Em 1801 estala um sério conflito entre Napoleão I e o Vaticano. A causa: O Estado Pontifício mantinha neutralidade no bloqueio continental decretado contra os ingleses por Napoleão.
As forças imperiais ocupam Roma e Napoleão revoga a doação do território do Vaticano por Pepino o Breve e Carlos Magno, anexados aos Estados Pontifícios. Pio VII excomunga a Napoleão, e este replica negando faculdades ao papa, fazendo-o prisioneiro. Em 1814 regressa o papa Pio VII a Roma com muito mais influências civis e políticas em toda a Europa. Desde 1814 até 1914 a relação entre o poder civil e o papal se manteve parelha. Nesse tempo a igreja católica alcançou poderio surpreendente, conquistando a seu favor a diplomacia internacional. A carta de Luís XVIII proclamou o catolicismo Religião do Estado Francês. Na Espanha as relações entre a igreja católica e o Estado acentuou-se muito mais na Constituição de Cádiz de 1829, que proclamava: “A religião da nação é e será perpetuamente a Católica, Apostólica e Romana, única e verdadeira”.
Todas as nações latino-americanas herdaram desta constituição preceitos que consagram em suas cartas constituições até o dia de hoje. Em 1879 o chanceler Bismark quis liquidar a igreja católica, mas não o conseguiu, fracassando ante o poder do Vaticano. Em 1850 Pio X restabelecia a hierarquia católica na Inglaterra, e desde 1914 um embaixador representa a Inglaterra no Estado do Vaticano, e a Nunciatura Apostólica em Londres. Nos Estados Unidos, num regime de neutral separação entre Igreja e Estado, o catolicismo progride consideravelmente, existindo relações diplomáticas de ordem política entre Estados Unidos e Estado Pontifício.
Em 1929 fica consolidado o Estado Pontifício pelo Tratado de Latrão, celebrado entre o papa Pio XI e Benito Mussolini. A América Latina mostra uma igreja católica poderosa na ordem política e religiosa, com a exceção de que em alguns países ela se vê obstada em sua influência política, mas não religiosa. Mas dentro da igreja se desdobram correntes políticas de tendências socialistas e marxistas fundidas na doutrina católica. Desta união resultou o “Evangelho Social”, com funestas conseqüências para a fé católica.