Doutrina importante é esta. Nestas considerações vamos deixar a Bíblia falar-nos. Ela tem muito que nos falar sobre a Trindade. O importante é chegarmo-nos a ela sem idéias preconcebidas. E não só isto, mas devemos estar dispostos a aceitar o que ela disser, mesmo que vá de encontro às nossas anteriores convicções. Assim ela revelar-nos-á maravilhas.

A palavra Trindade não aparece nas Escrituras Sagradas; isto no entanto não quer dizer nada, porque também o mesmo acontece com os termos: «Milênio, Bíblia, Teologia etc., e nem por isto os rejeitamos. O termo não se acha expresso, mas a doutrina lá está, e isto basta para nós.

O termo Trindade é de origem latina, e significa “TRÊS EM UM.” Foi Tertuliano (155-200 AD), o primeiro a empregá-lo assim. Em língua grega, porém, foi Teófilo de Antioquia (2.° séc. AD), o primeiro a empregá-lo.

Tanto o Velho como o Novo Testamentos abundantemente falam a respeito da Trindade, mas não nos dão uma definição distinta, ou seja, um tratado formal da doutrina. Isto, porém, não é só com respeito à Trindade, mas com outras doutrinas que aceitamos. Por exemplo, a Ressurreição. Nem Paulo, nem nenhum outro escritor sagrado, se deteve algum dia e disse: “Hoje vou tratar do assunto da Ressurreição;” e então escreveu um tratado formal sobre o tema. Isto não. Mas nas cartas paulinas, e em outras, podemos ver que a Ressurreição é uma doutrina bíblica. E o mesmo se dá com a doutrina da Trindade.

Ao inquiridor sincero, porém, resta saber se tal doutrina é compatível com a Bíblia. Para isto basta ver o que ela tem a dizer sobre o assunto. Isto foi o que fizeram os teólogos dos primeiros séculos de nossa era. Como foram os primeiros a fazer tal estudo sistemático, alguns acertaram melhor o alvo, e outros não. Passou muito tempo, até que surgisse um credo trinitário.

Os pais apostólicos foram estritamente monoteístas. O termo PAI para eles não significava a primeira pes-soa da Trindade, mas sim, a Divindade toda.

Tertuliano (o que usou o termo Trindade pela primeira vez, em latim) explica a Trindade pela comparação de três canais de um rio. Em determinado trecho o rio trifurca-se, mas o rio é o mesmo.

Já Agostinho (354-430 AD), na sua famosa obra DE TRINDADE (onde defende a Trindade), mostra a Trindade pela lógica. Fala ele: I S. João 4:16 diz que Deus é amor. Mal. 3:6 diz que Deus não muda. Por esta razão Deus sempre teve o atributo do amor. Mas não pode haver amor onde não há uma pessoa para ser amada. Uma única pessoa não pode amar. Deve existir, para que haja amor, no mínimo duas pessoas. Uma para amar e a outra para receber este amor. Deus é um companheirismo eterno.

Durante quase todo o tempo da Idade Média, os teólogos seguem o pensamento agostiniano.

No século XVI os reformadores seguem o credo atanasiano (que fixa a doutrina da Trindade).

Mas, foi um homem chamado Fausto Socínio (nasceu na Itália em 1539), quem atacou duramente a divindade de Jesus, tornando-se vigoroso antitrinitarista (foi o mais importante de seu tempo). Os unitários modernos, num sentido, podem ser chamados de filhos espirituais de Socínio.

Nesta altura devemos dizer que, com a razão humana, não podemos compreender de maneira

nenhuma a doutrina da Trindade. Mas quem pode pela mesma razão humana, divorciada da revelação, compreender plenamente a Deus, a Expiação e a Encarnação? Diz Sabatini Lalli: “A doutrina da Trindade, inexplicável à luz da razão, é fato da Revelação de Deus feita aos homens. Deus é mistério com Trindade ou sem ela, e, portanto, negar esta doutrina para eliminar a aura de mistério que a envolve, redunda em pura perda, pois Deus será sempre incompreensível à razão limitada dos homens.” — O Logos Eterno, pág. 1.

Alegar que não devemos aceitar a doutrina da Trindade, pelo fato de os pagãos terem suas doutrinas sobre trindade compostas de divindades pagãs, não fez nenhum sentido. É bem verdade que os antigos gregos tinham a sua crença numa trindade composta por Átena, Apoio e Zeus. A dos romanos: Júpiter, Netuno e Plutão. E a dos egípcios: Osíris, Ísis e Harus. Mas também, baseados neste ponto de vista, não deveriamos repudiar o relatório sagrado do dilúvio, pelo fato de os babilônios e os egípcios fazerem menção a ele? (Imagine o leitor, quanta coisa teríamos que riscar da Bíblia, só pelo simples fato de os pagãos lhe terem feito, de alguma maneira, qualquer referência).

Do Gênesis ao Apocalipse a Bíblia sempre se refere a três Seres Santíssimos; ora Os chama de Criador, ora de Salvador, ou Redentor, ora de Deus. Mostra os Três recebendo santa adoração e honra. E isto é muito importante para o nosso estudo.

O fato de o Espírito Santo ser mencionado em terceiro lugar e Jesus em segundo, não O diminui em nada. “A divindade tem Sua economia própria, o Seu governo. Nesta economia, Deus Pai, representa (mal diria) o ‘chefe’ da Divindade. É Ele que manda o Filho, e ordena ao Espírito Santo. Ora, estas ordens são puramente econômicas, são modos de dizer coisas divinas em palavras humanas. São modos de administrar, que só entendemos por comparação.” — Antonio Neves Mesquita, A Doutrina da Trindade no Velho Testamento, pág. 35.

Antonio Neves de Mesquita, no livro de onde se tirou o trecho acima, faz a seguinte comparação para se entender a economia da Trindade: “Se me fosse permitida uma comparação, eu a daria, invocando os três poderes da República: Executivo, Legislativo e Judiciário. Os três são autônomos, os três independem entre si. Um não é superior ao outro, mas completam uma obra que um só não poderia fazer. Quando o poder executivo cumpre uma lei do Congresso, não está sendo diminuída a sua autoridade, apenas porque executa a lei; do mesmo modo, quando o Congresso aceita um anteprojeto do Executivo, não se sente diminuído por isso, pois é a sua função. Do mesmo modo quando o Judiciário reconhece como inconstitucional uma lei, seja do Executivo, seja do Legislativo, nenhuma idéia existe de superioridade deste sobre os outros dois poderes. Cada qual em sua função, permanece autônomo e soberano, realizando os TRÊS uma obra que é a da nação.” — Idem, pág. 134.

O ANJO DO SENHOR

Freqüentemente aparece no Velho Testamento um Personagem que recebe adoração merecida, e por vezes é chamado de Messias, Miguel, Servo do Senhor e Anjo do Senhor (a língua hebraica dá margens para que a expressão o Anjo do Senhor seja traduzida para o “Anjo que é o Senhor”). Interessante é que às vezes o escritor está-se referindo ao “Anjo do Senhor,” para logo identificá-lo como sendo o Senhor, ou mesmo Deus.

Hagar, a egípcia, fora despedida por Abraão. “E o anjo do Senhor a achou junto a uma fonte de água no deserto, junto à fonte do caminho de Sur.” Gên. 16:7. Ali há um diálogo entre Hagar e Aquele Estranho (que era o anjo do Senhor sem que ela soubesse). Após o santo colóquio, a Escritura diz que “ela chamou o nome do Senhor (JHVH) que com ela falava: Tu és Deus (EL) da vista.” Gên. 16:13. Não era Deus o Pai. (Outros exemplos: Gên. 22:11-18; 31:11-13; 32:22-30; Jos. 5:13-15 e 6:2; Juí. 13:1-22; Osé. 12:3-6 e Zac. 3:1-6).

No capítulo 18 de Gênesis, lemos de três visitantes que chegaram ao lar de Abraão. Dois eram anjos, o outro é chamado várias vezes de SENHOR (JHVH). Em determinada altura, é dito: “Disse mais o SENHOR (JHVH): Porquanto o clamor de Sodoma e Gomorra se tem multiplicado, e porquanto o seu pecado se tem agravado muito. Descerei agora, e verei se com efeito tem praticado segundo este clamor, que é vindo até Mim, e se não, sabê-lo-ei. Então viraram aqueles varões o rosto dali, e foram-se para Sodoma; mas Abraão ficou em pé, diante da face do SENHOR (JHVH).” Gên. 18:20-22.

Se fizermos um confronto entre o verso 21 acima citado, com Gên. 11:5-7, notaremos logo: O quadro é bem parecido. “Deus desce para ver,” diz ambos os textos. Em todos os dois casos a maldade do povo foi constatada. Mas uma grande diferença salta à vista. Com referência ao povo antediluviano, é-nos dito que “desceu o Senhor para ver” (Gên. 11:5), para logo em seguida, no verso 7, usar a forma plural: “Eia, DESÇAMOS E CONFUNDAMOS . . . . ” O que não se dá no segundo caso com relação aos sodomitas. Tudo ali está no singular (mesmo estando presentes os dois anjos). Diz o texto: “DESCEREI agora e VEREI se com efeito têm praticado segundo este clamor que é vindo até MIM; e se não, SABÊ-LO-EI.” Gên. 18:21.

Por que isto? Alguma coisa em ambos os textos está em jogo. Em Gên. 11:5-7 estão presentes os Três Membros da Trindade, enquanto que isto não acontece em Gên. 18:21.

Lemos ainda que os dois anjos deixam o Senhor (JHVH) com Abraão e se dirigem a Sodoma. Diz a Escritura: “Então viraram aqueles varões o rosto dali, e foram-se para Sodoma; mas Abraão ficou ainda em pé diante da face do Senhor (JHVH).” Gên. 18:22. Naquela ocasião, Abraão intercede com Deus pelos sodomitas. O texto diz que ele “esteve EM PÉ DIANTE DA FACE do Senhor (JHVH).” Portanto, o patriarca esteve com JHVH (Jeová) ou ADONAI (como está na língua hebraica, nos versos 27, 30, 31 e 32). E no derradeiro verso deste cap. 18, Moisés diz: “E foi-Se o Senhor (JHVH), quando acabou de falar a Abraão; e Abraão tornou ao seu lugar.” Não era Este JHVH (Jeová), Deus o Pai? Não. Não era, porque a Escritura diz: “Ninguém jamais viu a Deus; o Deus unigênito que está no seio do Pai (o Filho), é quem O revelou.” (S. João 1:18). Portanto Aquele personagem que é chamado de JHVH é Jesus Cristo, no Seu estado pré-existente (na Sua existência como o LOGOS). Interessante é que há no verso 24 do cap. 19 do Gênesis, distinção entre Jeová — aparecem dois Jeovás — “Então o Senhor (JHVH) fez chover enxofre e fogo, do Senhor (JHVH) desde os céus. …” O mesmo se dá noutros passos, como ainda em Oséias 1:7.

Notamos ainda que em Josué 6:13-15, aparece o Príncipe do Exército do Senhor (JHVH) a Josué. (Não podia, portanto, ser o mesmo Deus o Pai, mas era outro Ser). E o relato sagrado diz que Josué O adorou e O chama de ADONAI, para no verso 2 do cap. 6 chamá-Lo de JHVH. Note-se que Josué, ao adorá-Lo, disse:Lhe: “Que diz ADONAI ao seu servo?” Antes de qualquer coisa ele diria a Josué (caso ele não fosse também Deus, Criador, Jeová) as mesmas palavras que um anjo disse para João, muitos séculos mais tarde, quando este adorou aquele: “Olha não faças tal. . . adora a Deus…” Apoc. 19:10. Mas tal não aconteceu. Ele aceitou a adoração de Josué. E ainda mais, deu a Josué a mesma ordem que algum tempo atrás havia sido dada a Moisés: “Descalça os sapatos de teus pés, porque o lugar em que estás é santo. E fez Josué assim.” Jos. 5:15. Comparar com Êxo. 3:5. Conclusão: só podia ser a mesma Pessoa em ambos os casos.

(Conclui no Próximo Número)