INTRODUÇÃO GERAL:

O tema a mim designado foi a Lei e a Graça. Há dois anos atrás tive o privilégio de dissertar sobre este importante tema. Ao preparar o de hoje, tenho a mesma opinião de há dois anos, isto é, que o tema A Lei e a Graça é tão vasto e tão importante que pode apresentar-se um tema em cada concilio ministerial sobre este tópico e o material não se esgotaria. Nesta oportunidade dar-se-á ênfase sobre o texto de 11 Cor. 3:6: “A letra mata, mas o espírito vivifica.” Dividi-o em três partes:

  • 1.  Os judeus e a lei.
  • 2.  O jovem rico e a lei.
  • 3.  Os adventistas e a lei.

Vejamos pois a primeira parte.

Os judeus e a lei

Há um grupo de pessoas mencionado muitas vezes no Novo Testamento, e entretanto, não temos tomado tempo para estudá-lo detidamente para ver a função que estas pessoas desempenham. Este grupo de pessoas eram os pastores adventistas do sétimo dia de seu tempo. Seu cargo ou função principal era o de ensinar ao povo como alcançar a salvação. Dividi este grupo da seguinte maneira: 1) Os licenciados; 2) Os que têm Mestrado em Divindades (Master of Divinity); 3) Os doutores; 4) Os rabinos. Cada um deles tem uma palavra especial que o escritor do Novo Testamento lhe atribui.

  • A. Os licenciados (Grammateús). Os licenciados da lei são nada menos que os que comumente chamamos escribas ou secretários. Literalmente a palavra escriba significa “o homem do livro. A tradução de licenciado não é nada incorreta, tampouco superficial, é conceito apenas para ajustar-se ao tema que apresento. Tal como o licenciado de hoje, sua função também tratava do que tivesse que ver com a lei; era uma pessoa importante. Lima boa parte dos fariseus era composta de escribas, e um grupo pequeno dos saduceus era formado também de escribas (S. Mat. 2:4; 7:29; 12:38 etc.).
  • B. Os que tinham Mestrado em Divindades (Nomikós). A tradução de Valera chama a este grupo “sábios da lei,” “intérpretes da lei,” “doutores da lei,” e a Versão Almeida revista os chama “intérpretes da lei” (S. Luc. 7:30; 11: 45 e 52; 14:3; S. Mat. 22:35).
  • C. Os doutores da lei (Nomodidáskalos). Um exemplo deste grupo de pessoas o temos em Gamaliel. A tradução que as versões fazem para esta palavra também é igual à palavra anterior, mas no original podemos ver que se usa outra palavra. Talvez a melhor tradução seja “Mestre da lei,” conforme nossa Almeida revista (Atos 5:34; S. Luc. 5:17; I Tim. 1:7).
  • D.  Os rabinos (Rabbi). Depois de estudos profundos no judaísmo e depois de mostrarem-se dignos do título eram ordenados e chegavam a ser Rabinos, ou como S. João 1:38 o interpreta “Mestre.” Era o exegeta da lei, o mestre da lei e um juiz no tribunal eclesiástico.

A função principal destes grupos tão seletos era a interpretação da lei, e todos gozavam, entre os judeus, de uma reputação excelente (S. Mat. 23:6 e 7; S. Mar. 12:38), devido ao seu conhecimento da lei e da tradição oral.

Sociologicamente falando, consideravam-se os sucessores diretos dos profetas, homens que conheciam a vontade divina e a proclamavam, instruindo, julgando e pregando.

No que respeita a sua profissão, consideravam-se sucessores de Esdras, que segundo nos diz o livro que leva seu nome (Esdras 7:10) tinha disposto o coração a fazer três coisas importantes:

  • 1. Buscar a lei de Deus (Midrash).
  • 2. Cumprir (Halakah — tradição dos pais; primeiro oral, depois escrita).
  • 3.  Ensinar a Israel seus preceitos e documentos (Haggadah — o ensino oral, ilustrações, anedotário, lendas).

Cada detalhe da vida privada, familiar e pública era coberta e regulada por este grupo de pessoas. Jesus disse deles: “Atam fardos pesados e os põem sobre os ombros dos homens, entretanto eles mesmos nem com o dedo querem movê-los.” S. Mat. 23:4. Mencionaremos alguns destes regulamentos:

  • 1. Cerimônias: S. Mat. 15:2: “Por que transgridem os Teus discípulos a tradição dos anciãos? Pois não lavam as mãos, quando comem.” Referiam-se ao ato cerimonial ou ritualístico, não ao sanitário (comparar com S. Mat. 23:25).
  • 2. Dízimo: S. Mat. 23:23: “Dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho.”. . . Coavam o mosquito e engoliam o camelo (verso 24). Com escrupuloso cuidado dizimavam, apegando-se à LETRA DA LEI e se esqueciam do ESPÍRITO DA LEI: Amar a Deus e ao próximo.
  • 3. Observância do sábado: S. Mat. 12:2. “Teus discípulos fazem o que não é lícito fazer em dia de sábado.”

S. Mat. 12:10. “É lícito curar no sábado?” Nos regulamentos rabínicos quase não havia provisão para aliviar o necessitado no sábado.

O Desejado de Todas as Nações, págs. 144 e 145, diz: “O restabelecido paralítico curvou-se para apanhar seu leito, que era apenas uma esteira e um cobertor. . . . De sobrolho carregado, interromperam-no, perguntando-lhe por que estava conduzindo seu leito no sábado. . . . Em seu juízo, não somente havia quebrado a lei em curar o enfermo no sábado, mas cometera sacrilégio em lhe mandar que levasse a cama.”

S. João 9. Todo o capítulo nos fala do conflito de Jesus com os fariseus sobre a lei, pois diz o verso 14: “E era sábado o dia em que Jesus fez o lodo e lhe abriu os olhos.”

Entre seus muitos outros regulamentos tinham por exemplo um que estabelecia: “Nenhum homem podia usar uma perna de pau no sábado, até que se estabelecesse o peso correto, isto é, que a perna de pau pesasse um pouquinho menos que a verdadeira.”

O Mishna tem 39 regulamentos principais sobre os tipos de trabalho que se podiam fazer no sábado. Onze deles tratavam da produção e preparação do pão; o segar, semear, colher etc. Os seguintes doze se aplicavam à confecção da roupa, e ao tosquiar das ovelhas. Os sete seguintes tratavam da preparação de um animal para utilização de seu produto no preparo de comidas ou do uso do couro. Os restantes tinham que ver com escrituração, construções, extinção de incêndios, transporte de artigos de um lugar a outro etc.

Assim é que o sábado, o dia designado por Deus para que o homem tivesse uma oportunidade de comunicar-se com seu Criador, através das coisas que Ele criara, chegou a ser uma carga insuportável.

A LETRA MATA. Por isso é que Jesus ataca o falso ensino desses homens que conheciam a lei à perfeição. Jesus vê a falta de humildade (S. Mat. 23:5), desinteresse próprio (S. Mar. 12:40), sinceridade (S. Mar. 12:40) neles. Homens cujo interesse era a LETRA DA LEI. Não haverá um paralelo entre nós e eles? Se assim é, vejamos as palavras de Jesus em S. Mat. 5:20: “Se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos Céus.”

As Escrituras registram que entre os escribas houve alguns que responderam ao chamado do Mestre. Um deles, diz S. Mat. 8:19, disse a Jesus: “Mestre, seguir-Te-ei para onde quer que fores.” S. Mat. 23:34: “Eu vos envio profetas, sábios e escribas.” S. Mat. 13:52: “Por isso todo escriba. …”

O jovem rico e a lei

Dizem-nos as Escrituras que enquanto Jesus estava deixando um dos povoados de Peréia (S. Mar. 10:17), “correu um homem ao Seu encontro.” Parece que o jovem presenciara o que Jesus fizera e não queria deixar passar por alto a oportunidade do momento. Jesus já estava saindo e ele Lhe manifesta sua decisão de entabular conversação e Lhe expressa seus sentimentos de obter a vida eterna.

Começa dizendo-Lhe: “Mestre, que farei eu de bom, para alcançar a vida eterna?” S. Mat. 19:16.

Sua pergunta reflete o conceito farisaico da JUSTIFICAÇÃO PELAS OBRAS como um passaporte para “obter a vida eterna.” A LETRA DA LEI.

“Esse príncipe tinha em alta conta sua própria justiça. Não pensava, na verdade, que faltasse em qualquer coisa; contudo, não estava de todo satisfeito. Sentia a falta de algo que não possuía. Não poderia Jesus abençoá-lo assim como fizera às criancinhas, e satisfazer-lhe a necessidade da alma?” — O Desejado de Todas as Nações, pág. 386.

A pergunta que farei eu de bom, para alcançar a vida eterna? é respondida por Jesus: “Guarda os mandamentos.” Verso 17. A referência é clara e distinta aos Dez Mandamentos. Ao Jesus dizer-lhe que para obter a vida eterna tinha que “guardar os mandamento”‘ queria que o jovem rico revelasse o caráter de Deus, e o significado da palavra caráter aqui é AMOR (I S. João 4:7-12).

O jovem rico professava amar a Deus, porém, a prova de que O amava deveria demonstrá-la em seu trato com os semelhantes (I S. João 4: 20). E ao perguntar ele “quais?” Jesus lhe diz: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo.” Verso 19.

A resposta de Jesus tocou a parte sensível, ou como diz O Desejado, pág. 387, “o foco infeccioso do caráter,” pois demonstrava que ele amava a si mesmo mais do que a seus semelhantes. Embora houvesse ele “observado” todos os mandamentos, simplesmente se apegara à LETRA DA LEI mas não ao espírito dela; contudo achava estar em harmonia com os princípios, por isso Jesus procura abrir-lhe os olhos para o fato de que os princípios da lei devem ser conscienciosamente aplicados a todas nossas relações e práticas da vida. E ao perguntar-Lhe ele com toda sinceridade: “Que me falta ainda?” confiava que se encontrava a poucos passos da perfeição. Apesar de achar que estava diligentemente guardando A LETRA DA LEI, sentia, contudo, que faltava alguma coisa, mas não sabia realmente o que era. Ao contemplar-se a si mesmo, via que sua vida tinha sido pura, justa e boa: não roubara, não adulterara nem mentira, nem dera falso testemunho.

Nada disto fizera — A LETRA DA LEI.

Sua atitude, entretanto, com seus semelhantes fora negativa. O Evangelho demanda ação positiva: amar a nossos semelhantes como a nós mesmos. E assim como não há limite de quanto devemos amar a nós mesmos, tampouco há limite de quanto devemos amar a nosso próximo. “Uma só coisa lhe faltava, mas essa era um princípio vital. Carecia do amor de Deus na alma. Essa falta, a menos que fosse suprida, demonstrar-se-ia fatal para ele; toda a sua natureza se corrompería. Com a condescendência, fortalecer-se-ia o egoísmo. Para que recebesse o amor de Deus, deveria ser subjugado seu supremo amor do próprio eu.” — O Desejado de Todas as Nações, pág. 387.

O jovem precisava experimentar uma mudança completa de vida: sua mente devia ser transformada, seus objetivos mudados; “vai, vende os teus bens dá aos pobres,” disse-lhe Jesus, para que te possas curar desse ÚNICO defeito que te resta: o EGOÍSMO. Pois a menos que essa influência egoísta fosse removida, o jovem rico não podia continuar seu progresso rumo à perfeição. Que mudança de cena! A princípio veio correndo, desejoso de ser um discípulo de Jesus, mas quando se retira vai cabisbaixo, pensativo, triste.

Irmãos, o câncer do pecado varia de indivíduo para indivíduo, e o remédio que Jesus dá varia também de indivíduo para indivíduo. A Pedro, André, Tiago e João, Jesus não lhes disse: “Vão e vendam seus barquinhos pesqueiros.” Para eles esse não era o problema. Quando, porém, Jesus os chama, S. Lucas 5:11 diz: “Deixando tudo, O seguiram.” Qualquer coisa que um homem ame mais que a Cristo o torna indigno seguidor dEle. A cruz do jovem lhe foi dada; ele, porém, recusou levá-la. Diz O Desejado de Todas as Nações, pág. 387, que “houvesse feito essa escolha, e quão diferente teria sido seu futuro!”

Os adventistas do sétimo dia e a lei

A LETRA MATA

Uma das características que nos distinguem como povo é que observamos os Dez Mandamentos como as Sagradas Escrituras nos mandam. Nós nos sentimos orgulhosos de pertencer a esse povo remanescente que tem essa característica básica. Mas minha pergunta é: quantos dos leitores sentimos que estamos observando a lei de Deus? Quantos de nós sentimos deveras que somos representantes dignos desse povo remanescente que Deus tem? Encanta-nos pregar a lei de Deus. Queremos que o mundo saiba que eles estão transgredindo esse legado divino. Vejamos o que diz a serva de Deus: ‘ O sermão mais eloqüente que se possa pregar sobre a lei dos Dez Mandamentos é CUMPRI-LOS. A obediência deverá ser pessoal.” — 4T, pág. 58.

A letra da lei mata. Pregar os Dez Mandamentos não é suficiente. Devemos cumpri-los. Encho-me de tristeza porque creio que estamos muito longe deste ideal. Creio que não estamos seguindo o plano divino, mas estamos preocupados pelas minúcias. Perguntavam-se há alguns dias na Caixa de Perguntas, se é lícito tomar banho no sábado e se é lícito enfeitar-se no sábado. Mas, que dizer de nossa conversação nesse dia? Quantas vezes nos encontramos fazendo nossa vontade, e falando nossas próprias palavras nesse dia!

“Nenhuma outra das instituições dadas aos judeus tendia a distinguidos tão completamente das nações circunvizinhas, como o sábado. Era intenção do Senhor que sua observância os designasse como adoradores Seus. Seria um sinal de sua separação da idolatria, e ligação com o verdadeiro Deus. Mas a fim de santificar o sábado, os homens precisam ser eles próprios santos. Devem, pela fé, tornar-se participantes da justiça de Cristo. Quando foi dado a Israel o mandamento: ‘Lembra-te do dia do sábado, para o santificar,’ o Senhor lhes disse também: ‘E ser-Me-eis homens santos.’ Só assim poderia o sábado distinguir Israel como os adoradores de Deus.” — O Desejado de Todas as Nações, pág. 206.

A observância dos mandamentos está intimamente ligada à palavra santificação, e para isso vou citar vários trechos da serva do Senhor.

“A verdadeira santificação será evidenciada por uma escrupulosa observância dos mandamentos de Deus.” — RH, 5 de outubro de 1886.

“Aqueles que desonram a Deus transgredindo Sua lei podem falar de santificação, mas não tem nenhum valor; sua oferta é tão aceita como a de Caim. Obediência à lei de Deus é o ÚNICO SINAL DE SANTIFICAÇÃO; DESOBEDIÊNCIA é o sinal de deslealdade e APOSTASIA.” – MS 41, 1897.

“Deus escolheu os homens desde a eternidade para que sejam santos. ‘Pois esta é a vontade de Deus, a vossa santificação.’ A lei de Deus não tolera o pecado, mas requer perfeita obediência. O eco da voz de Deus nos chega sempre dizendo: Santo, mais Santo ainda. E nossa resposta deve ser: Sim, Senhor, mais santo ainda. A santidade está ao alcance de todos os que a buscam por fé, não por suas boas obras, mas pelos méritos de Cristo. O poder divino é provido para cada alma que está lutando pela vitória sobre o pecado e Satanás.”

OBSERVAR A LEI DE DEUS

“Cada jota e cada til da lei de Deus é uma garantia de perfeito descanso e segurança se é obedecida. Se obedeceis a estes mandamentos, achareis em cada detalhe a mais preciosa promessa. Tomai a Jesus como vosso sócio. Pedi-Lhe Sua ajuda para guardardes a lei de Deus. Ele será vosso protetor e conselheiro, um guia que nunca vos extraviará.” — RH, 26 de janeiro de 1897.

“Satanás declarara que era impossível ao homem obedecer aos mandamentos de Deus; e é verdade que por nossa própria força não lhes podemos obedecer. Cristo, porém, veio na forma humana, e por Sua perfeita obediência provou que a humanidade e a divindade combinadas podem obedecer os preceitos de Deus.” — Parábolas de Jesus, pág. 314.

Permita Deus que estes conselhos nos sirvam para confirmar a voz de Deus que nos chega dizendo: “Santo, mais santo ainda,” e que nossa resposta seja: “Sim, Senhor, mais santo ainda.”

CRISTÃOS ATAREFADOS, PORÉM . . .

“Uma razão pela qual o êxito da igreja é tão enganoso, é que tal êxito tornou possível que a igreja desenvolvesse todo um programa de atividades que pode manter uma pessoa ocupada, sem que esteja em contato com o Cristo ressuscitado ou com o mundo necessitado. A igreja desenvolveu uma espécie de vida cultural e institucional própria que é bastante independente da vida de Cristo e da vida do mundo.” — Wesley Nelson, em Gospel Herald.