IV. Pós-milenismo Medieval, da “Igreja Pura”

O agostianismo prevaleceu através da Idade Média, em vista do crescente domínio da igreja na Europa Ocidental. Mas com o passar do ano 1000 A.D., e a aproximação do ano 1260, surgiu um nôvo conceito. A teoria agostiniana esperava uma igreja triunfante. O medievo Joaquim e seus seguidores esperavam uma igreja pura.

Desvios eclesiásticos muito evidentes, por parte do Papado, tornaram impossível continuar a igualar a igreja visível com o reino de Deus na Terra. Assim o ideal medievo de igreja pura assumiu a forma de um nôvo pós-milenismo, no qual a idade áurea (porém não de mil anos) era colocada no futuro, precedendo o segundo advento. Severas críticas de leais filhos e filhas da igreja começaram a exigir reforma, insistindo num avivamento espiritual. Joaquim de Fiora (1190) acentuou um nôvo ideal milenista: o de uma igreja pura. Baseava-se no conceito trinitário-dispensacional: a era do Pai, a era do Filho e a era do Espírito Santo. (Não tinha isto, entretanto, nenhuma afinidade com o dispensacionalismo moderno.) Mantinha êle que a prometida Era do Espírito começaria antes de 1260 A.D., segundo o princípio dia-ano. Uma era futura, assinalada pelo predomínio do Espírito, foi muito acentuada pelos “Espirituais Franciscanos,” que afirmavam ser tão necessária a purificação da igreja, que coisa alguma senão a vinda do Espírito Santo, com grande poder, a poderia efetuar. Uma amarração futura de Satanás, assim como uma passada, foi ensinada por dois espirituais franciscanos, Pierre Jean d’Olivi (falecido em 1298), que castigou a igreja hierárquica como a “Babilônia,” e Ubertino de Casale (cêrca de 1312), que identificou com a “bêsta” apocalíptica um dos papas. Arnoldo de Vilanova (falecido cêrca de 1313) aguardava uma reforma interna da igreja, efetuada por um papa. E Milicz de Kremsier (falecido em 1384) mantinha que a igreja tinha de ser purificada dos hereges antes da consumação. Assim foi muito proclamado o ideal da igreja pura, e a derrota do anticristo, em relação com o futuro amarramento de Satanás.

Na agitação medieval em favor de uma reforma na igreja, ergueu-se um avolumante côro de vozes afirmando ser o papa o anticristo. Posteriormente os grupos reformados, que identificavam o anticristo como a igreja papal apostatada, semelhantemente conclamavam o povo a sair da poluída Babilônia. Assim também no protestantismo se acentuou a idéia da igreja pura. Alguns, porém, procuravam amalgamar o ideal medievo da igreja pura com o conceito primitivo, do reino da igreja triunfante, efetuado por uma revolução política e social, como notaremos na próxima secção.

V. O Pré-milenismo Revive nos Tempos Pós-Reforma

Os grandes reformadores, preocupados com doutrinas como a justificação pela fé, não se preocupavam diretamente com o milênio. Continuavam com o ponto de vista de Agostinho, do reino milenial como sendo a igreja, embora houvesse forte ênfase em que o anticristo era o papado. Quando a Reforma se tornou um movimento de igrejas oficiais, os milenistas da igreja pura tornaram-se grupos marginais, tais como os anabatistas. Com efeito, as principais igrejas protestantes tenderam a desacreditar o milenismo, por causa dos excessos de alguns quiliastas, tais como os munzeritas, no continente, e, mais tarde, os homens da Quinta Monarquia, na Inglaterra, e por causa de elementos políticos e revolucionários em seus estratagemas para introduzir o reino de Deus na Terra. Mas os elementos mais estáveis dêsses grupos marginais fizeram forte impressão sôbre os batistas e congregacionais posteriores. Foi dessa fonte que as primitivas igrejas americanas se tornaram imbuídas do ideal de uma igreja pura, estabelecendo o reino de Deus antes da vinda de Cristo.

Foi depois do período da Reforma que José Mede combateu o ponto de vista agostiniano com o seu esquema de interpretação proPágina 21 fética que de nôvo localizou o milênio no futuro, após o segundo advento, com primeira e segunda ressurreições literais. Daí por diante, floresceu no protestantismo um pré-milenismo histórico, com tamanho vigor que nunca foi abandonado completamente, mesmo através do período da ascendência do pós-milenismo de Whitby.

VI. Pós-Milenismo de Whitby, do Século Dezoito

O pós-milenismo, introduzido por Daniel Whitby em 1703,3 afirma que o segundo advento só ocorrerá depois de mil anos — literais ou não — de melhoria do mundo, com paz crescente, justiça e conversão do mundo. Pela eliminação da guerra e do mal, o mundo, assim como a igreja, iniciará a idade áurea. O pós-milenismo mantém que o milênio virá sem intervenção direta de Deus, sem nenhum acontecimento catastrófico — simplesmente pela operação do Espírito Santo mediante o evangelho e os comuns instrumentos de graça. Estabelecer-se-á no mundo um govêrno verdadeiramente cristão, vencido Satanás de uma vez para sempre. Durante êsse tempo os judeus se converterão, mas não necessàriamente com a restauração nacional na Palestina.

Foi profundo o efeito dessa nova hipótese sobre o protestantismo. Quando os homens começaram a contemplar um grande panorama de paz e segurança, deixaram de estar ansiosos pela vinda de Jesus, substituindo pela volta de Cristo a expectativa da morte. E esta cativante teoria pós-milênio abateu-se qual vaga avassalante sôbre o protestantismo europeu. Introduzido na América por Jônatas Edwards e Samuel Hopkins, tornou-se a idéia dominante pelo ano de 1800.

Os pós-milenistas mantêm que a “prisão” e a “sôlta” de Satanás são linguagem figurada — a limitação do poder de Satanás e um possível incremento dêsse poder justamente antes do aparecimento de Cristo. Mas depois de derramadas as taças da ira de Deus, os ímpios que restarem serão destruídos. Então se estabelecerá o reino eterno. O fato de que o evangelho já foi vastamente pregado e aceito, empresta plausibilidade à opinião de que o mesmo processo prosseguirá de forma aumentada, até que o mundo esteja evangelizado e cristianizado.

*Whitby negava os conceitos comuns da primeira e segunda ressurreições literais, afirmando que a primeira “ressurreição” era simplesmente a gloriosa renovação da igreja. O segundo advento, afirmava êle, é simplesmente uma “efusão” espiritual. Para Whitby os santos da Terra são separados de Cristo durante o milênio, visto como Cristo e os mortos dos séculos passados estão todos no Céu. Whitby termina o período com a descida do Senhor, acompanhado dos espíritos de homens justos aperfeiçoados. Êste advento pós-milênio traz o dia do juízo, com a destruição dos pecadores restantes, e a salvação eterna para os santos.

Enquanto Campégio Vitringa acreditava que a segunda ressurreição era a dos mortos literais, Whitby a explicava como o surgimento dos princípios anticristãos, na confederação de “Gogue e Magogue.” De acôrdo com Whitby e Vitringa a “Nova Jerusalém” é a beatitude da igreja terrestre durante o milênio. Ao contrário, Brown e Faber a interpretaram como a multidão de santos depois do milênio.

O pós-milenismo “otimista,” que mais tarde se vinculou com a teoria da evolução e do progresso humano, por muito tempo censurou o pré-milenismo por seu “pessimismo.” Antes da primeira Guerra Mundial, os pós-milenistas declaravam que a humanidade fizera progressos demasiados para que houvesse outra guerra. Mas mesmo enquanto os compeões de tão rósea filosofia negavam as claras afirmações da Palavra, desabaram as mais horríveis catástrofes de todos os tempos. Os acontecimentos das últimas décadas, desde a primeira Guerra Mundial, inclusive a impotente Liga das Nações, a segunda guerra mundial e sua seqüela — tudo revelou a falácia de semelhante raciocínio, e têm desmentido essas pretensões. O pós-milenismo de Whitby está hoje falido.

VII. Ressurge o Pré-milenismo no Século Dezenove

  • 1. Revive o Pré-Milenismo. — No princípio do século dezenove houve um ressurgimento do pré-milenismo, no vasto despertar adventista do Velho Mundo e no Movimento Adventista do Nôvo Mundo. Diz-se que trezentos clérigos anglicanos e setecentos clérigos não-conformistas da Inglaterra — além de muitos outros no continente, no Norte da África e na Índia — acentuavam a breve destruição do Papado e do Turco, a primeira ressurreição literal e a trasladação dos santos por ocasião do segundo advento, assinalando o princípio do milênio, com a segunda ressurreição no seu término. Alguns mantinham que o juízo precedia o advento, seguido pela renovação da Terra, ao final do milênio. Outro ponto de vista avançou-se vivamente: o domínio antecipado seria exercido pelos judeus na Terra, estando a igreja no Céu, ou pelo menos num estado glorificado.

Êsses pré-milenistas eram chamados literalistas, em contraste com os espiritualizadores pós-milenistas. Êsses pré-milenistas, que a princípio eram historicistas, sustentavam que, antes do segundo advento, o anticristo juntaria seus seguidores para um derradeiro assalto ao povo de Deus e instituiría uma horrível tribulação, pela qual a igreja teria de passar. Então, no final da tribulação, Cristo aparecería, ressuscitariam primeiro os mortos em Cristo, numa ressurreição literal, sendo trasladados os santos vivos, e arrebatados para irem ao encontro do Senhor nos ares. Afinal, terminado o milênio, Satanás seria sôlto e reuniria as nações para guerrearem contra os santos. Mas todos seriam derrotados, pelo fogo do céu.

  • 2. O Arrebatamento Secreto Introduzido na Inglaterra. — Cedo se introduziram inovações radicais, quando Edward Irving e outros esposaram o futurismo. A Igreja Católica Apostólica fundada em 1832 por Irving (alegando promover o reavivamento do apostolado, da profecia e do falar línguas), introduziu o conceito de um “arrebatamento secreto,”* e um nôvo sacramento – o “Selamento.” Babilônia, mantinham êles, era a igreja corrupta, já agora madura para o juízo. A grande tribulação viria entre a ressurreição dos justos e o “arrebatamento” dos santos, e a destruição de Satanás — isto seguido do milenar reino de Cristo e Seus santos na Terra.

Pelo mesmo tempo, os Irmãos de Plymouth, seguindo J. N. Darby, ensinavam semelhantemente um arrebatamento pré-tribulação, como o início da vinda de Cristo para os Seus santos. Colocavam o anticristo e sua perseguição de três anos e meio depois da vinda de Cristo para a primeira ressurreição, na retardada septuagésima semana, em cujo final haveria outra vinda visível, ou “revelação” de Cristo com os Seus santos, para julgamento das nações vivas. Enquanto os seguidores de Irving criam que um “selamento” proveria o escape da grande tribulação, Darby mantinha que nenhum cristão haveria de sofrê-la. A Darby também se deve a introdução do dispensacionalismo, embora não lhe fôsse inteiramente nôvo. Os ensinos dêsses dois grupos, os seguidores de Irving e os de Darby, especialmente dêste último, tem influenciado profundamente o pré-milenismo fundamentalista da atualidade.

VII. O Pré-Milenismo Americano do Século Dezenove

Na América o nôvo pré-milenismo opôs-se vigorosamente ao pós-milenismo, fortemente entrincheirado, que floresceu no Nôvo Mundo, com seu ambiente de reforma, utopismo e róseo e generalizado otimismo quanto à perfectibili-dade dos homens. * *

  • 1. Movimento Adventista Pré-Milenial do Nôvo Mundo. — O vasto movimento do advento do Nôvo Mundo, na quarta e na quinta década do século dezenove, congênere do despertar do Velho Mundo, foi dirigido por um milhar de arautos pré-milenistas. Foi um movimento interdenominacional, superando o do Velho Mundo em extensão, intensidade e clareza. Êle incluía o movimento milerita, com 100.000 adeptos prováveis. Todos, inclusive os literalistas, eram ardorosos pré-milenistas, sustentando que o período milenial seria introduzido pelo segundo e pessoal advento de Cristo, e limitado pelas duas ressurreições literais. Alguns ensinavam a restauração dos judeus, e outros pontos de vista, derivados dos escritos dos literalistas britânicos; um, pelo menos, cria na teoria do arrebatamento, embora a septuagésima semana separada fôsse uma importação posterior. Eram historicistas, com um anticristo papal (ou maometano). Desenvolveu-se posteriormente o futurismo entre os pré-milenistas americanos. Os literalistas eram pelos mileritas considerados irmãos e aliados contra o pós-milenismo, na proclamação da “proximidade do advento,” malgrado suas divergências quanto à natureza do milênio.

Os literalistas discordavam dos pós-milenistas em relação à maneira do estabelecimento do reino milenial, e também, de modo sensível, quanto à natureza do reino. Entretanto, concordavam com êles em separar o milênio do estado eterno; criam que as nações irregeneradas estariam ainda na Terra, havendo nascimentos e mortes, pecado e arrependimento. Havia uma confusão de pontos de vista acêrca da relação dos santos glorificados com as nações irregeneradas, e da parte desempenhada pelos judeus, e também quanto ao cumprimento das profecias que levavam ao milênio, que uns esperavam viesse com a restauração dos judeus, outros com a purificação da igreja, ou com a queda do papado, ou do maometismo ou dos turcos, ou algum outro acontecimento.

  • 2. Os Mileritas Introduzem Nôvo Conceito Acêrca do Milênio. — Através dêste emaranhado de expectativas mileniais em conflito, Guilherme Miller e seus associados abriram uma picada limpa em direção de um conceito nôvo e diferente. “Não há milênio temporal,” diziam. Com isto queriam dizer que o reinado milenial não se daria durante o “tempo,” presentes ainda a morte, a decadência e o pecado, mas que seria o primeiro estágio do estado eterno. Mantinham que, quando Cristo vier outra vez, estará terminado o dia de graça dos homens, que todos os pecadores serão destruídos pelo avassalador brilho de Sua segunda vinda, e que todos os remidos ressurgirão ou serão transformados, para a eternidade. Ensinavam que a Terra será renovada pelo fogo, e que nela se iniciará o reino da eternidade — apenas interrompido, no final de mil anos, pela destruição dos “outros mortos.” Isto é, os pecadores ressurgirão e, dirigidos por Satanás já sôlto, tentarão tomar de assalto a Cidade Santa, que terá descido do Céu à Terra; e então virá o juízo final e a execução da sentença sôbre os ímpios.

Negavam assim os mileritas, por um lado, a espiritualização pós-milenista do milênio, que fazia dêste uma utopia, e por outro lado o literalismo milenista, que requeria cumprimentos pormenorizados, após o segundo advento, das profecias do Antigo Testamento quanto ao domínio de Israel sôbre as nações seculares.

  • 3. Distingue o Milerismo um Milênio Não-Temporal e Não-Judaico. — O ponto de vista milerita, de que durante o milênio apenas os santos imortalizados estarão vivos, abrangendo judeus e gentios remidos, sem distinção, eliminou de um só golpe tanto o aspecto temporal como o judaico, do reinado milenial. Isto, e não o marcar data, foi a diferença básica que colocou os mileritas à parte de seus contemporâneos, tanto pré-milenistas como pós-milenistas.

Houve, em ambos os campos, oponentes de Miller, os quais marcavam aproximadamente o mesmo tempo que êle, ou para o comêço do milênio ou para o segundo advento, ou ambos, mas que atacavam o ponto de vista milerita, de que o milênio seria o princípio do estado eterno e não uma idade áurea da igreja ou o reinado dos judeus (por exemplo, George Bush, pós-milenista, e Ricardo Shimeall, pré-milenista). Infelizmente hoje só ficou na lembrança a decepção dos mileritas, porque suas esperanças eram mais específicas, mais espetaculares e foram mais amplamente publicadas. Conviría lembrar que os outros também estiveram em êrro, e suas datas também passaram sem que se realizassem os gloriosos acontecimentos que esperavam.

* Um dos Irmãos Plymouth, o Dr. S. P. Tregelles (The Hope of Christ’s Second Coming, 1864, págs. 34-37), contemporâneo, diz da origem dessa “teoria da vinda secreta de Cristo:”

(‘Não me consta que houvesse qualquer ensino definido sobre haver um Arrebatamento Secreto da Igreja, por ocasião de uma vinda secreta, antes que isso fôsse exposto como uma ‘declaração’ na igreja do Sr. Irving mediante aquilo que era então considerado como sendo a voz do Espirito. Mas quer tenha alguém asseverado isso, quer não tenha, foi dessa suposta revelação que surgiram a moderna doutrina e a moderna fraseologia a seu respeito. Proveio, não da Santa Escritura, mas daquilo que falsamente pretendia ser o Espírito de Deus. 

* * Inteiramente à parte do grande movimento adventista de Miller e seus associados, e em grande parte anterior a êle, houve na América várias organizações pequenas, excêntricas, quiliastas ou utópicas, que praticavam a vida em comum. Algumas introduziram um quiliasma estranho e sectário, político, teosófico ou dispensacional, mas afirmavam que o reinado dos santos seria com Cristo na Terra, durante os mil anos. Êsses, em graus diversos, combinavam suas excentricidades com o pré-milenismo ou o pós-milenismo, mas acentuavam, juntamente com suas excentricidades, os ideais familiares da igreja pura e o reinado quiliasta, terrestre, dos santos com Cristo.