JOÃO SILVA foi assistir à conferência do pastor, ontem à noite. (Aliás, faça-se justiça a João Silva: êle não falta a reunião alguma, aos sábados, aos domingos, e mesmo às quartas-feiras. E, cá que ninguém nos ouça: Escandaliza-se mesmo com a pouca freqüência das reuniões de quarta-feira.) Como íamos dizendo, João Silva foi à conferência — e ficou muito contente ao ver o salão apinhado de ouvintes atentos. Também, não era para menos, pois o assunto era de transcendente interêsse: a mudança do dia de repouso, do sábado para o domingo. E o orador estava inspirado. Manuseava bem o vernáculo, era fluente, falava com sinceridade e convicção.

A certa altura, porém, o vizinho de João Silva, por êste convidado à reunião, cochichou-lhe ao ouvido:

— Quem são êsses homens que êle citou: Keenan, Geiermann, Summerbell, Hiscox, Gibbons, Binney, Fowler, Seymour e outros, cada qual de nome mais arrevezado?!

— São grandes autoridades no mundo religioso, respondeu João Silva.

— É?!. . . nunca vi mais gordos! Existiram mesmo êsses personagens? Não será fantasia inventiva do conferencista?

— Não, não! disse João Silva, monossilàbicamente, não querendo prolongar o cochicho, pois poderia causar espécie ao orador.

Ao chegar em casa João Silva soliloquiou: “Por que será que nossos pregadores se servem de tantas fontes estrangeiras, quando temos muitas dentre nomes conhecidos nossos? Vá lá que citem algumas delas, para variar. . . . Mas, todos nomes alienígenas, ainda às vêzes mal pronunciados. … Se pelo menos houvesse algum latino. . . . Espere um pouco! Sei o que vou fazer: mandarei ao meu querido pastor um punhado de fontes mais conhecidas, e mesmo algumas de nosso meio, com êste sabor gostoso de brasilidade. …”

João Silva não é um prodígio de erudição nem depósito ambulante de citações e conhecimentos catalogados. Foi, porém, ver o que tinha em seu arquivo, esperançoso de que, com êsse estímulo, o pastor procurasse ainda outras fontes, em sua própria biblioteca, na biblioteca pública, entre os livros de seus amigos etc. Deu-se ao trabalho de copiar com letra bem legível o que tinha, colocou-o num envelope e pô-lo no correio, juntamente com uma cartinha em que dizia que supunha ter o pastor interêsse no que ia ler, e por isso resolvera fazer essa pequenina contribuição ao seu fecundo ministério. Que lhe desculpasse a ousadia — fruto apenas do desejo de cooperação franca e sincera.

Eis as citações que mandou:

“Se devemos repelir a Tradição, e aceitar somente o que está na Bíblia, como dizem os protestantes, por que aceitam êles a santificação do domingo, o batismo das crianças, e outras práticas que não constam da Escritura Sagrada? — D. Duarte Leopoldo e Silva, Concordância dos Santos Evangelhos, pág. 146.

“O sábado precedeu até a lei de Moisés; e tão antigo como o mundo, foi estabelecido pelo próprio Deus lá no princípio; ora, só Deus pode desfazer o que estabeleceu: só Deus é senhor do sábado e atribuir-se êsse título é atribuir-se a própria natureza divina.” — Padre Dehaut, O Evangelho Explicado, Defendido, Meditado, Vol. 2, pág. 188.

“Ora, a instituição do domingo como dia de guarda, além da praxe longa, constante e ininterrupta do sábado como dia de repouso, teve contra si a própria lei mosaica, que estabeleceu o sábado. Leve-se em conta que, sôbre insurgir-se contra a lei do sábado e a prática dêsse dia como dia de descanso, o domingo não. logrou o favor de um preceito de Jesus, instituindo-o, o que lhe valería, com certeza, a adesão pelo menos, da parte daqueles que fôssem jurando a bandeira do Mestre. E, como é sabido, até o momento do Seu retôrno ao seio do Pai, êsse mandamento ainda não havia sido proferido…. Antes de nada, diga-se com tôda a franqueza, que não há nenhum mandamento expresso no Nôvo Testamento, impondo a guarda do domingo.” — Rev. A. Teixeira Gueiros, A Questão do Sábado ou o Dia de Descanso para Hoje, págs. 27 e 24. (O autor é ministro evangélico.)

“Nós, católicos, romanos, guardamos o domingo, em lembrança da ressurreição de Cristo, e por ordem do chefe da nossa igreja, que preceituou tal ordem do sábado ser do Antigo Testamento, e não obrigar mais no Nôvo Testamento.” — Pe. Júlio Maria, Ataques Protestantes, pág. 81.

No livro Perguntas e Respostas diz o Cônego Araújo:

“Pergunta: Que dia da semana a Bíblia manda santificar?

“Resposta: O sábado. Eis as passagens da Bíblia: (O autor cita a seguir Êxo. 20:8-11; 31: 14 e 15; Deut. 5:12-14.)

“Pergunta: Mas a Bíblia manda observar o domingo em vez do sábado?

“Resposta: Não.

“Pergunta: Quem mudou o dia do Senhor de sábado para domingo?

“Resposta: A Igreja Católica.

“Pergunta: Mas os protestantes observam o descanso do domingo.

“Resposta: Então neste ponto seguem a tradição católica.” — Cônego Hugo Bressane de Araújo, obra citada, págs. 22 e 23.

“O Decálogo preceitua a guardar os sábados e não os domingos. É a igreja. . . que transmudou os dias.” — Pe. Etienne Ignace Brasil, O Culto das Imagens, pág. 45.

“A observância do domingo. . . não só não tem fundamento na Bíblia, mas está em contradição flagrante com a letra da Bíblia, que prescreve o descanso do sábado. Foi a Igreja Católica que por autoridade de Jesus Cristo transferiu êsse descanso para o domingo, em memória da ressurreição de nosso Senhor.” — Monitor Paroquial, Socorro, Estado de São Paulo, 26-8-1926.

“A observância do dia do domingo sucedeu, na lei nova, à do sábado, não em virtude de um preceito de lei; mas, pela constituição da Igreja e pelo costume do povo cristão.” — S. Tomás de Aquino, Suma Teológica, Vol. XV, pág. 580. (Tomás de Aquino é considerado “o maior teólogo da Igreja do Ocidente,” e sua Suma Teológica tida como “a expressão mais perfeita da ortodoxia católica.”)

“A Bíblia manda santificar o sábado, não o domingo. Jesus e os apóstolos guardaram o sábado. Foi a tradição católica que, honrando a ressurreição do Redentor, ocorrida no domingo, aboliu a observância do sábado.” — Pe. Dubois, Barnabita, O Biblismo, pág. 106. Edição do Santuário de N. S. de Nazaré, Belém do Pará.

“Na antiga lei de Moisés era prescrita a santificação do sábado. Sábado é na verdade o sétimo dia da semana. Neste dia era até proibido andar mais de um determinado número de passos; não se podia fazer comida; só se podia tomar a comida preparada no dia anterior, na sexta-feira; os fariseus nem toleravam que Jesus operasse milagres em dia de sábado. Mas tudo isso pertence a um cerimonial do antigo testamento, que foi revogado por Jesus; e os sabatistas de hoje são os primeiros a não observar tôdas as prescrições do sábado. A Igreja herdou a autoridade de determinar os tempos e os modos de honrar a Deus, e a Igreja, quer para demonstrar que a antiga lei cerimonial não tem mais vigor, quer para solenizar a Ressurreição de Jesus, determinou que o dia consagrado a Deus fôsse aquêle em que Jesus ressuscitou (e foi exatamente o dia imediatamente seguinte ao sábado) e chamou êste dia: dies dominica, dia do Senhor, domingo, julgando muito bem oferecer a Deus o primeiro dia, em vez do último, assim como cada um julga conveniente oferecer a Deus as primeiras flôres, os primeiros frutos, os primeiros instantes do dia, os primeiros anos da vida, e não os últimos.” — A Imprensa, 30 de março de 1950 (S. Paulo, Rua Major Maragliano, 287).