João Silva é um homem franzino, temperamento delicado, emotivo. Quando criança, quase sessenta anos atrás, ouviu a primeira pregação adventista. Tratava da vinda de Jesus, ou antes, dos sinais da vinda de Jesus. Hoje João Silva não se lembra de coisa alguma daquele sermão senão das palavras: “… um avião, sobrevoando Londres, poderia em meia hora reduzir a um montão de escombros aquela grande cidade, despejando bombas sôbre ela …”
João Silva cresceu, fêz-se homem. Um dia entrou numa igreja adventista, em que se realizava uma série de conferências. “Sinais da Vinda de Cristo” — era o tema. Muitos sinais foram apresentados, mas todos desapareceram na insignificância, diante do entusiasmo e eloqüência com que o conferencista discorria sôbre o último e mais pavoroso instrumento de mortandade coletiva: a Bomba Atômica! Essa noite João Silva teve um pesadelo dantesco: Caía-lhe em cima da casa, no seu quarto, no seu leito . . . uma bomba atômica do tamanho do Pão de Açúcar!
Outro dia, João Silva tomou de um dos nossos livros. Desejava recrear o espírito, ter a revelação de um Jesus todo amor, todo paz, misericórdia e perdão. Abriu-o ao acaso: “Bomba Atômica”—era o título de um capítulo: uma gravura da bomba atômica, em tôdas as côres de sua explosão . . . onde foi, ainda? Sim, em Nagasaki, em Hiroshima, num deserto dos Estados Unidos, num recanto do guerresco Oceano Pacífico, em cada um dos sete mares, no ar, no sub-solo! Bomba atômica . . . Bomba atômica . . . BOMBA ATÔMICA por tôda parte, nos nossos livros, nas nossas conferências públicas, na Escola Sabatina, nas reuniões dos MV …
João Silva estava anelante de ter um vislumbre de Jesus. As macabras visões da bomba atômica impediam-no disso. Meteu a cabeça entre as mãos, e chorou. Chorou desconsoladamente! No íntimo, bradou: Dêem-me Jesus! É dÊle que preciso, e não de bombas e quejandas coisas pavorosas! Não me arrebatem meu Salvador! Dêem-me uma visão de Seu amor, Sua misericórdia, Seu perdão! É disso que careço, pois sou pecador, grande pecador! E meu pecado não pode ser delido pela bomba atômica, não pode ser perdoado incutindo-me pavor, mas sim amor, o amor de Jesus . . .
Muita coisa mais bradou para dentro de si mesmo o pobre João Silva, aflito, quase desesperado.
Desde menino não o largava a visão daquele bombardeiro, incipiente ainda, de seis décadas atrás, a reduzir a escombros Londres, que também podia ser o Rio de Janeiro, ou São Paulo … E nas pregações que, feito môço, vinha acompanhando, o singelo aviãozinho, é claro, evoluiu muito até metamorfosear-se no possante bombardeiro a jato transportando a diabólica bomba atômica, ou de hidrogênio. E vieram mais os foguetes teleguiados, a guerra química … E o menino João Silva que, apesar de tudo, continua ainda adventista convicto depois de crescido, tornou-se um complexado atômico, arisco e desconfiado da pregação que vai ouvir. Ao entrar na igreja, cogita: Não será a bomba atômica o prato espiritual, hoje?
Ensimesmado e pensativo, certa noite, quando o sono lhe fugiu, João Silva monologou: Por que será que muitos pastores, tão queridos, tão consagrados e inteligentes todos êles, não pregam mais a Jesus, e menos a bomba atômica? Por que será que, parece, querem atrair mais pecadores pelo temor dos juízos divinos do que pelo amor de Deus e de Jesus? Acharão mais forte e poderoso o mal do que o bem? o diabo, do que Jesus? o ódio, do que o amor? Por que será que apresentam a vinda de Jesus como uma ameaça, em vez de promessa? Acharão porventura que os homens devam obedecer a Jesus por temor, em vez de por amor? ou que êste deva ceder lugar àquele? Como estão enganados! Não viram, já, em sua experiência pastoral, que os homens ganhos pela pregação do amor, permanecem mais firmes, são mais estáveis, mais frutuosos, animados e contentes, do que os alcançados pela pregação do temor? Não viram ainda que o mêdo pode convencer, mas o amor é o que converte? que o intelecto pensa, mas o coração sente? Não perceberam ainda que os conversos feitos pela avenida do coração, do amor, são mais perseverantes do que os ganhos pela intimidação, pois o amor permanece, ao passo que o efeito do temor é passageiro?
O monólogo seguiu por êsse diapasão, por muito tempo ainda. Lembrou-se afinal, para grande alívio seu, de ter ouvido um pastor amigo dizer-lhe que, certa vez, incumbido de fazer um sermão de muita responsabilidade, perguntara a sua mãe, uma santa velhinha, muito velhinha:
— Mamãe, que devo pregar?
— Pregue a Jesus! foi a pronta resposta da anciã.
E ao preparar o sermão, o pastor lembrara-se de uma ilustração que lera, segundo a qual alguns membros de uma congregação, cansados dos sermões muito eruditos que seu pastor lhes pregava, um dia deixaram sôbre o púlpito um bilhete, contendo a indicação de um texto bíblico: S. João 12:21. Em casa, o pastor, consultando a Bíblia, leu: “Queríamos ver a Jesus!” Compreendeu a delicada exprobração, e mudou o rumo de suas mensagens. Em vez de erudição, passou a pregar mais direta e simplesmente a Jesus. Algum tempo depois viu outro bilhete sôbre o púlpito, dizendo apenas: “S. João 20:20.” e leu na Bíblia: “Os discípulos alegraram-se, vendo o Senhor.”
A esta altura, João Silva viu a treva interior iluminada por um tênue clarão de esperança: lembrou-se de ter ouvido um ministro dizer que a Associação Geral, de uns tempos para cá, vinha recomendando que nossos pastores pregassem um evangelho mais cristocêntrico; pregassem a Lei, sim, mas Cristo no centro da Lei; exaltassem a Lei como demonstração do amor de Deus, e não do terror — como proteção e não restrição; pregassem, enfim, mais o evangelho do amor, que outro não pode ser o evangelho de Jesus Cristo, e o evangelho da própria lei!
João Silva, agora já embalado por êste pensamento de esperança, adormeceu afinal, sonhando com um futuro de mais conversões: igrejas transbordantes, não só de gente humilde, mas também da flor da intelectualidade, cultura e posição social; batismos às centenas e aos milhares; pastores alegres e animosos; crentes otimistas e ativos, ansiosos por cooperar na conquista de almas — sempre pelo amor e nunca pelo temor!
E ao acordar de manhãzinha, surpreendeu-se ao ouvir sua própria voz, exclamando alto e bom som: “Que os anjos digam: Amém! Amém e Amém!”