Nesta época de progresso e grande avanço da ciência, até parece inconcebível que recentemente o médico e o ministro estejam entrando em contato profissional. Sòmente nas instituições em que a medicina e a assistência social atingiram o máximo desenvolvimento, dentro do possível, podemos ver os médicos trabalhando em parceria com os ministros. É até doloroso pensar que um trate o corpo, e o outro o espírito, a alma, sem descobrir que o homem é um “ente” composto dêstes elementos e que qualquer tratamento que exclua um dêles não está em harmonia com êste princípio.

Quantas pessoas que receberam tratamento para enfermidades físicas morreram talvez sem qualquer reação favorável, quando a visita oportuna de um ministro bem capacitado poderia haver descoberto um problema espiritual (complexo de culpa, problemas conjugais produzidos por diferenças religiosas etc.) ou algum outro de caráter social que poderia ser apresentado ao Departamento de Serviço Social da igreja (Sociedade de Dorcas) ou da cidade. Não obstante, enquanto o homem se ensoberbece por haver conquistado o espaço, ainda tem pouco conhecimento da maior de tôdas as conquistas: conhecer-se a si mesmo e resolver os complexos e delicados problemas que surgem como resultado da degeneração experimentada pelo corpo depois de quase seis mil anos de pecado e da incerteza em que vive nosso espírito num mundo desorientado.

Enquanto visitava os enfermos nos diversos hospitais de Manhattan, Long Island e Brooklyn, durante o tempo em que trabalhei como pastor em Nova Iorque, muitas vêzes me encontrava junto ao leito de algum enfêrmo quando o médico vinha fazer-lhe uma visita diária. Sua atenção, como era de esperar, dirigia-se imediatamente para o paciente, e êle só olhava em minha direção para saudar-me; era raro os médicos me reconhecerem ou me tratarem como profissional. É verdade que em algumas organizações religiosas não se usa uma toga ou vestimenta especial que identifique o ministro, o que explica em parte êsse estado de coisas, embora todos saibamos que “o hábito não faz o monge.”

Mais tarde, quando acompanhava os psiquiatras do Centro Islip State Hospital, em Long Island, como visitador social psiquiátrico, descobri com surprêsa que nesse grande hospital, que ocupa o segundo lugar no mundo, com um corpo de médicos e especialistas de renome internacional, esta siuação não variava muito. Quando algum paciente ingressava no departamento que me fôra designado, competia-me fazer-lhe a primeira visita na sala de recepção, onde eu obtinha (quando o paciente era comunicativo) tôda a informação necessária para fazer sua narrativa social. Depois então um psicólogo realizava os testes necessários para facilitar o diagnóstico do psiquiatra designado para o paciente. O ministro visitava o enfêrmo e fazia planos para ir à igreja com êle, mas o médico não tomava conhecimento de tôda a sua conversação e ajuda espiritual.

Freqüentemente era recebida a visita de algum especialista contratado pelo Departamento de Saúde Pública do Estado de Nova Iorque para visitar os estabelecimentos de doenças mentais e contribuir com seu conhecimento para o tratamento de casos especiais. Quando isto sucedia, o paciente era levado para a sala de espera do salão de conferências do departamento, enquanto se reuniam todos os profissionais que tinham que ver com o bem-estar dos pacientes. O primeiro a falar era o Visitador Social Psiquiátrico, que apresentava minucioso relato da história social e dos recursos do paciente; em seguida, o psicólogo expunha em sua linguagem profissional todos os resultados de suas investigações, e finalmente era ouvido o relatório médico do psiquiatra indicado para o paciente. Terminados êsses “relatos,” o paciente era levado para a sala e o especialista visitante lhe fazia um minucioso interrogatório para estabelecer seu próprio diagnóstico do caso.

Enquanto via todos êsses profissionais unir os seus esforços para ajudar a êsse paciente, eu olhava em tôdas as direções, procurando o pastor ou líder espiritual dessa alma que estava sendo considerada sob o aspecto físico e mental, sem que se fizesse provisão para suas necessidades espirituais. Não me recordo de ter visto um só ministro nessas importantes sessões.

Estava esquecendo de mencionar que sempre havia um grupo de ministros estudando nesse hospital o curso de especialização para capelães. Sim, há ministros para atender a pacientes católicos, protestantes e judeus, mas, como podemos notar, sua participação é de caráter marginal, e não tomam parte nessas conferências em que se decide o futuro dêsses pacientes. Quanto nos resta percorrer ainda!. . .

Suponho que embora o médico e o ministro se encontrem nos hospitais, êles não se encontraram ainda no campo profissional onde cada vez se torna mais necessário o trabalho em conjunto. Logo que um paciente ingressa no hospital, o médico o examina cientificamente, e o outro — o filósofo e o teólogo — sob um aspecto diferente. Em outras palavras, enquan-to um procura curar seus males físicos, o outro se preocupa com os problemas do espírito, olvidando que o homem integral é a soma dêsses dois fatôres. Quantas vêzes, como ministro, procurei estabelecer mais estreita comunhão com o médico do paciente que visitávamos, mas nunca logrei um resultado completo, pois nós dois contemplávamos o paciente sob um ângulo diferente. Além disso, êles nem sempre consideram o ministro como profissional e alguns aceitam suas visitas com receio.

Isso tem duas explicações. Primeira: só nas duas últimas décadas o ministro e o médico começaram a entender-se e a trabalhar como uma só equipe, e apenas nos grandes hospitais em que tanto ministros como os médicos receberam em seu preparo a influência das novas tendências. Segunda: o desafortunado fato de que algumas religiões outorgam credencial de ministro a qualquer membro sincero e cristão, mas sem preparação adequada; e por isso êle às vêzes se põe em lugar do médico, diagnosticando, ordenando e assumindo uma posição que não lhe corresponde — o que origina má disposição dos facultativos para com os ministros.

Em minha relação com os médicos, tive uma experiência que modificou totalmente a atitude de um dêles para comigo. Sempre que visitava um de meus clientes no hospital, eu deixava meu cartão de visita na enfermaria daquele pavimento, para que o juntasse ao relatório médico do paciente, com uma nota que dizia: “Em caso de emergência, favor chamar-me imediatamente.” Durante longo tempo só fui chamado duas vêzes. Numa dessas vêzes, um médico rogava que eu obtivesse a autorização para êle operar a um paciente que apesar de se achar em estado grave, o padre não queria deixar operar.

Em menos de uma hora cheguei ao hospital com a autorização, e após conversar um pouco com o médico tive a impressão de que nos entendíamos melhor. Quatro dias depois, mais ou menos às duas horas da madrugada, fui despertado pelo som do telefone. Acendi a luz e levei o auscultador ao ouvido. Antes que pudes-se dizer alguma coisa, uma voz preocupada me perguntou do outro lado da linha: “É o Rev. Fuentes?” Após minha confirmação, êle se identificou como o médico de que falamos acima. O hospital lhe comunicara a morte do paciente que mencionamos, como conseqüência de complicações pós-operatórias, e estava recorrendo novamente a mim, para que o comunicasse ao padre cuja reação emotiva êle temia.

A partir dessa data, êsse doutor, que era médico de cabeceira de vários membros de minha igreja, me consultava em cada caso. Sempre me manteve informado dos pormenores durante o tempo em que os membros de minha igreja permaneciam no hospital. Isto, como era de esperar, contribuía para o bem-estar dos pacientes. Certa ocasião, conhecendo a verdade sôbre o mal que a afligia, pude falar ao coração de uma irmã que morria de câncer. O médico recomendou certa vez que uma irmã comparecesse com o espôso, ao escritório do pastor, e “falasse sèriamente com êle,” visto que todos os seus males eram o resultado de sérias inseguranças causadas por desavenças conjugais. Nossa amizade adquiriu maior solidez com a atitude franca e profissional que êle manifestou ao descobrir que eu nunca assumia prerrogativas que não me correspondiam e que tôdas as minhas decisões e participações levavam a aprovação do facultativo.

Devemos aplicar o princípio da ética profissional, a regra de ouro. Assim como o ministro não gostaria que o médico interrompesse seus serviços religiosos e desse ordens em sua igreja, assim o médico não aprecia que o ministro assuma no hospital um papel superior ao que lhe corresponde. Convém lembrar que o paciente vai ao hospital porque julga necessitar de ajuda médica. Se êle soubesse que sua maior necessidade era de ordem espiritual, por certo iria em busca da igreja.

Isto nos mostra que para desfrutar ampla e sólida relação com o médico, o pastor deve saber seu lugar, conhecer suas limitações e não cair no perigoso terreno de excessivo dogmatismo em que geralmente arrefecem as relações profissionais do médico e do ministro, pois êste último quer resolver com oração o que para o facultativo tem uma explicação e um remédio. Lembremos que a oração tem seu lugar na relação com o enfêrmo, mas não é um chapéu de prestidigitador em que coloquemos o enfêrmo e tiremos um indivíduo cheio de saúde. Por isso o ministro tem a obrigação de saber algo de medicina, para que possa compreender o médico; e o mesmo deveria suceder com o médico, no tocante a nossa profissão. Infelizmente, não atingimos ainda êsse ideal, princípalmente na América Latina.

Quando um ministro visita a um paciente, deve saber — na medida do possível — o que êste tem, conhecer as generalidades acêrca dessa enfermidade e adaptar suas palavras às necessidades do paciente. Quantas vêzes a conversação inadequada de um pastor deixou o paciente em estado de tensão, sendo preciso chamar o médico à meia-noite para prescrever um calmante ou tranqüilizador. Noutras ocasiões, todos conversam animadamente, inclusive o próprio ministro, enquanto o paciente, visivelmente alterado e esgotado, dorme e desperta de forma sucessiva, ouvindo longas conversações pelas quais fica inteirado da grave situação mundial ou dos problemas que afligem a pessoas que conhece.

Lembremo-nos de que um enfêrmo, em especial durante o período crítico de sua enfermidade, tem suficientes preocupações com seus próprios problemas e não está em condições de suportar outras mais, que às vêzes até são difíceis de agüentar quando se tem boa saúde. Além disso, quando um paciente está muito preocupado, tem a tendência de imaginar desenla-ces que em geral não se aplicam a sua enfermidade.

Com o objetivo de livrar os ministros de momentos desagradáveis, desejamos fazer uma lista dos pontos que consideramos de capital importância para assegurar o êxito de uma visita pastoral a enfermos que se acham no hospital. Ponde-os em prática, e vereis quão valiosa será sua contribuição para a recuperação dos pacientes. Não queremos, porém, que isto seja considerado um estudo exaustivo da matéria.

  • 1. °) Logo que vos seja comunicada a admissão de algum membro no hospital, colocai-vos às ordens do médico. Contai ao médico quem sois e a vossa estreita relação com a família. Se o caso fôr muito grave, pedi-lhe que vos dê informações antes de qualquer desenlace. Assim podereis assegurar um controle efetivo diante da comoção que ocorrerá. Lembrai-vos de que ocupareis (ou deveis ocupar) um lugar sobressalente durante êsses dias de dor.
  • 2. °) Ao visitar os pacientes, dizei apenas aquilo que lhes sirva de alento, e não discutais com êles a respeito de suas enfermidades, a menos que desejem contar-vos “o que o médico disse.” Recordai-vos de que tendes o dever de inteirar-vos das enfermidades de que sofrem os pacientes, e de seus pormenores, antes de ir visitá-los.
  • 3. °) Falai num tom de voz apropriado, não muito alto nem tão baixo que os pacientes tenham de fazer grande esfôrço para ouvir-vos. Cumpre ter em mente que os pacientes sob os efeitos de um sedativo não necessitam nem entendem muitas palavras. Um caso típico é o do paciente que foi preparado para ser levado à mesa de operações, e cujo funcionamento está reduzido pelo efeito de drogas. É muito confortante que o pastor o veja antes de ser levado para a mesa de operações. (Se o tempo e as circunstâncias o permitirem, o pastor deve orar com êle.)

“Estarei aqui orando pelo senhor,” são as palavras mais doces e confortantes que um enfêrmo pode ouvir dos lábios do pastor, antes de ser levado para a sala de operações. Se ao despertar vê novamente o rosto sorridente e afetuoso de seu pastor, isto o confirmará na fé e fará com que confie no Senhor como nunca dantes.

Essa atitude que tomei para com todos os que eram operados me ajudou a conquistar a confiança e a cooperação da igreja. O fato é que enquanto o paciente está sendo operado, depende da habilidade profissional do corpo médico e do anestesista; e para êle, saber que antes de ser submetido à operação Deus será convidado a estar presente por meio das orações do pastor, e certificar-se de que isso é uma feliz realidade, ao recuperar os sentidos, é uma sensação tão especial que não pode ser descrita ou entendida por aquêles que não a experimentaram ainda. Além disso, o pastor estará confortando os familiares que se encontram com êle na sala de espera. Êsse precioso tempo que se “gasta” ali poupa ao ministro meses de trabalho, pois uma família unida com o pastor num momento psicológico como êsse, dificilmente o olvidará, tornando-se os melhores colaboradores do pastor durante o ano todo.

  • 4. °) Sêde breves. Quando se escolheu cuidadosamente o que se vai dizer na visita, pode-se terminá-la em pouco tempo, deixando no paciente a inspiração que a motivou. É isso que se chama de visita profissional, terapêutica. A prolongação da visita além do tempo indispensável destruirá êsse efeito.

Mencionamos os pontos dois, três e quatro, pensando no labor deveras pessoal realizado pelo ministro. Quando algum membro de sua igreja consulta o médico para que o cure de dores musculares ou de um resfriado, a conversação não será de grande valor, a menos que contribua para produzir um diagnóstico fiel. Não sucede o mesmo com o ministro, o qual baseia tôda a sua efetividade na profundeza e no conteúdo de sua conversação; noutras palavras, no efeito que suas expressões causam no paciente. Por isso é importante saber o que se vai dizer. Se consegue modificar a visão limitada do paciente, ou estimular seu entusiasmo e espírito de cooperação com o medico ate superar o estado depressivo em que geralmente caem os que são acometidos de certas enfermidades, o pastor está alcançando o seu objetivo e cumprindo uma responsabilidade muitas vêzes ignorada ou desprezada.

  • 5.°) O quinto ponto é ouvir. Muitas vêzes, o que o enfêrmo deseja é “desabafar-se,’ partilhar seus problemas com alguém; mas o pastor está tão entusiasmado, contando os planos levados a efeito na igreja durante a ausência do enfêrmo, que êste não se atreve a interromper-lhe o relato. Recordemos que uma das terapias mais eficazes consiste em ouvir, dando oportunidade à pessoa de extrair do íntimo o problema que não soube analisar e cuja presença na mente desencadeou essa série de sintomas, ou foi o fator que motivou o seu desenvolvimento.

Certa ocasião, compareceu a meu escritório uma senhora que visitava nossa igreja. O seu semblante denotava que ela passara a noite em claro e se achava em estado de grande tensão. Disse-me: “Pastor, estou desesperada. Vim buscar sua ajuda antes que eu acabe ficando louca.”

Depois de acalmá-la um pouco, pedi-lhe que me contasse o seu “problema.” Por meia hora ouvi-a relatar de maneira vivida um incidente muito familiar e comum nas grandes cidades onde o nível de tolerância é muito reduzido, em conseqüência da pressão com que se vive e da tensão resultante da rapidez com que se atua ou procede socialmente.

Falei-lhe só de vez em quando, para estimulá-la a prosseguir com sua história. À medida que foi terminando a narrativa, seu rosto adquiriu colorido com o ardor de sua confissão, e até sorria ao ver-me fazer anotações em minha caderneta.

Depois de contar-me tôda a sua história, ela mesma propôs duas soluções que rejeitou imediatamente, sem minha ajuda. Afinal chegou à conclusão de que por essa vez perdoaria ao espôso, mas lhe faria saber quão mal se sentiu com sua atitude. Agradeceu-me “por tôda a ajuda” prestada e por meus “sábios conselhos,” e já estava indo embora quando a chamei para que fizéssemos uma oração a Deus. A verdade é que ao ouvi-la por meia hora, eu a ajudei a descarregar sua tensão nervosa, e ela pôde pensar então com mais equanimidade. Ocorrera um dêsses tratamentos psicoterápicos que amiúde são dados pelos ministros, de modo consciente ou inconsciente.

Sempre que nos encontrávamos, aquela senhora me agradecia “por tôda a ajuda” que eu lhe havia prestado “num dos momentos mais críticos” de sua vida.

Os ministros às vêzes negligenciam essa parte, que é tão importante como um conselho sábio e oportuno, e privam assim o paciente da única ajuda que em alguns casos poderiam prestar-lhe. Ouvir é uma ferramenta muito útil para o ministro, sendo algumas vêzes de maior utilidade do que uma palestra ou um estudo bíblico. Quando o paciente que se está desabafando acha-se acamado, deve-se cuidar para que não fale até ficar esgotado, o que seria contraproducente para sua saúde.

  • 6.°) Não procedais como se soubésseis tudo. Quando o ministro tem a resposta na ponta da língua, para cada coisa que o paciente mencione, inclusive em medicina, não está fazendo nenhuma contribuição valiosa. Em primeiro lugar, está-se metendo num setor em que não é autoridade; e em segundo lugar, ao expressar-se como se soubesse tudo, impede que o paciente cumpra as instruções dadas pelo facultativo. Além disso, sua atitude deixará a impressão de que é demasiado autoritário, e o paciente não se atreverá a confessar-lhe seus problemas e preocupações, por haver perdido a confiança no ministro cuja atuação criou um ambiente desfavorável para isso.

(Continuará no próximo número.’)