Na antiga economia judaica ùnicamente o sumo sacerdote podia entrar no santíssimo. Com as suas vestes brancas, protegido pelo véu de incenso, aproximava-se com tremor do trono divino, e dêste encontro com Deus regressava anunciando aos adoradores reunidos que a obra da expiação havia sido consumada. Porém, quando Jesus expirou na cruz, “eis que o véu do santuário se rasgou em duas partes, de alto a baixo” (S. Mat. 27:51). Naquele momento histórico-profético cessou o monopólio sacerdotal. O véu que impedia o livre acesso do adorador comum ao lugar santíssimo foi rasgado em forma sobrenatural. Inaugurava-se a instituição do “sacerdócio universal.” Agora, graças à obra reconciliadora de Cristo, o crente mais humilde pode ir com confiança à presença de Deus e, desta augusta audiência com o Altíssimo, regressar levando ao mundo os benefícios da redenção.
Sacerdócio Real
O sacerdócio de todos os crentes não é uma invenção protestante. Vem do Nôvo Testamento. São Pedro escreveu “aos eleitos que são forasteiros da Dispersão”: “Vós. . . sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecer sacrifícios espirituais. . . . Vós sois raça eleita, sacerdócio real, povo de propriedade exclusiva de Deus.” I S. Pedro 1:1; 2:5 e 9.
Esta passagem nos leva à conclusão insofismável de que o sacerdócio santo e real mencionado pelo apóstolo é um sacerdócio corporativo. Não encontramos em todo o Nôvo Testamento qualquer referência a um ministério sacerdotal de indivíduos, exceto o de nosso Senhor Jesus Cristo.
Em conseqüência, a distinção entre ministros e leigos deve ser considerada uma diferença de função e não de dignidade. Ministros e leigos constituem a “nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus.” Qualquer tendência a fazer do ministro um sacerdote, segundo o modêlo da antiga economia judaica, e do leigo um elemento passivo, adultera e contradiz o ensino claro do Nôvo Testamento.
A Igreja Neotestamentária
A igreja cristã primitiva entendeu em sua plenitude a doutrina do “sacerdócio universal.” E por isso em apenas três séculos de existência se tornou uma instituição religiosa reconhecida pelo grande Império Romano. Com efeito, êste foi um notável triunfo. A despeito da intolerância dos judeus apegados à disciplina de suas tradições vazias, e apesar do ódio dos gentios narcotizados pela filosofia politeísta, a igreja cresceu, graças ao zêlo e dedicação de seus membros, legítimos integrantes do “sacerdócio real.” Gibbon, o festejado historiador do Império Romano, atribuiu a rápida expansão do cristianismo naqueles dias “ao zêlo e entusiasmo do povo por uma causa. Êles eram ardorosos mensageiros e obreiros infatigáveis.” (F. P. Corson, Your Church and You, pág. 15.)
Existia entre ésses primitivos cristãos um admirável fervor evangelístico. Tangidos pela perseguição êles se espalharam através do mundo mediterrâneo levando por tôda parte as boas-novas do evangelho. Mas, quem eram êstes dispersos que com tanta veemência anunciavam as riquezas insondáveis de Cristo? Eram leais membros leigos que, integrados ao programa missionário da igreja, proclamavam ao mundo o poder redentor do evangelho. Êste é o modêlo que a igreja precisa reconquistar.
Clérigos e Leigos
Com admirável astúcia e reconhecida habilidade, Satanás formulou seus planos para obstaculizar com êxito os triunfos do evangelho. Dividiu a igreja em dois grupos: clérigos e leigos. Posteriormente convenceu os dirigentes de que os leigos deveriam ser reduzidos ao silêncio, porque “são cidadãos de segunda classe, ouvintes passivos da Palavra.” O diálogo missionário com o mundo passou a ser responsabilidade exclusiva do ministério. Era o triunfo do clericalismo.
Com a apostasia medieval o ministério e os leigos se separaram mais ainda, não sòmente pela distinção de responsabilidades espirituais, mas também no tocante à posição hierárquica pessoal. Belarmino “comparou o papa ao Sol, o imperador à Lua, os bispos às estrêlas, o clero ao dia e os leigos à noite.” (David S. Schaff, Our Fathers Faith and Ours, pág. 287.) O Catecismo Tridentino confirma esta gradação de valores, doutrinando que “os sacerdotes do Nôvo Testamento excedem de muito a tôda outra gente em honra, não podendo o sacerdócio ser equiparado ou assemelhado a qualquer outra classe sôbre a Terra.” (Loc. Cit.)
Restauração e Declínio
A Reforma em sua rebelião contra as castas e hierarquias eclesiásticas, recuperou o princípio neotestamentário do sacerdócio universal dos crentes, propiciando outra vez aos leigos a oportunidade de trabalho nas diversas atividades da igreja, e os instou a realizá-las com sentido de responsabilidade.
Os sucessores de Lutero, entretanto, gradualmente perderam de vista a importância do “ministério leigo,” e outra vez o dever do testemunho valioso e frutífero perante o mundo passou a ser uma obrigação exclusiva dos pastôres e evangelistas. Como resultado, as igrejas evangélicas se transformaram em instituições tradicionais, carentes de vigor missionário.
O periódico The Watchman-Examiner publicou há alguns anos, baseado em informações estatísticas, um certo parágrafo, expondo os seguintes fatos, a respeito das igrejas protestantes no vigésimo século: “5% dos membros de nossas igrejas não existem; 10% não podem ser achados; 25% nunca freqüentam a igreja; 50% não são contribuintes; 75% nunca assistem às reuniões de oração; 90% não fazem culto doméstico e 95% não ganharam nunca uma alma para Cristo.” (A. E. Prince, Cristo é Tudo, pág. 50.),
Aí temos o resultado nefasto do abandono da doutrina do “Sacerdócio Universal ”
Os Leigos e a Tríplice Mensagem Angélica
O movimento adventista nasceu por inspiração divina e cresceu graças ao fervor e entusiasmo de extraordinários pregadores voluntários. A proclamação da esperança adventista — escreveu a Sr.a White — foi “confiada em grande parte aos humildes leigos. Lavradores deixavam os campos, mecânicos as ferramentas, negociantes as suas mercadorias, profissionais os seus cargos; não obstante, o número de obreiros era pequeno em comparação com a obra empreendida. … O simples e direto testemunho das Escrituras, levado ao coração pelo poder do Espírito Santo, comunicava-lhes um pêso de convicção a que poucos eram capazes de resistir inteiramente.” — O Conflito dos Séculos, pág. 368.
Mais uma vez o princípio evangélico do sacerdócio de todos os crentes foi restaurado. Em quase todos os países do mundo a história da Igreja Adventista está saturada de inspiradores incidentes que descrevem a dedicação de seus membros à obra do evangelismo.
E agora que nos aproximamos do fim do mundo, não podemos permitir que êste fervor sofra solução de continuidade. Saibamos, como ministros, fazer a nossa parte para que o ministério leigo seja não apenas uma força vital na igreja, mas também zuna influência positiva e fecunda em um mundo estremecido pela incerteza, confusão e terror.
“ Êles não o Merecem, Senhor! ”
“Paulo I. Wellman conta-nos uma bela história originária dos negros do Sul. Refere-se à quarta tentação. Todos conhecemos as três tentações de Jesus no monte, isto é, a da fome, do insultuoso desafio e do ambicioso orgulho. Mas os negros do Sul falam de uma quarta tentação, que veio a Jesus quando Êle estava suspenso na cruz. Satanás retornou a Êle e sussurrou-lhe ao ouvido: ‘Êles não o merecem, Senhor!’ Nessa altura do drama do Calvário, o Mestre levantou a voz e clamou: ‘Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem.’ E imediatamente Satanás fugiu, pois sabia que os podêres das trevas jamais poderiam prevalecer contra a imaculada alma do Filho de Deus.” — The Conquest of Life.