Neste momento o senhor terá olhado para o carimbo postal da desconhecida e pequenina cidade que aparece no envelope de minha carta, e para minha estranha assinatura. O senhor não me conhece.

Escrevo-lhe a respeito de uma visita que irá à sua igreja esta semana. Sei que numa congregação tão grande como a sua, provàvelmente não lhe será possível reconhecer todo visitante que apareça. Todavia, por difícil que meu pedido possa parecer, solicito-lhe que se esforce bastante para falar com ela. Quero dizer, ser-lhe-ia possível falar algo especialmente para ela?

Conquanto me sinta um tanto acanhada para escrever ao senhor, quase acho ser meu dever informá-lo acêrca de Lynn. Ela foi minha colega de quarto no colégio. Não freqüenta a igreja desde há vários anos, isto é, desde seu casamento. Não que tenha abandonado a igreja por causa do marido; suponho que isto deixou de ter muita importância e que ela achou mais conveniente não ir. Tenho escrito para Lynn e orado em seu favor, durante muito tempo, e agora, finalmente, ela pretende visitar a igreja. “Isto lhe trará alegria, Joaninha,” dizia sua carta. “Irei à igreja na próxima semana. Apenas por consideração a você.” Não é êste um motivo importante, bem o sei. Mas ela intenciona ir. É tudo o que posso conseguir no presente.

Oh! por favor não a julgue por sua aparência. Ela parecerá insensível e terrivelmente mundana em seu modo elegante. E embora sòmente sua cabeleireira saiba isto ao certo, o senhor provàvelmente terá algumas dúvidas sôbre o aspecto loiro e dourado de seus cabelos arrumados com apuro. Estou bastante receosa de que êsse aspecto exterior afaste a cordialidade que ela tem necessidade de sentir. Conheço-a bem e sei quão triste e solitária realmente é a sua pessoa, devido a haver-se distanciado de Deus.

Procurara ser insensível e descuidada para com Êle quando compartilhei um quarto e um ano escolar com ela. Éramos completamente diferentes uma da outra nesse tempo, e por qualquer razão, talvez devido a isso, tornamo-nos amigas muito chegadas.

Admirava-me de môças como ela — môças que pareciam interessar-se em nada mais do que vestidos e rapazes. Os deveres escolares não as absorviam, nem o grêmio estudantil ou os clubes e projetos especiais. A respeito de que assuntos gostavam as môças de escrever, que esperavam do futuro e que falavam sôbre os adultos? Tive real oportunidade de descobrir isto. Fiquei surprêsa.

Lynn era uma pessoa magnânima e honesta, mas desenvolvera o costume de encobrir essas virtudes. Via-a sorrir friamente durante um culto de consagração e conversar alegremente com suas amigas ao voltar para o dormitório, sòmente para chorar com a cabeça afundada entre o travesseiro, no escuro, e exclamar: “Por que não posso dizer que amo a Jesus? Por que não consigo viver de tal maneira que não parecesse ridículo se eu declarasse que O amava?”

Eu desejava ajudar a Lynn. Fiquei contente quando ela começou a realizar regularmente o culto comigo.

Certo dia, enquanto eu lavava o cabelo no vão da parede contíguo ao nosso quarto, ouvi Lynn entrar palestrando com algumas amigas. Dizia ela: “Mas a irmã White não era absolutamente como vocês pensam. Sucede apenas que ela estava muito interessada em nossos problemas. Vocês deveriam ler por si mesmas o que ela escreveu. Eu a amo. Quisera ter sido sua filha.”

Tive de sorrir.

O problema de Lynn parecia girar em tôrno do fato de que seu traço característico era sua beleza de modêlo de casa de modas. Esmerava-se em sua arrumação pessoal e sua popularidade. Era êste o seu fator de superioridade. Desejava fazer piruêtas no gramado e dizer: “Estou tão contente por ser môça!” O mesmo sucedia com todos os rapazes do colégio. Além de sua aparência pessoal, ela era a venturosa possuidora de perpétua energia e do que chamarei de sensação de alegria.

Contudo, foi justamente êste êxito que causou a perda da experiência espiritual que ela almejava. Talvez nenhuma de nós compreendesse que as duas coisas eram quase mùtuamente incompatíveis. Além da alegação de não ter tempo, que era seu principal pretexto, a imagem folgazã por ela criada estava sutilmente em conflito com qualquer experiência genuína de natureza espiritual. Não parecia errado ter tanta diversão, e quem diria que suas amizades e encontros eram pecaminosos? Eu costumava ser filosófica na minha opinião a seu respeito. Parecia tão estranho que suas fraquezas fôssem tão reais como as minhas próprias, que diziam respeito à honestidade e à competição, ou tão reais como as fraquezas das môças que lutavam contra as tendências de bisbilhotar, mentir ou ler novelas. Eu pensava comigo mesma quantas môças mais estariam demasiado ocupadas para vital meditação, se tivessem o êxito social de Lynn. Era quase como se sua compleição corporal, os próprios genes, conspirassem contra ela.

Conservá-la no colégio o ano todo foi uma tarefa penosa. Ela almejava ter mais dinheiro e liberdade. Não voltou no outro ano.

Depois de trabalhar durante algum tempo, Lynn casou com um jovem e bem sucedido agente de publicidade. As cartas que me escreve têm estado repletas de felicidade, a não ser alguns indícios ocasionais de anseio — como quando ela me falou a respeito da Recolta. “Eu ouvi aquela música, e oh! Joaninha, eu sabia o que era. Quando ó homem chegou a minha casa fiquei bastante envergonhada do meu bâton e de meus braceletes. Fiquei com vontade de detê-lo e dizer: ‘Não é preciso explicar isso; eu sei do que se trata.’ Mas eu não parecia diferente de qualquer outra pessoa a quem êle solicitara donativos, por isso apenas lhe entreguei todo o dinheiro que tínhamos em casa e chorei durante uma hora depois que êle saiu. Você sabe como eu costumava detestar a Recolta. Deve ter sido o tom de sua voz e seu semblante sério e feliz.”

Dêsse tempo para cá ela sempre tenciona visitar a igreja. É uma mãe agora e poderá ser que desta vez se entregue completamente a Cristo. Ser-lhe-ia possível ajudá-la? Seja qual fôr o assunto sôbre que o senhor pregar, e como quer que o diga, repita que Jesus a ama.

Ao pensar no senhor e em Lynn, cogito que o senhor terá pelo menos algumas pessoas como ela em sua igreja cada semana — visitantes de uma só vez; visitantes que não pretendem voltar mais, mas que devido a alguma prolongada ligação passada, estão apenas visitando. Provàvelmente o senhor terá pensado nêles, mas se isto não se houver dado, eu apenas queria falar-lhe acêrca de Lynn.

Tenho freqüentado uma grande igreja. Sei o que significa ser demasiado tímida para falar a estranhos, com receio de que tenham sido membros ali há mais tempo do que eu. Espero não haver negligenciado também a visita recomendada por alguma outra pessoa. Se tão sòmente alguém falasse com Lynn! Ao observar seu maravilhoso traje, talvez alguma senhora da sociedade Dorcas também reparasse que êle foi feito a mão, e conversasse com ela sôbre as atividades dessa organização de assistência social. Parece incongruente, mas é disto que Lynn gosta. Sei que ela iria às reuniões e trabalharia incansàvelmente na obra de beneficência social.

Pensará o senhor em Lynn por um momento ao estar em pé ali no púlpito êste sábado, pastor? Não sòmente porque ela é minha amiga e eu negligenciei trabalhar em seu favor tão diligentemente como devia, mas em razão de que seu nome pode logo ser chamado perante um trono de luz, num céu de silêncio. Se seu nome permanecerá no livro da vida do Cordeiro ou se será apagado, depende quase inteiramente de Lynn. Mas na infinita totalidade do registo dela, pastor, nossas influências far-se-ão sentir.