Consideremos o importante assunto da motivação: primeiro precisamos examinar cuidadosamente nossos próprios motivos, pois êles modelam nosso caráter; depois devemos lembrar-nos de que nossos motivos são conhecidos por Deus e seremos julgados por êles; e em terceiro lugar cumpre-nos perguntar que é um verdadeiro motivo, e como podemos obter ou adquiri-lo.

Indagou Jesus aos dois homens que O seguiram após o batismo dÊle: “Que buscais?”

Que buscais? Uma profissão ou Jesus? Constitui esta uma pergunta muito apropriada para vós que desejais ingressar no ministério. Qual é vosso objetivo e motivação interior? Além disso, depois de estardes no ministério, como incentivareis vossas igrejas à atividade? Será por competição, por lucro material ou honra? Ou para glorificar o eu por estabelecer um bom recorde? Eis algumas questões que deveis decidir antes de ingressar na obra sagrada. Não precisamos de vendedores comerciais competindo por reconhecimento. Necessitamos de embaixadores para Cristo que proclamem uma mensagem de salvação a um mundo enfermo de pecado. Precisamos de homens que sigam o exemplo dó Mestre, o qual “a Si mesmo não Se glorificou para Se tornar Sumo Sacerdote” (Heb. 5:5), mas orou: “Glorifica a Teu Filho, para que o Filho Te glorifique a Ti” (S. João 17:1). O eu e a glorificação de si mesmo, duma forma ou outra, são os maiores empecilhos ao verdadeiro êxito. Lembrai-vos também de que o verdadeiro êxito não é medido por apresentação pessoal ou de dados estatísticos no boletim da União ou nas revistas da igreja. O que importa não é o que o homem pensa, mas sim aquilo que é anotado nos livros de registo do Céu.

Nossos motivos interiores nem sempre são reconhecidos por nós mesmos. “Enganoso é o coração, mais do que tôdas as coisas . . ., quem o conhecerá?” Jer. 17:9. Talvez pensemos estar inteirados de nossos motivos, mas acabamos descobrindo que nosso coração nos enganou. Ananias e Safira pensavam conhecer os seus, até que a cobiça os iludiu. “Em meio às inquietações da vida ativa é às vêzes difícil discernir nossos próprios motivos, mas diàriamente é feito progresso, quer para o bem, quer para o mal.” 1

Se não nos é possível conhecer nosso próprio coração, por certo não devemos julgar o de outrem. “Portanto,” declara Paulo, “não julgueis antes de tempo, até que venha o Senhor” (I Cor. 4:5). Deus não nos conferiu a tarefa de julgar o caráter e os motivos, mas recomenda-nos examinar os nossos próprios.

No mundo há dois princípios competindo pela supremacia. Podem ser traçados através dos registos da História e da profecia. Êste conflito entre os dois penetra em cada aspecto da experiência humana. Devemos ver como em cada ato da vida revelamos “um ou outro dêsses dois motivos antagônicos,” e por meio disto decidimos de que lado do conflito nos encontraremos. 2 Nossos motivos determinam então de que lado estamos, pois têm sua origem num ou outro dêles.

Como aspirantes ao ministério, precisamos estar certos de quais são nossos motivos. Por conseguinte, cumpre que os examinemos e investiguemos cuidadosamente. É-nos dito que “O conhecer-se a si mesmo salvará a muitos de cair em graves tentações, e evitará muitas inglórias derrotas. Para nos conhecermos bem a nós mesmos, é essencial investigarmos fielmente os motivos e princípios de nossa conduta, comparando nossas ações com a norma de dever revelada na Palavra de Deus.” 3 “Precisamos examinar com cuidado o nosso coração e considerar os seus motivos. O egoísmo pode estimular o desejo de fazer alguma coisa que pareça um ato altruísta digno de louvor.” 4 Quão importante é tornarmo-nos familiarizados com nossa própria conduta diária e os motivos que incentivam o que fazemos! Somos aconselhados a recapitular diàriamente os nossos atos. “Muitas ações que são tidas como boas obras, mesmo atos de beneficência, quando rigorosamente investigados, revelar-se-ão ser incitados por motivos errôneos. … O Esquadrinhador dos corações examina os motivos, e amiúde os feitos grandemente aplaudidos pelos homens são registados por Êle como procedendo de motivos egoístas e vil hipocrisia.” 5 Talvez em nenhuma profissão seja a porta a isso de tão fácil acesso como no ministério. É o motivo que caracteriza nossos atos e os assinala como ignominiosos ou de elevado valor moral. Notai esta impressionante declaração: “Tôda ação deriva sua qualidade do motivo que a origina, e se os motivos não são elevados, puros e altruístas, a mente e o caráter jamais se tornarão bem equilibrados.” 6

Podemos ser capazes de ocultar os motivos dos homens, mas nunca os poderemos ocultar de Deus. São tão claros com a luz do Sol, para Êle. “Tôdas as nossas obras são passadas em revista perante Deus. Tôdas as nossas ações e os motivos que as incitaram serão franqueados à inspeção dos anjos e de Deus.” 7 Repetidas vêzes nos é dito, tanto nas Escrituras como nos escritos do Espírito de Profecia, que Deus avaliará nossos motivos no juízo. Quão importante é pois que os motivos sejam corretos! “Não é o resultado que atingimos, mas os motivos por que procedemos, que têm valor para com Deus. Êle preza a bondade e a fidelidade acima de tudo mais.” 8 Não sei se compreendemos isto na íntegra, como devíamos. Paulo estava ciente de que tinha de ser responsável por suas palavras e ações. Deus não é enganado por atos de piedade. “Nossos atos, palavras, e mesmo nossos intuitos mais secretos, tudo tem o seu pêso ao decidir-se nosso destino para a felicidade ou para a desdita. Ainda que esquecidos por nós, darão o seu testemunho para justificar ou condenar.” 9

Mesmo como professores, talvez tenhamos motivos egoístas. Alguns naturalmente estão interessados num setor, enquanto outros estão interessados nalgum setor diferente. Mas por que promovemos o ensino em que fomos instruídos? É para glorificar a Deus e dar aos estudantes adequado equilíbrio e perspectiva na vida, ou possuímos motivos egoístas? Admoesta-nos o livro Conselhos aos Professores, Pais e Estudantes: “Nenhum ramo de estudo deve receber especial atenção com detrimento de outros igualmente importantes Al guns professores dedicam muito tempo a um ramo ‘favo rito, exercitando os alunos em cada ponto, e elogiando-os pelo progresso feito, ao passo que esses estudantes talvez sejam deficientes em outros estudos essenciais Tais mestres estão causando aos discípulos grande dano. Estão-nos privando daquele harmônico desenvolvimento das faculdades mentais que devem possuir, bem como de conhecimentos que deveras necessitam. Nessas questões os professores são muitas vezes impulsionados por motivos ambiciosos e egoístas.” 10

Devido a isto, como professôres, designamos às vêzes tarefas tão pesadas que se nossos alunos as executassem, não teriam tempo para as outras matérias? Se fôr assim, seremos injustos para êles bem como para com os outros professores. É bem fácil passarmos por alto nossos próprios motivos em nosso entusiasmo pelo setor que nos pertence. Contudo, devemos lembrar-nos sempre de que Deus é equilibrado, e nos é declarado que isto ocorre devido a Seu amor altruísta. Êsse amor altruísta também tornará corretos os nossos motivos e equilibrada a nossa atitude em tudo o que fizermos. Lembrai-vos de Daniel e de seus motivos puros, com todo o seu talento. Sua determinação era honrar sempre a Deus, e o Senhor deu-lhe autêntico êxito.

Que é um motivo verdadeiro? Como obreiros, tornamos a fama ou o prestígio de nosso distrito, associação ou instituição o nosso motivo, justificando-o com a asserção de que não é egoísta? Dizemos que êle não é causado por razões pessoais, mas visa à glória da igreja. Quão insidiosos podem tornar-se os motivos? Examinemos sinceramente o coração a fim de verificar qual constitui nosso verdadeiro motivo. Na tentativa de obter alguma recompensa terrena, podemos estar perdendo nosso galardão eterno. Em S. Mateus 6:1 e 2, nos é recomendado não dar as nossas esmolas diante dos homens para ser vistos por êles; do contrário não haverá recompensa para nós no Céu. Aos que realizam suas obras para serem vistos e glorificados pelos homens (e isto constitui uma das maiores tentações no ministério), disse Jesus: “Êles já receberam a recompensa.” A palavra usada aí é mistós. Os papiros e ladrilhos descobertos no Egito revelam que êste verbo era bastante usado em conexão com recibos. Indicava que a dívida fôra paga completamente. Assim, mencionou Jesus, nada mais se devia aos hipócritas que foram bem sucedidos em alardear suas virtudes, recebendo a homenagem da multidão. Que quadro patético se o ministro que houver nutrido motivos egoístas, ocultos, e que tenha sido elogiado, deparar com o recibo divino: “Pago na íntegra!” Não lhe restará galardão adicional no Céu. Que preço mesquinho é assim obtido! É isso que desejamos? Receio que êste motivo é assaz predominante. Devemos compreender a importância de motivos corretos, caso queiramos ter a aprovação do Céu.

“Quando Cristo habita na alma, o pensamento de remuneração não é supremo. Êste não é o motivo impelente do nosso serviço. Verdade é que num sentido secundário devemos olhar à recompensa. Deus deseja que apreciemos as bênçãos prometidas. … O amor a Deus e a nossos semelhantes deve ser o nosso motivo.”11 Disse Paulo: “Pois o amor de Cristo nos constrange.”

Faz alguns anos, recebi uma bôlsa de estudos da Universidade de Nova York para frequentar um curso de seis semanas em Israel. Enquanto esperava c avião no aeroporto de Roma, conversei com um indiano que passara algum tempo na Itália estudando motores diesel. Nossa conversação foi interrompida ao chegar a hora de entrar no avião. Após o lanche, êle aproximou-se do meu assento e indagou se poderíamos continuar nossa palestra. Esta penetrou em assuntos religiosos. Êle era hindu, mas jamais me esquecerei de sua filosofia religiosa. Versando nossa conversa sôbre o assunto do Céu e do inferno, com firmeza manifestou não acreditar em ambos, e que o cristianismo revelava a sua debilidade devido a precisarmos ter um Céu como recompensa ou um inferno a evitar, a fim de fazer o que era certo. Sua crença consistia em que devemos fazer o que é justo por amor à justiça. Embora eu não pudesse prosseguir a consideração dessa idéia, disse a mim mesmo: “Não estás longe do reino de Deus.” Qual é nosso motivo em fazer o que é correto? Ê egoísta, para salvar-nos do inferno, ou para obter um galardão no Céu? Creio que devemos analisar os motivos para o que fazemos, e ver se êles são de origem celestial. O egoísmo provém de baixo; o altruísmo é do alto. Por que praticamos o bem?

“O desejo de honrar a Deus deve constituir para nós o mais poderoso de todos os motivos. Êle nos deve impelir a fazer todo esfôrço para aproveitar os privilégios e as oportunidades que nos são proporcionados, a fim de compreender-mos a maneira de empregar sàbiamente os bens do Senhor.” 12 “Portanto, quer comais, quer bebais, ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus.” Depois de citar isto, declara o dom de profecia: “Eis aí um princípio que se acha à base de todo ato, pensamento e motivo; a consagração de todo o ser, tanto físico como mental, ao controle do Espírito de Deus.” 13

Estando nossos motivos de ação baseados em profundo e sincero amor pelo Mestre, isto naturalmente exigirá uma vida de respeito próprio. O respeito a Deus estabelece relação com o respeito a si mesmo, formado à imagem divina. Precisamos viver conosco mesmos, assim como com Deus. Em seu livro: Motives for Christian Living, afirma Guilherme King, no tocante ao respeito próprio como motivo cristão:

“A existência com a devida consideração a si mesmo deve ser vivida de maneira a alcançar nosso respeito próprio. Ceder a alguma tentação poderá jamais ser conhecido pelos homens, mas vós o sabereis, e tendes de viver convosco mesmo. Andarieis entre os homens com um segrêdo de culpa, com uma mancha escura na memória. Receberieis o louvor dos homens, sabendo vós que tínheis sòmente direito a sua condenação. Haverieis de curvar-vos sob vossa própria acusação de hipócritas. É a trágica derrota da vida o não conseguirdes vosso respeito próprio. Só podereis obter êsse respeito próprio se fordes leais à vossa própria convicção intuitiva do que é correto. Jesus reconheceu essa percepção inerente, ao perguntar: ‘Por que não julgais por vós mesmos o que é justo’?” 14

O motivo genuíno apresenta-se como resultado, não como objetivo. Reconheço meus pecados; pranteio angustiado. Deus me perdoa com misericórdia. Regozijo-me, e agora O sirvo prazerosamente; não por recompensa, honra, posição, competição ou prestígio. Êste é o único motivo genuíno que produzirá verdadeiro êxito e obterá galardão no Céu. Como precisamos de obreiros com essa espécie de motivo! Então o Espírito Santo poderá operar, e o fará, e haverá cem conversões onde agora existe apenas uma. Como precisamos enterrar o eu para que Cristo seja visto! É comum falarem os jovens aspirantes ao ministério em várias igrejas perto da localidade em que estudam. Há alguns anos certo jovem evidentemente fizera uma ostentação um tanto desnecessária de suas qualidades como orador. O bondoso e dedicado ancião local desejava auxiliar êsse rapaz. Por conseguinte, no próximo sábado fêz com que houvesse uma divisa afixada ao púlpito. Quando o môço se levantou para pregar, deparou com as solenes palavras: “Queremos ver a Jesus.” Talvez não fizesse mal a alguns de nós que já somos ministros mais idosos, se esta divisa estivesse sempre sôbre o nosso púlpito. Deus necessita de homens que olvidem o eu e permaneçam como sustentáculo do que é justo.

O amor ao eu é a causa de existir tanta transigência de princípios. Os motivos são errôneos. O eu quer proteger a si mesmo, e por isso justificamos nossa transigência. Oxalá Deus nos dê homens que permaneçam ao lado da justiça e verdade ainda que caiam os céus! Vivemos numa época de contemporização, e a pressão do ecumenismo pesa sôbre nós em muitos sentidos. Ao cedermos, acompanhando esta onda ecumênica e pressão de conformidade, precisamos perguntar sèriamente a nós mesmos: Qual é meu motivo?

Agora, que podemos fazer para possuir motivos corretos? Esta é a questão importante. Antes de tudo, o coração deve ser modificado. Estremeço ao ler: “Há poucos homens realmente consagrados entre nós, poucos que pelejaram e foram vitoriosos na batalha com o eu. Verdadeira conversão é decidida modificação de sentimentos e motivos; é virtual abandono das ligações mundanas, uma fuga de sua atmosfera espiritual, um afastamento do poder controlador de seus pensamentos, opiniões e influências.” 15 É-nos dito que o Espírito Santo renova os motivos. Portanto, se desejamos ter motivos corretos, devemos possuir o Espírito Santo em nossa vida. Precisamos experimentar verdadeira consciência do pecado e completa entrega a Cristo, a fim de que Sua graça e verdade reinem em nosso coração. Ùnicamente isto pode purificar nossos motivos e controlar nossas ações exteriores em harmonia com esta experiência. Não há outro remédio. À parte disso, como ministros retornareis à lei do egoísmo humano, que degradará vossos motivos para proveito pessoal. Mas servir impelido por motivos purificados pelo Espírito Santo, isto é a justiça de Cristo. “A religião de Cristo é algo mais do que conversa. A justiça de Cristo consiste em ações corretas e boas obras provenientes de motivos puros e altruístas. Justiça interior, ao passo que falta o adôrno interior, será de nenhum proveito.” 16

O amor a Deus deve governar todos os motivos. Isto nos elevará acima das influências corruptoras do mundo, que exaltam o eu. Escrevendo sôbre o esfôrço de João em levar os crentes a compreender o privilégio que possuem, declara Ellen G. White: “E à medida que a êste amor fôsse permitido agir amplamente e tornar-se o motivo impelente na vida, sua esperança e confiança em Deus e Seu trato para com êles seriam completos.” 17 Notai as palavras: “Agir amplamente.” Então seremos completos em nossas relações com Deus. Quando obteremos esta experiência? Que não deseja Satanás que os adventistas do sétimo dia saibam? “Satanás tem empenho em que ninguém reconheça a necessidade de se entregar completamente a Deus.” 18

Havendo nós examinado minuciosamente os nossos motivos, e se êles forem corretos e altruístas, e quando tudo o que fizermos não fôr para glorificar o eu mas sim a Deus, então alcançaremos autêntico êxito, e grande será nosso galardão no reino dos Céus. De outro modo, já teremos recebido a recompensa, tendo sido pagos na íntegra pela honra e glória que os homens nos prestem egoistamente. Não escolhais o refugo, mas antes, “ao dares a esmola, ignore a tua esquerda o que faz a tua direita; para que a tua esmola fique em secreto: e teu Pai que vê em secreto, te recompensará. . . . Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, e, fechada a porta, orarás a teu Pai que está em secreto; e teu Pai que vê em secreto, te recompensará.” “Tu, porém, quando jejuares, unge a cabeça e lava o rosto; com o fim de não parecer aos homens que jejuas, e, sim, ao teu Pai em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.” S. Mat. 6:3-6, 17 e 18.

Referências:

  • 1. Testimonies, Vol. 5, pág. 420.
  • 2. Ver Educação, pág. 190.
  • 3. Obreiros Evangélicos, pág. 276.
  • 4. Beneficência Social, pág. 234.
  • 5. Testimonies, Vol. 2, pág. 512.
  • 6. Sons and Daughters of God, pág. 171.
  • 7. Testimonies, Vol. 4, pág. 63.
  • 8. Obreiros Evangélicos, pág. 267.
  • 9. O Conflito dos Séculos (Nova Ed., Revista), pág. 526.
  • 10. Conselhos a Professores, Pais e Estudantes, págs. 207 e 208.
  • 11. Parábolas de Jesus, págs. 398 e 399.
  • 12. Mensagens aos Jovens, pág. 149.
  • 13. Testimonies, Vol. 3, pág. 84.
  • 14. King, Motives for Christian Living, pág. 125.
  • 15. Testimonies, Vol. 5, pág. 82. (Grifo nosso.)
  • 16. Idem, Vol. 3, pág. 528.
  • 17. Atos dos Apóstolos, pág. 552.
  • 18. Test. Sel., Vol. 2, pág. 390.