Ela se deleitava no que é familiar e amado. Parecia ser-lhe impossível aceitar modificações. Mas, com o tempo, seu novo ambiente tornou-se familiar, e afeições modificadas proveram nova residência para seu coração.

Eu estava tranqüilamente sentada na areia, observando o pôr do Sol detrás dos penhascos situados mais além. Aves marinhas voavam afanosamente de um lado para o outro, na tentativa de extrair sua refeição do mar, procurando então passar a noite em cavidades e abrigos entre os gigantes de granito. Listas vermelhas e alaranjadas riscavam o céu que se ia escurecendo; serena calma estabeleceu-se por toda parte ao meu redor. Os ruídos do mar — intermináveis e continuados sons de ondas quebrando-se na praia — pareciam ser confortadores e amistosos. Acaso eu poderia ser mais feliz? Eu acreditava que não. Poderia haver um lugar mais belo do que esse? Não deste lado do céu!

Pensei em muitas coisas nos derradeiros momentos de claridade. Poderia eu amar algum lugar mais do que este, ou mesmo tanto como ele? Eu duvidava. Este era meu lar. Ele me havia fascinado com sua beleza, excitado com sua extravagante variedade e nutrido com sua abundante despensa. Eu pertencia a este lugar. Eu crescera aqui; aqui se haviam formado minhas idéias da vida — minhas atitudes, minha curiosidade por aprender, meu senso de aventura e a necessidade de amar e ser amada. Aqui minha família e minhas amigas riam, gritavam, brincavam e trabalhavam. Suas montanhas, desertos, colinas e praias tinham contribuído generosamente para minha cada vez mais profunda consciência de seu Criador.

Lembrei-me de todos os pontos especiais — a silenciosa enseada alcançada apenas por alguns e as mais das vezes mantida em isolamento, as primeiras flores silvestres do deserto primaveril, lagos das montanhas espalhados como seixos arremessados por uma criança, e prados repletos de música e surpresa. Ri ao recordar-me de gaivotas apanhando peixes das redes dos pescadores que trabalhavam junto ao oceano. Vi mentalmente os acres de flores cultivadas para produzir sementes e senti a quase irresistível beleza que sempre me deixava estupefata. E pensei nos quilômetros e quilômetros de pomares, chácaras e plantações circundados por grandes cadeias de montanhas cheias de maravilhosas coisas projetadas pelo Senhor. Lembrei-me do quanto eu amava as diversas culturas, raças e línguas dessa terra familiar e querida.

Durante os anos de minha vida eu havia amado, estudado e investigado o meu mundo. Admirara o céu cheio de estrelas, o mar cheio de maravilhas e as montanhas cheias de surpresas. Tinha dado e recebido algo em todos os tipos de relações humanas.

Agora eu estava de partida! Meus pertences terrenos se achavam acondicionados e lacrados em caixas. Meu marido acabara de marchar pelo corredor, em trajes acadêmicos, a fim de receber seu ambicionado diploma. Estávamos prestes a percorrer um novo caminho. Afigurava-se que metade de meu coração palpitava prazerosamente diante das perspectivas da desconhecida aventura como recente esposa de pastor. A outra metade, pesarosa, dizia: “Como você poderá deixar este lugar e permanecer indene? Como poderá amar um outro lugar tanto como este? Você precisa amar; não pode apenas existir. Não foi formada dessa maneira.”

Os dias foram passando — dias de mudança, de aprender novos nomes, de ver novos lugares e de transformar uma casa num lar; dias de experimentar e aprender novas coisas, de labutar e orar com pessoas. Os dias se converteram em meses, e os meses em anos. Três anos. Surgiu uma pequena e nova igreja, regada com nossas lágrimas, orações e esforços. Houve a sensação de ter alguns vislumbres do que Deus queria fazer e de como Ele podia usar pessoas imperfeitas para atrair outros a Si. Durante esses três anos, os desafios da “vida ministerial” não me decepcionaram. Eles eram notáveis! A vida estava repleta de inspiradoras reuniões de obreiros, reuniões gerais, retiros, reuniões evangelísticas e solução de problemas diários. Eu gostava de fazer parte de uma esplêndida família de obreiros. Que privilégio!

Contudo, bem no íntimo, todos os anseios pelos “velhos lugares e rostos” continuavam vivos e fortes, clamando às vezes por ser atendidos. Eu aguardava as visitas à casa de meus pais, quando podia extasiar-me com o que era familiar e amado. Esses intervalos tornaram-se ilhas no mar dos dias que me cercava. Sempre me sentia feliz ao retornar ao meu lugar de serviço, mas era isso que ele continuava sendo — “um lugar de serviço para Deus”, e não um lugar em que residia o coração.

Então, nalguma parte ao longo do caminho, Deus começou a impressionar-me o coração e a mente com novos pensamentos. “A razão de eu amar tanto a minha terra natal não era tudo aquilo que ela me proporcionara? Não era amada ali? Não era um lugar em que as pessoas me haviam ajudado a desenvolver-me e a aprender a enfrentar a vida com alegria? Acaso eu não estava apaixonada pelos lugares que me haviam causado prazer, tornando o riso uma parte de meu tempo? Por certo, era um caso de amor!”

Em seguida, Deus sugeriu pacientemente: “Você ficará surpresa de compreender quanto de si mesma investiu neste ‘novo lugar’. E fiquei! Quando recebemos nosso primeiro chamado para mudar de uma para outra igreja da Associação, comecei a entender que Deus preparara uma nova espécie de caso de amor para mim. Com efeito, eu o estivera experimentando durante algum tempo sem entendê-lo plenamente. Vi que no decorrer de todos os meses em que havia comungado, rido e orado com o povo de Deus, estivera investindo a mim mesma nessa nova vida, e agora os dividendos retornavam numa profusão de felicidade e contentamento. Houvera fracassos e vitórias; e sempre havia pessoas a serem amadas. Compreendi que inexprimível alegria era servir ao povo de Deus.

Recordei também como Deus enviara a Jesus, de um ambiente agradável e familiar, para este mundo inóspito, a fim de que pudesse tornar-Se um com nós, servir-nos, viver e morrer por nós. Ele aplicou tudo que tinha em Seu “lar longe do Lar”. Tornou-Se parte de nós. Jesus literalmente Se deu para nós. Sua alegria era estar onde quer que pudesse produzir felicidade, cura ou crescimento espiritual a todos os que fossem sensíveis.

Como esposas de Seus pastores, Jesus nos chamou a uma experiência similar. Nós nos mudamos da terra natal e partimos duma nova aventura para outra. Na realidade, em pequena escala, participamos da própria experiência de Jesus. Talvez Ele nos separe de nossos tesouros para que, estando submissas e vazias diante dEle, possamos então ser abastecidas e preparadas para essa maravilhosa experiência. Pode ser que Ele nos conduza de uma vida que consiste em receber para uma outra que consiste em dar. Ele nos conduz a uma nova espécie de caso de amor!