Assim diziam alguns preguiçosos quando eu era adolescente. É claro que quem ler o relato da Criação, em Gênesis, sabe que foi Deus quem inventou o trabalho. E é bom que o tenha feito assim.

O que às vezes me parece surpreendente é encontrar pessoas trabalhadoras que duvidam de quem inventou o trabalho (refiro-me ao trabalho de evangelização). Sem dúvida perguntam a si mesmas com sinceridade: “É a evangelização uma estratégia que pragmaticamente intenta aumentar o número de membros da Igreja? Será porventura uma assimilação secularista de métodos expansivos e/ ou promocionais?” Infiro que você já tem a resposta. Por certo está na Bíblia. Mas talvez convenha recordá-la.

1. Deus, o Pai, é o Autor do Evangelismo

Vários versículos poderiam orientar-nos em tal sentido. S. João 3:16 nos fala do desejo e da ação salvadora do Pai; Gálatas 4:4 diz que no momento preestabelecido no cronograma divino, o Senhor Se encarnou; no entanto, o oferecimento de Seu sacrifício havia sido feito antes da criação do mundo.1 Por essa razão, quando o plano de salvação tomou forma concreta na Criancinha de Belém, Deus fez evangelismo por meio dos anjos que proclamaram as boas-novas (S. Luc. 2:10-14).

Deus, o Pai, foi o Grande Enviador, não somente de Jesus Cristo, o Redentor, mas também dos missionários humanos que O pregam.

São Paulo, o qual estava muito bem orientado quanto ao evangelismo, sabia que “tudo provém de Deus que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo, e nos deu o ministério da reconciliação, a saber, que Deus estava em Cristo, reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação.”2 Em outras palavras, Deus é o Autor da iniciativa da salvação; o que produz a reconciliação; quem elege os instrumentos difusores da boa-nova da salvação; quem envia Seus embaixadores em missão evangélica.

A integração de Deus, o Pai, na obra do evangelismo é, porém, mais profunda. Deus não somente tem ministros, mas faz a Seus ministros e, na medida em que se entregam a Suas mãos, capacita-os para cumprir a tarefa evangelizadora. São Paulo reconhecia: “Não que por nós mesmos sejamos capazes de pensar alguma coisa, como se partisse de nós, pelo contrário, a nossa suficiência vem de Deus, o qual nos habilitou para sermos ministros…”3 Além disso, é Deus quem concede a graça por meio da qual os evangelizadores cumprem especificamente a tarefa.

Portanto, seria apropriado reconhecer a Deus, o Pai, como o Criador da evangelização.

2. O Filho é Co-Autor do Evangelismo

Assim como foi Co-Autor do Plano da Redenção, oferecendo Seu sacrifício voluntariamente,4 também o é da missão evangelizadora. “Assim como Tu Me enviaste ao mundo, também Eu os enviei ao mundo”5 e “assim como o Pai Me enviou, Eu também vos envio”.6

Outro elemento que apresenta a Cristo como originador da missão evangelística é proporcionado pela grande comissão, que aparece no fim de cada um dos quatro Evangelhos e no começo de Atos dos Apóstolos.

Em vista destes elementos, poderia considerar-se acertado o enfoque cristológico do evangelismo proposto pelo apóstolo Paulo em I Coríntios 1:18 e 22-24.

Descobrir a Jesus Cristo como Co-Autor do evangelismo explica por que São Paulo, ministro de Deus, o Pai, também declara ser ministro de Jesus Cristo.7 Isto mesmo nos ajuda a entender por que Pedro e os demais apóstolos consideravam que atuar no nome de Jesus era credencial suficiente para autorizá-los a fazer evangelismo em diversas formas.8

  • 3. O Espírito Santo é Co-Autor da Evangelização

O Espírito Santo poderia ser considerado o Artífice do evangelismo, visto que é o Motivador, o Guia e a Força motriz do mesmo. Basta ler o livro de Atos dos Apóstolos para deduzir que não somente participa ativamente da evangelização; mas na verdade, é seu Promotor, seu Organizador e quem realmente atua, tanto por meio dos evangelizadores como dentro dos recebedores do evangelho. Um singelo exemplo poderia ser o de Pedro e Cornélio. O Espírito Santo foi quem ordenou que Pedro fosse, contra sua lógica de judeu, evangelizar a um gentio. E foi também o Espírito Santo quem desceu, em meio da estupefação do grupo de crentes judeus que acompanhava a Pedro, sobre os gentios que eram evangelizados.

Para R. V. Kuiper isto estava bem claro: “Deus, o Espírito, é o Autor do evangelismo. Quando homens santos da antiguidade predisseram o nascimento, o ministério e a ressurreição do Salvador e se lhes comissionou que escrevessem suas profecias,… eles foram movidos pelo Espírito Santo.” E cita a referência de II S. Ped. 1:21.

É significativo o notável grau de identificação do Espírito Santo com todo o processo da evangelização. Ele viria para dar testemunho de Jesus, para comunicar tudo que diz respeito ao evangelismo;12 nos momentos críticos, de perseguição, Ele lhes ensinaria que dizer, que testemunho oportuno dar, mesmo perante os dignitários no sistema religioso ou político.15 Sua obra também se verificaria nos evangelizados: “Convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo.”16

Alguns talvez suponham que o Espírito Santo está a serviço da Igreja como servo; no entanto, como disse com acerto Hans Küng, “o Espírito de Deus, se bem que esteja domiciliado na Igreia, não está domesticado nela.”17 O Espírito Santo capacita e serve o evangelista em sua obra, mas, ao mesmo tempo, o evangelista é obediente à ordem e direção do Espírito. A esse respeito, pode ser significativo o fato de que Jesus indicou a Seus discípulos que eles não deviam lançar-se a evangelizar sem o Espírito Santo.18 Pode-se deduzir, então, que não é possível evangelizar apropriadamente sem a presença do Espírito Santo.

Provavelmente o pensamento do parágrafo precedente explique por que a Bíblia menciona a pessoas-chave, em momentos cruciais da evangelização, cheias do Espírito Santo. Por exemplo: João Batista (S. Luc. 1:15), Isabel (S. Luc. 1:41), Zacarias (S. Luc. 1:67), Simeão (S. Luc. 2:25) e o próprio Jesus (S. Luc. 4:1).

Nosso Senhor recebeu o Espírito Santo justamente na hora em que devia começar Seu ministério público, no dia de Seu batismo (S. Mat. 3:13-17). São Pedro asseverou que Jesus recebeu a promessa do Espírito Santo e foi Ele quem O derramou sobre a Igreja (Atos 2:32 e 33). Em relação com o relato da grande comissão registrada por São João, The Broadman Commentary of the Holy Bible comenta: “Assim como Jesus começou Seu ministério recebendo o Espírito Santo (S. João 1:32 e 33), agora Ele soprou sobre eles e lhes disse: ‘Recebei o Espírito Santo’.”19

A esta altura cabem algumas reflexões: Se Deus, o Pai, é o Autor do evangelismo, seria adequado pensar que este deve ser teocêntrico; se o Filho é o Autor do evangelismo e quem confiou pessoalmente aos homens a proclamação, é lógico supô-la cristocêntrica; ao mesmo tempo, levando em conta a autoria do Espírito no tocante à obra da evangelização, é lógico considerar a necessidade de desenvolver um evangelismo neumocêntrico.

Em vista do que foi analisado até aqui, considerando que o Deus trino é o Autor do Evangelismo, seria apropriado reconhecer esta tarefa e proclamar as boas-novas de salvação como sendo de procedência divina. Ademais, tudo isso nos sugere que seria definidamente assunto de interesse por parte da Divindade. Em outras palavras, o evangelismo é uma atividade divina. Por isso Paulo decidiu evitar, na medida do possível, tornar o evangelismo humanístico. “Eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não o fiz com ostentação de linguagem, ou de sabedoria. Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e Este crucificado. E foi em fraqueza, temor e grande tremor que eu estive entre vós. A minha palavra e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e de poder, para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria humana; e, sim, no poder de Deus.” I Cor. 2:1-5.

Outra reflexão que nos vem à mente é a seguinte: Quando se prega corretamente, não há lugar para as glórias humanas (I Cor. 1:25-31). Além disso, porque esta tarefa provém de Deus, envolve mais que mera comunicação de idéias. É uma transmissão ou comunicação de “poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego; visto que a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé”. Rom. 1:16 e 17.

Referências

  • 1. Tito 1:2; I S. Ped. 1:19 e 20; Apoc. 13:8.
  • 2: II Cor. 5:18 e 19.
  • 3. II Cor. 3:5 e 6.
  • 4. Filip. 2:5-10.
  • 5. S. João 17:18.
  • 6. S. João 20:21.
  • 7. Rom. 15:16.
  • 8. Atos 4:7 e 10-12.
  • 9. Atos 11:12.
  • 10. Atos 10:44 e 45.
  • 11. S. João 15:26.
  • 12: S. João 16:13 e 14.
  • 13. S. Luc. 12:12.
  • 14. S. Mat. 10:19 e 20.
  • 15. S. Luc. 21:12-15.
  • 16. S. João 16:8.
  • 17. Hans Küng, The Church (Garden City, NY: Image Books, 1976), pág. 233.
  • 18. Atos 1:4 e 5.
  • 19. Clifton J. Allen, The Broadman Bible Commentary (Nashville: Broadman Press, 1969), págs. 367 e 368.