Pergunta 9

Consideram os adventistas do sétimo dia os escritos de Ellen G. White em igual plano com os escritos da Bíblia? Colocam-na os senhores na classe dos profetas, de homens como Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel? As interpretações que ela faz da Bíblia são consideradas como autoridade final, e constitui a crença nesses escritos prova de comunhão na Igreja Adventista do Sétimo Dia?

Qualquer que seja o intento destas perguntas, observaremos, apesar de desenvolvermos a tese mais plenamente mais adiante neste capítulo:

  • 1. Que não consideramos os escritos de Ellen G. White uma adição ao cânon sagrado da Escritura.
  • 2. Que não os julgamos de aplicação universal, como o é a Bíblia, mas particularmente se destinam à Igreja Adventista do Sétimo Dia.
  • 3. Que não os consideramos no mesmo sentido das Escrituras Sagradas, que permanecem única e exclusiva como padrão pelo qual todos os demais escritos devem ser julgados.

Os adventistas do sétimo dia crêem uniformemente que o cânon da Escritura se encerrou com o livro do Apocalipse. Sustentamos que todos os demais escritos e ensinos, qualquer que seja a fonte de que provenham, têm que ser julgados pela Bíblia e subordinados a ela, que é a fonte e norma da fé cristã. Aferimos os escritos de Ellen G. White pela Bíblia, mas em sentido algum medimos a Bíblia pelos ensinos dela. Ellen G. White e outros escritores nossos se têm pronunciado muitas e muitas vêzes sôbre êste ponto.

Em seu primeiro livro, no ano de 1851, disse ela a respeito da Bíblia:

Recomendo-vos, prezado leitor, a Palavra de Deus como a regra de vossa fé e prática. Por essa Palavra devemos ser julgados. — Early Writings, pág. 78.

Tempos depois escreveu ela:

O Espírito não foi dado — nem nunca o poderia ser — a fim de sobrepor-Se à Escritura; pois esta explicitamente declara ser ela mesma a norma pela qual todo ensino e experiência devem ser aferidos. — O Conflito dos Séculos, Introdução.

E em sua última aparição diante de delegados reunidos em Assembléia da Associação Geral dos Adventistas do Sétimo Dia, em Washington, D.C., em 1909, após ter proferido mensagem a enorme assistência, ergueu a Bíblia com as mãos trêmulas pela idade avançada, e disse: “Irmãos e irmãs, recomendovos o Livro.” Era uma atitude típica em tôda a sua existência sempre exaltar, acima de tudo, as Santas Escrituras como fundamento de nossa fé.

Jamais considerámos Ellen G. White na mes-ma categoria dos escritores do cânon da Escritura. Contudo, além dos escolhidos escritores dos livros canônicos da Bíblia, Deus Se utilizou de uma linha de profetas ou mensageiros que viveram contemporâneamente com os escritores de ambos os Testamentos, mas cujas declarações jamais fizeram parte do cânon escriturístico. Êstes profetas ou mensageiros foram chamados por Deus para darem ânimo, conselho e admoestação ao antigo povo de Deus. Entre êstes havia figuras como Natã, Gade, Enan, Asafe, Semaías. Azarias, Eliézer, Aías, Ido e Obede no Velho Testamento, e Simeão, João Batista, Ágabo e Silas no Novo. A linha inclui também mulheres como Miriã, Débora, Hulda, que foram denominadas profetisas, em tempos antigos, bem como Ana ao tempo de Cristo, e as quatro filhas de Felipe, “que profetisavam” (Atos 21: 9). As mensagens provindas dêstes profetas, deve-se reconhecer, provieram do mesmo Deus que falava através dos profetas cujos escritos foram incluídos no cânon sagrado.

Que alguns dêstes profetas não sòmente falaram mas também escreveram suas mensagens inspiradas é evidente da própria Escritura:

Os sucessos, pois, do rei Davi, assim os primeiros como os últimos, eis que estão escritos nas crônicas de Samuel, o vidente, e nas crônicas do profeta Natã, e nas crônicas de Gade, o vidente (I Crôn. 29:29).

Os demais sucessos, pois, de Salomão, tanto os primeiros como os últimos, porventura não estão escritos no livro das falas de Natã, o profeta, e na profecia de Aías, o silonita, e nas visões de Ido, o vidente, acêrca de Jeroboão, filho de Nebate? (II Crôn. 9:29.)

É nesta última categoria de mensageiros que consideramos Ellen G. White. Entre os adventistas do sétimo dia foi ela reconhecida como possuindo o dom do espírito de profecia, embora jamais evocasse para si o título de profetisa. Em 1906 ela deu a razão disso. Membros da igreja que criam ser ela chamada para o encargo profético ficaram perplexos com uma de suas declarações públicas. Eis sua explicação:

Alguns se escandalizaram com o fato de eu ter dito não pretender ser profeta. . . . Ainda em minha mocidade fui indagada várias vêzes: Sois profeta? Sempre respondi: Sou a mensageira do Senhor. Sei que muitos me chamavam profeta, porém jamais pretendí êste título. . . . Por que não reivindiquei ser profeta? — Porque nestes últimos dias muitos que ousadamente pretendem ser profetas constituem uma reprovação à causa de Cristo; e porque minhas obras incluem muito mais do que significam a palavra “profeta”. . . . Pretender ser profeta é uma coisa que jamais fiz. Se outros me chamam por êsse nome, não contendo com êles. Minha obra, porém, abrangeu tantos setores que não posso chamar-me senão uma mensageira. — The Review and Herald, 26 de julho de 1906.

Os adventistas do sétimo dia consideram os escritos dela como contendo conselhos e instruções inspirados concernentes à religião pessoal e à conduta de nossa obra denominacional. Sob a mesma inspiração escreveu ela também muito no grande terreno da história sagrada, abrangendo experiências do povo de Deus desde a criação do mundo até o estabelecimento final do reino de Deus, com ênfase especial na escatologia. Essa porção de seus escritos, contudo, que podiam ser classificados como predições, não é na verdade senão uma pequena parte. E mesmo ao tratar ela daquilo que sobrevém à Terra, suas declarações são apenas ampliações de clara profecia bíblica.

É significativo que em seus conselhos, ou “testemunhos,” a atenção do leitor é constantemente dirigida para a autoridade da Palavra de Deus como o único fundamento de fé e doutrina. Na introdução de um de seus maiores livros apresenta ela importantes princípios:

Em Sua Palavra Deus conferiu aos homens o conhecimento necessário à salvação. As Santas Escrituras devem ser aceitas como autorizadas e infalíveis revelações de Sua vontade. Elas são a norma do caráter, o revelador das doutrinas, a pedra-de-toque da experiência religiosa. “Tôda a Escritura divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente instruído para tôda a boa obra.” II Tim. 3:16 e 17.

Todavia, o fato de que Deus revelou Sua vontade aos homens por meio de Sua Palavra, não tornou desnecessária a contínua presença e direção do Espírito Santo. Ao contrário, o Espirito foi prometido por nosso Salvador para aclarar a Palavra a seus servos, para iluminar e aplicar os seus ensinos. E visto que foi o Espírito de Deus que inspirou a Escritura Sagrada, é impossível que o ensino do Espírito jamais seja contrário ao da Palavra. — O Conflito dos Séculos. Introdução.

Conquanto os adventistas mantenham os escritos de Ellen G. White na mais elevada estima, êles não são a fonte de nossas exposições. Baseamos nossos ensinos nas Escrituras, o único fundamento de tôda verdadeira doutrina cristã. No entanto, é nossa crença que o Espírito Santo franqueou-lhe à mente importantes acontecimentos e a chamou para dar certas instruções para êstes últimos dias. E conquanto estas instruções, em nosso entender, estejam em harmonia com a Palavra de Deus, a qual unicamente nos torna sábios para a salvação, nós, como uma denominação, as aceitamos como conselhos inspirados do Senhor. Jamais, porém, as igualamos com a Escritura como falsamente nos acusam alguns. A própria Sra. White declarou claramente a relação de seus escritos com a Bíblia:

Pouca atenção é dada à Bíblia, e o Senhor tem dado uma luz menor para guiar os homens e mulheres a uma luz maior. — The Review and Herald, 20 de janeiro de 1903.

O Senhor designou-me para advertir, reprovar e aconselhar através dos testemunhos dados, e para impressionar vossa mente com a importância da verdade de Sua palavra. — Test. for the Church, Vol. 5, pág. 665.

Não obstante os adventistas do sétimo dia reconhecerem que o cânon da Escritura encerrou-se há aproximadamente dois mil anos, e que não houve acréscimos a esta compilação dos livros sagrados, crêem, contudo, que o Espírito de Deus, que inspirou a Palavra Divina conhecida por nós como a Bíblia, empenhou-Se em revelar-Se à igreja mediante os diversos dons do Espírito. O apóstolo Pedro, explicando os acontecimentos do Pentecostes, citou a profecia de Joel aplicando-a à obra magnífica do Espírito Santo naquele dia memorável. E o apóstolo Paulo, falando dos diferentes dons que Deus pusera na igreja, disse: “E Ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastôres e doutores, querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo” (Efés 4:11 e 12).

E por quanto tempo deveriam êstes dons perdurar na igreja? “Até que todos cheguemos à unidade da fé, e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura çompleta de Cristo, para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente” (versos 13 e 14).

Enquanto os filhos de Deus forem assediados pela astúcia do espírito do mal, a igreja necessitará dêstes dons especiais. Além disso, o mesmo apóstolo declarou que à igreja que aguardaria a volta do Senhor Jesus não faltaria nenhum dom para ser irrepreensível no dia de nosso Senhor Jesus Cristo (I Cor. 1:7 e 8).

Não entendemos que êstes dons do Espírito tomem o lugar da Palavra de Deus, nem a aceitação dos mesmos anule a Escritura da verdade. Ao contrário, a aceitação da Palavra de Deus, guiará o povo de Deus a reconhecer e aceitar as manifestações do Espírito. Estas manifestações estarão, naturalmente, em harmonia com a Palavra de Deus. Sabemos que cristãos fervorosos têm a impressão de que êstes dons cessaram com a igreja apostólica. Os adventistas, porém, crêem que o encerramento do cânon da Escritura não encerrou a comunicação do Céu com os homens através dos dons do Espírito,* mas ao contrário, Cristo, pelo ministério de Seu Espírito guia Seu povo, edificando-os e fortalecendo-os, e especialmente nestes últimos dias desafiadores da his-tória humana. E é o Espírito Santo quem reparte “particularmente a cada um como quer” (I Cor. 12:11). É Deus quem concede os dons, e é o próprio Deus quem assume a responsabilidade destas manifestações do Espírito entre os crentes. Êle chama um aqui outro lá e os faz depositários de dons espirituais específicos. Êle chama um para ser apóstolo, outro evangelista, outro pastor ou ensinador, e a outro Êle dá o dom de profecia.

Entendemos que todos êstes dons estarão em evidência na igreja que estará “aguardando a vinda de nosso Senhor” (I Cor. 1:7). Nossa interpretação da profecia bíblica nos leva a crer que todos quantos integram o remanescente povo de Deus, nos últimos dias da história da igreja, enfrentarão tôda a fúria do poder do dragão ao empreender êle guerra aos que “guardam os mandamentos de Deus, e têm o testemunho de Jesus Cristo” (Apoc. 12:17). Essa expressão “Testemunho de Jesus” é claramente definida, cremos, pelo anjo em Apoc. 19:10. Diz êle a João: “O testemunho de Jesus é o espírito de profecia.”

Comentando isto, diz James Moffat:

“Pois o testemunho de (i. e., suportado por) Jesus é (i. e., constitui) o espírito de profecia.” Isto . .. especificamente define os irmãos que foram portadores do testemunho de Jesus como possuidores da inspiração profética. O testemunho de Jesus equivale pràticamente a testificar de Jesus (xxii. 20). É a própria revelação de Jesus (de acôrdo com i. 1, devido em última análise a Deus) que move os profetas cristãos. — The Expositor’s Greek Testament, Vol. 5, pág. 465.

O Espírito de profecia acha-se intimamente relacionado com o dom de profecia, sendo um o Espírito que dita a profecia, e outro a prova do dom outorgado. Andam juntos, cada um ligado inseparàvelmente ao outro. O dom é a manifestação daquilo que o Espírito de Deus concede ao que, de acordo com Seu bom propósito e Seu plano, Êle escolhe para, por meio

* Ver A. G. Daniells, Abiding Gift of Prophecy. dêle, dar a orientação espiritual. Os adventistas do sétimo dia crêem que êste dom se manifestou na vida e ministério de Ellen G. White.

Em resumo é isto o que o adventista entende dos escritos de Ellen G. White. Êles têm sido por cem anos, para empregar uma expressão dela mesma, “uma luz menor” guiando homens e mulheres sinceros a “uma luz maior.”

Para responder a parte final da pergunta, diriamos que, ao passo que acatamos os escritos de Ellen G. White, e esperamos que todos os que se unem à igreja aceitem a doutrina dos dons espirituais manifestos na experiência dela, não fazemos da aceitação de seus escritos motivo de disciplina na igreja. Ela própria foi explícita neste ponto. Falando daqueles que não compreendiam plenamente o dom, disse ela:

Êstes não devem ser privados dos benefícios e privilégios da igreja, se sua conduta cristã é, sob outros aspectos, correta, e tenham formado um bom caráter cristão. — Test. for the Church, Vol. 1, pág. 328.

Nós, pois, não aferimos o mundo, de modo algum, por êstes dons. Tampouco, em nossas relações com outras corporações religiosas que se esforçam por andarem no temor de Deus, de modo algum fazemos dêles uma prova de caráter cristão. — The Review and Herald, 15 de fevereiro de 1870.

Tiago White, por três vêzes presidente da Associação Geral, falando da obra de Ellen G. White, declara expressamente que os adventistas crêem que Deus a chamou “para realizar uma obra especial neste tempo, entre êste povo. Contudo, êles não fazem da crença nesta obra uma prova de comunhão cristã.” — The Review and Herald, 13 de junho de 1871, pág. 205.

E esta tem sido nossa coerente atitude através de tôda a nossa história. Contudo, se alguém que é membro em nossa igreja perde a confiança nestes conselhos e depois promove animosidade entre os crentes, reservamos o direito de eliminá-lo da comunhão. Êste ato, porém, não é realizado por causa da falta de confiança de alguém nestes escritos, mas pelo fato de o descontente fermentar luta entre os crentes.

Depois de homens e mulheres terem tido prova de que a obra é de Deus, e a seguir dão as mãos aos que combatem contra ela, nosso povo tem o direito de separar-se dêles. — Ibidem.

F. M. Wilcox, por trinta e cinco anos redator da Review and Herald, nosso jornal eclesiástico, diz:

Na prática da igreja não tem sido costume eliminar alguém por não reconhecer a doutrina dos dons espirituais. … O membro da igreja não deve ser excluído devido a sua incapacidade de reconhecer claramente a doutrina de dons espirituais e sua aplicação ao movimento do segundo advento. — The Testimony of Jesus, págs. 141-143.

Estas declarações refletem nossa atitude coerente através dos anos, e é nossa posição hoje em dia.