• V. Cristo em Relação às Hostes Angelicais

À luz do que foi exposto, cremos que o divino Filho de Deus, um de cujos títulos é “Miguel, o arcanjo,” é o dirigente das hostes angélicas. Para nós, contudo, isto de modo algum Lhe subtrai a divindade, como também não lha subtraiu o fato de ter-Se tornado homem e tomado nossa carne. Certamente Êle Se tomou “o Filho do homem, mas durante todo o tempo que estêve na Terra como homem, era ao mesmo tempo Deus manifesto em carne (I Tim. 4:10). Além disso, Èle é também revelado nas Escrituras como o chefe das hostes de Israel, sob o título de “anjo de Jeová,” o “anjo de sua presença,” além de outros. Sendo isto, contudo, Sua divindade não é restringida ou subtraída. Por que não poderia Êle, então, ser considerado o “Capitão General” (LXX) dos exércitos de anjos sem equiparar-Se com êles como sêres criados? O ser que apareceu a Josué como príncipe do exercito do Senhor” era um ser divino, a quem Josué adorou (Jos. 5:14). Vemos assim que os exércitos do Senhor estão sob o comando de um ser divino digno de adoração, cuja presença torna um lugar santo (verso 15). Êste Ser Divino cremos não era outro senão nosso Senhor Jesus Cristo.

Cremos, portanto, que há boas razões para reconhecer nosso bendito Senhor como o chefe dos exércitos celestiais.

VI. Michael na Literatura Judaica

Nos escritos judaicos Michael é reconhecido como o Advogado em Israel, mediador em muitas maneiras. Assim: evitou que Isaque fôsse sacrificado (Yalkut Reubeni, seção Wayera); empenhou-se em luta corporal com Jacó (Targum, Gên. 32:25); foi Advogado quando Is-rael merecia a morte no Mar Vermelho (Êxodus Rabbah, 18:5); conduziu Israel durante quarenta anos no deserto (Abravanel, em Êxo. 23:20; deu a Moisés as tábuas de pedra (Apoc. Moses, 1); deu instruções a Moisés no Sinai (Bk. Jubilees, i. 27, ii, 1); destruiu o exército de Senaqueribe** (Yoma, 37a; Shebuoth, 35b, rodapé); foi o anjo guardião de Israel (Yoma, 77a); ministros no santuário celestial (Menahoth, 110a).

VII. Michael no Contexto da Epístola de Judas

A epístola de Judas foi escrita para combater a heresia que invadira a igreja naquela época, pois falsos ensinadores corrompiam e tomavam nula “a fé que uma vez foi dada aos santos” (verso 3). A carta de Judas era um apêlo aos membros leais a romperem a associação com êstes subversores da verdade. O autor não entra em pormenores a respeito desta heresia, pois sua carta não é uma teologia sistemática, mas antes um grito de combate.

O livro é pequeno, mas rico em alusões e citações. É evidente que os ensinos corruptos contra os quais Judas advertia a igreja eram o libertinismo e o anominianismo. Esta filosofia era não apenas bàsicamente errada em conceito, mas quando seguida na vida conduzia à depravação e revoltante imoralidade. Os que introduziram esta heresia subversiva tinham evidentemente entrado para a igreja de modo sub-reptício, e ameaçavam minar a própria estrutura do templo da verdade.

1. O Fim da Rebelião.—A depravação dêste ensino é evidenciada pela referência do autor à grossa imoralidade de Sodoma e Gomorra, enquanto a atitude dos próprios ensinadores êle a ilustra comparando-a com a rebelião de Coré. “Ai dêles!” êle adverte, “porque entraram pelo caminho de Caim” (verso 11). Realçando o fim dêstes difamadores da justiça, êle menciona particularmente o destino dos anjos rebeldes. Êstes sêres celestiais, “que não guardaram o seu principado, mas deixaram a sua própria habitação” (verso 6), estão reservados

**. Esta declaração refere-se ao “anjo de sua presença” que a Enciclopédia Judaica afirma ser Michael. até o julgamento. Aguardam a vinda do dia da punição final.

A razão por que Judas se refere à rebelião dos anjos e à rebelião do antigo Israel contra a autoridade, é clara. Êle adverte a igreja de que todos os que “dizem mal do que não sabem” perecerão (verso 10). Fala daqueles hereges como contaminadores da carne, e declara que êles não apenas reduzem a nada o conselho da autoridade da igreja, mas realmente negam a autoridade de Deus e de nosso Senhor Jesus Cristo. Suas “duras palavras” (verso 15), ou acusações zombeteiras, não eram apenas denúncias contra a autoridade apostólica, mas acusações contra o próprio Deus.

2. A Referência de Judas a Michael. — Não era evidentemente o propósito de Judas identiticar Michael [ou Miguel] a não ser chamar a atenção para o fato de que Êle é o arcanjo. Sua referência a Michael é, na verdade, para um contraste. Êste contraste é feito entre os que fizeram acusação escarnecedora, e Miguel que não a faria. Por um lado êle contrasta os “sonhadores alucinados” que “rejeitam o govêrno e difamam as autoridades superiores” (verso 8), com Miguel, o arcanjo, por outro lado. Êste, ser celestial, mesmo quando em disputa com o príncipe do mal, embora houvesse justa razão para isso, “não ousou” pronunciar um juízo de maldição. Êste é o contraste: êles, meros homens, assim desprezavam a autoridade a ponto de injuriarem os que se achavam em elevada autoridade; enquanto Miguel o arcanjo, não agiu assim mesmo quando disputava com Satanás.

O demônio, príncipe do mal, podia com justeza receber uma acusação demolidora, mas a isto Miguel não se abalançou. Dizer que Miguel não podia, no sentido de que Êle não dispunha de poder ou autoridade para fazê-lo, não é verdade. Não que Miguel não pudesse, num sentido de restrição, mas sim que Êle não quis tomar esta atitude. A Bíblia de Scott (Scott’s Bible) comenta:

Êle contudo não ousou proferir qualquer expressão insultuosa: não por mêdo do demônio, mas porque mesmo naquelas circunstâncias, isto não seria coerente com a perfeição de Seu caráter.

O que aquêles críticos pechosos ousaram fazer, Miguel não ousou. Êles eram abusivos, difamadores, caluniadores e mesmo blasfemos. Miguel, porém, mesmo tratando com o diabo, revelou dignidade e paciência celestial. Não podia descer ao nível das palavras difamatórias. Com autoridade declarou: “O Senhor te repreenda” (verso 9).

O uso da expressão “O Senhor te repreenda” é significativo. Não é encontrada senão em um outro lugar nas Sagradas Escrituras: Zac. 3:2. Lá quem fala é o “anjo do Senhor” (verso 1), mas no verso 2 é expressamente o “Senhor” quem fala. Aqui encontramos o “anjo do Senhor” igualado ao próprio Jeová, e é êle quem diz a Satanás: “O Senhor te repreenda.”

Esta é uma expressão original. Seu primeiro emprêgo na Bíblia ocorre com o Senhor ao tratar com Satanás. A mesma expressão é empregada em Judas. Não é então o caso de o mesmo Ser Divino ser revelado aqui? Em Zacarias Êle se manifestou sob um de Seus títulos “o anjo do Senhor”, e em Judas sob outro de Seus títulos, “Miguel.”

Além disso, o arcanjo é referido duas vêzes nas Sagradas Escrituras: I Tess. 4:16 e Judas 9. Escrevendo aos tessalonicenses, Paulo fala da “voz de arcanjo” e a associa à ressurreição geral dos santos, enquanto em Judas a referência é específica ao corpo de Moisés.

Outra referência a Miguel como chefe do exército angelical se vê em Apoc. 12:7-10. Muitos eruditos através dos séculos aplicaram isto aos dias em que Satanás se rebelou, antes mesmo que o mundo fôsse feito. Então houve guerra no Céu. Miguel e Seus anjos combatiam contra o dragão e seus anjos. Eis sem dúvida o início do grande conflito entre as fôrças da justiça e o mal. Nesta passagem Miguel e Satanás são postos em contraste. Quem é o Miguel desta passagem apocalíptica? Se Cristo é o chefe dos exércitos celestiais, então vemos aqui a primeira batalha no grande conflito entre Cristo e Satanás.

Há boa razão para êste conceito, pois lemos que foi pelo “poder de seu Cristo” que “o acusador de nossos irmãos” foi derribado (Apoc. 12:10). A vitória para os santos sòmente é possível mediante nosso Senhor ressuscitado. Foi Cristo que triunfou sôbre Satanás no original encontro. E é por intermédio de Cristo que vencemos em nossos contínuos encontros com o inimigo e suas hostes malignas.

Mateus Henry comentou a respeito desta passagem:

. . . “Miguel e seus anjos” de um lado, e “o dragão e seus anjos” do outro. Cristo, o grande anjo do concêrto, e seus fiéis seguidores; e Satanás e todos os seus instrumentos.

VII. Resumo da Prova

1. Expressões empregadas em relação a Cristo são idênticas às empregadas a respeito de Miguel: (a) de Cristo, como “Príncipe dos príncipes,” como “príncipe do exército,” como “Messias o Príncipe,” e como “Príncipe da vida”; (b) de Miguel, como “vosso príncipe,” e como o “grande príncipe.”

2. Como arcanjo é empregado em relação a Miguel, assim são archegos e archon empregados em relação a Cristo. Assim: Cristo é o archegos —o “capitão” (Heb. 2:10); o “autor” (Heb. 12:2); o “Príncipe” (Atos 3:15).

3. O início do grande conflito entre Cristo (Miguel) e Satanás é visto em Apocalipse 12: 7-10.

4. Miguel exerce as mesmas prerrogativas de Jeová ao dizer a Satanás: “O Senhor te repreenda.”

5. Miguel é igualado a Cristo por muitos eruditos da Bíblia.

Do exposto se deduz que nosso conceito de Miguel, como outro título para o Senhor Jesus Cristo, difere amplamente das idéias dos que ensinam que Miguel é apenas um ser angélico criado, e não a Eterna Palavra de Deus. Em contraste direto a esta Cristologia depreciativa, os adventistas do sétimo dia sustentam que Jesus é “o próprio Deus, da mesma substância que o Pai” — coigual, coexistente e coeterno com Deus o Pai. Cremos que jamais houve tempo em que Cristo não existisse. Êle é Deus para todo o sempre, tendo vida “original, não emprestada, não derivada.”

Notas Adicionais

1. Cristo Como “Anjo do Senhor”.

Sôbre Êxo. 23:20:

“Eis que Eu envio um anjo diante de ti. Comentaristas judaicos relacionam o mensageiro a Moisés, que, sem duvida, era embaixador especialmente comissionado por Deus, e que podia, portanto, ser denominado mensageiro [anjo] de Deus. Mas as expressões — ‘Êle não perdoará a vossa rebelião’, e ‘Meu nome está nêle’, são demasiado elevadas para Moisés. Deve-se entender um anjo — provàvelmente ‘o Anjo do Concêrto’, — a quem os melhores expositores identificam com a Segunda Pessoa da Trindade, o sempre Bendito Filho de Deus. — Jorge Rawlinson, Pulpit Commentary, “Exodus”, vol. 2, pág. 212.

“Supõem outros que êste [“um anjo,” Êxo. 23:20; “meu anjo,” Êxo. 23:23] seja o Filho de Deus, o Anjo do concêrto; pois se diz que os israelitas no deserto ‘tentaram a Cristo,’ e podemos também supô-Lo mensageiro de Deus, e redentor da igreja, antes de Sua encarnação, como Cordeiro de Deus morto desde a fundação do mundo.” — Matthew Henry’s Commentary, Êxo. 23, nota geral.

“Parece não haver motivo de dúvida que, neste Mensageiro de Jeová, apanhamos um vislumbre do mistério da Divindade. Para contraste com um mensageiro inferior, ver cap. 33:2 e 3.” — J. B. Rotherham, The Emphasized Old Testament (1916), nota sôbre Êxo. 23:20.

Sôbre Juizes 6:

“A pessoa que lhe deu a comissão era ‘um anjo do Senhor;’ parece não um anjo criado, mas o próprio Filho de Deus, o Verbo Eterno, o Senhor dos anjos. . . . Êste anjo é aqui denominado Jeová, o incomunicável nome de Deus, ver. 14 e 16; e êle diz: ‘Serei contigo.’ ” — Matthew Henry’s Commentary.

Sôbre Juizes 13:

“E êste anjo . . . era o próprio Senhor, isto é, o Verbo do Senhor, que deveria ser o Messias, pois Seu nome é Maravilhoso, ver. 18, e Jeová, ver. 19.” —Idem.

Sôbre Daniel 3:

“Havia uma quarta pessoa vista com êles no fogo, cuja forma, no julgamento de Nabucodonosor, era ‘semelhante ao filho de Deus;’ aparecera como uma pessoa divina, mensageiro do Céu, não como um servo, mas como um Filho. ‘Semelhante a um anjo,’ e os anjos eram chamados ‘filhos de Deus,’  37:7. Na narrativa apócrifa dêste fato se diz: ‘O anjo do Senhor desceu à fornalha;’ e Nabucodonosor aqui diz (ver. 28) que Deus enviara Seu anjo e os livrara; e foi um anjo que tapou a bôca dos leões quando Daniel se achava na cova, cap. 6:22. Alguns, porém, julgam que era o eterno Filho de Deus, o anjo do concêrto, e não um anjo criado. Apareceu muitas vêzes em nossa natureza antes de a ter assumido permanentemente [na Sua encarnação]; e nada mais oportuno para demonstrar Sua grande peregrinação no mundo, na plenitude dos tempos, do que agora, ao livrar seus escolhidos do fogo, por isso veio e andou com êles nas chamas.” — Idem.

“Na realidade era Cristo, o Filho de Deus, quem apareceu nessa ocasião em forma humana.” — T. Robinson, Preacher’s Homiletic Commentary (1892), “Daniel,” pág. 72.

“No ver. 28, o rei o chama de ‘anjo’ de Deus, que era, sem dúvida, o ‘anjo do Senhor,’ aliás denominado ‘Mensageiro do Concêrto,’ o Filho de Deus, o qual na plenitude dos tempos “Se fêz carne e habitou entre nós.’ ” — Idem, pág. 73.

Sôbre Hebreus 12:

“Isto é referido por muitos modernos expositores a Deus; mas por antigos e alguns modernos estudiosos, a Cristo; o que se harmoniza muito melhor com o contexto.” — S. T. Bloomfield, Greek New Testament (1847) (Vol. 2, pág. 475), sôbre Heb. 12:25.

“ ‘A voz que soa do Sinai.’ Ver acima v. 19. Os melhores expositores concordam em geral que [a palavra]  refere-se (como o requer a propriedade gramatical) a Cristo, apesar de no Êxodo ela ser atribuída a Deus. Nem há nisso qualquer incoerência, desde que o N. T. e os escritos rabínicos concordam em apresentá-la como o Filho de Deus, que apareceu aos patriarcas, que fêz a entrega da Lei pelos anjos, e que era o Anjo-Jeová adorado na igreja judaica. Ver Atos 7:53, e I Cor. 10:4 e 9.” — Idem, (Vol. 2, pág. 475). Sôbre Heb. 12:26.

2. Concernente a Michael Como um Título de Cristo.

Sôbre Daniel 10:

“Alguns . . . pensam que Miguel o arcanjo não é ou-tro senão o próprio Cristo, o anjo do concêrto, e o Senhor dos anjos; aquêle a quem Daniel viu em visão, ver. 5. Êle ‘veio para ajudar-me,’ ver. 13; ‘e ninguém há que se esforce comigo contra aquêles,’ ver. 21. Cristo é o príncipe da igreja, e os anjos não o são.” — Matthew Henry’s Commentary.

Sôbre Daniel 12:

“Jesus Cristo aparecerá como patrono e protetor de Sua igreja. ‘Naquele tempo,’ em que a perseguição estiver no auge, ‘Miguel se levantará,’ ver. 1. O anjo dissera a Daniel quão firme amigo Miguel seria da igreja, cap. 10:21. Em tôdo o tempo êle demonstrara isto no mundo superior, os anjos o sabiam; mas agora ‘Miguel se levantará em sua providência, e opera a libertação dos judeus, ‘quando vir que o seu poder se foi,’ Deut. 32:36. Cristo é o ‘grande príncipe,’ pois é o “Príncipe dos reis da Terra,’ Apoc. 1:5.” — Idem.

Sôbre Judas 9:

“Muito se diz nos escritos judaicos sôbre êste personagem. ‘Rabi Judah Hakkodesh diz: Onde quer que apareça Michael, sempre se deve entender a glória da Divina Majestade.’ Shemoth Rabba, Sec. ii., fol. 104, 3. Assim quer-nos parecer que consideraram Michael de algum modo como o fazemos em relação ao Messias manifesto em carne.” — Clarke’s Commentary (vol. 6).

“A palavra Michael . . . aquêle que é semelhante a Deus; em conseqüência, no Apocalipse, esta personagem é entendida por muitos como sendo o Senhor Jesua.” — Idem.

“Miguel era o filho varão, a quem a mulher deu à luz.” — Clarke’s Commentary.

“Esta ‘guerra no Céu’ travada por Miguel, que é Cristo (cujo combate não é igual aos dos reis terrestres), e por Seus mensageiros, consiste num conflito intelectual e polêmico.” — J. D. Glasgow, Commentary on the Apocalypse (1872.)

“Demonstrámos em outra parte que o Arcanjo Miguel é uma imagem de Cristo vitoriosamente combatente. Cristo é um Arcanjo em Sua qualidade de Juiz; e Êle aparece como Juiz, não apenas no fim do mundo, mas também na preservação da pureza de Sua igreja.” — Langes’s Commentary (1874), sôbre Apoc. 12:1-12, Exegetical and Criticai Synoptic View, pág. 238.

Sôbre Apoc. 12:7:

“A idéia do ser celestial que nos aparece como característico de velha tradição apocalíptica, e a origem da concepção do Messias celestial — o Filho do homem. … Já vimos que o ser celestial ‘semelhante a filho do homem’ como está em Dan. 7 era provàvelmente identificado pelo autor . . . com o príncipe angélico Miguel de Israel; êste ser angélico foi posteriormente, como veremos, investido dos atributos messiânicos, e assim Se tomou o preexistente Messias celestial.” — Abingdon Bible Commentary, pág. 846.

(Ver também Calvin’s Commentaries sôbre “Daniel”, Vol. 2, págs. 253, 368 e também pág. 13.)