Os poderosos feitos realizados pelos discípulos foram resultado, não objeto, da comunhão com o Mestre
Igrejas e pastores estão constantemente perguntando a si mesmos: “Como podemos crescer?” “Como podemos ser mais efetivos em nosso ministério?” Acredito que a resposta é a seguinte: “Jesus subiu a um monte e chamou a Si aqueles que Ele quis, os quais vieram para junto dEle. Escolheu doze, designando-os apóstolos, para que estivessem com Ele, os enviasse a pregar e tivessem autoridade para expulsar demônios” (Mc 3:13-15, NVI).
Há dois mil anos, Jesus chamou Seus discípulos e, pelo fato de que Ele ainda faz isso em nossos dias, devemos ter sempre bem clara a origem do nosso chamado. Devemos compreender que, a fim de sabermos para onde estamos indo, necessitamos saber de onde viemos. Ter conscientização plena de nosso chamado é algo especialmente importante em tempos difíceis, porque, algumas vezes, tudo o que você tem é o chamado. Mesmo quando não existem manifestações visíveis de sucesso, a certeza do chamado divino susterá você através das dificuldades e diante de pessoas com as quais é difícil tratar.
O Deus que chama
Como a semente lançada ao solo, os resultados nem sempre são imediatos nem visíveis. Mas eles virão. Em algum lugar do país em que resido, certa igreja recebeu a visita de um representante do Campo local. Naquele sábado, havia apenas uma pessoa no templo. Entretanto, o pastor visitante pregou com entusiasmo e, a certa altura da mensagem, o solitário ouvinte pediu licença para ir ao banheiro. O pregador esperou que ele voltasse, então continuou o sermão. Evidentemente, esse é um caso extremo; porém, revela a extensão da dificuldade que um pastor pode experimentar. Caso você esteja passando tempos difíceis, não perca de vista a realidade do seu chamado divino.
Eu tinha somente quatro anos de experiência pastoral, quando fui encarregado de pastorear uma pequena congregação. No primeiro dia em que a visitei, havia seis pessoas presentes. A irmã que dirigia a Escola Sabatina deu as boas-vindas, apresentou o Informativo de Missões e fez quase tudo sozinha. A igreja ficava longe do lugar em que morávamos, era extremamente fria e, com um sistema precário de esgoto, exalava péssimo odor. A pequena cidade era um centro produtor de frutas e a sobrevivência de boa parte da população dependia da colheita.
Embora as perspectivas fossem desanimadoras, especialmente no sábado, vimos Deus operando maravilhosamente naquele lugar. Durante o pouco tempo em que ali permanecemos, pessoalmente experimentei o poder de Deus como em poucos outros lugares pude experimentar. A lição aprendida naqueles tempos difíceis foi muito simples: Deus age em todo lugar. Ali, pudemos testemunhar a conversão de muitos viciados, famílias reconciliadas, além do estabelecimento de um ativo grupo de jovens. Deus opera, mesmo que talvez não vejamos indicação disso. Ele não nos chamou para o fracasso.
Razão do chamado
É muito importante sabermos por que Deus nos chamou. Em primeiro lugar, Jesus chamou Seus discípulos “para que estivessem com Ele”. Estou seguro de que os milagrosos feitos operados por aqueles homens aconteceram como resultado de profunda ligação com o Mestre. A pregação poderosa, os milagres de cura, expulsão de demônios e tantas outras ocorrências foram realizações extraordinárias, mas devemos perguntar a nós mesmos: Acaso podemos qualificá-las como a principal razão pela qual Jesus chamou Seus discípulos? A verdade é que elas foram resultado, não objeto, do ministério desenvolvido em comunhão com o Senhor.
Temo que, algumas vezes, em meio às estatísticas sobre o crescimento da comunidade da qual fazemos parte, corramos o risco de perder de vista o real propósito pelo qual Deus nos chamou. Às vezes, parecemos dar a impressão de que estamos mais interessados em contar ovelhas do que agradar o Espírito Santo. Sim, Ele nos chamou para que estejamos com Ele.
Desde os tempos mais remotos (e sempre será assim), Deus tem demonstrado intenso desejo de estar conosco. Isso é incrível, mas verdadeiro! O Deus do Universo é “apaixonado” por você e por mim. O propósito maior da criação e do ministério não é que empreguemos tempo trabalhando para Deus, mas trabalhando com Ele. Você se lembra de quando gastou tempo orando para encontrar sua companheira de vida? Lembra-se da expectativa? Dos pressentimentos? Lembra-se da satisfação sentida quando tudo se concretizou?
Certa senhora, acompanhada por um cavalheiro grisalho, aproximou-se de um pregador e disse a ele: “O senhor está vendo este homem aqui? É meu marido há 40 anos, e nunca o amei.” Que tragédia! Viver com uma pessoa a quem você não ama está no topo da categoria: “espero que isso jamais aconteça comigo”. Contudo, pensemos um pouco. Aquela mulher era boa esposa. Nunca traiu o marido, gastava tempo preparando comida para ele, lavando e passando as roupas dele, a fim de que se apresentasse bem. O casal recebia em casa convidados especiais, viajavam de férias e comemoraram aniversários juntos. Mas, faltava um componente-chave: o amor dela em relação a ele.
Poderia algo semelhante acontecer conosco? Acaso estamos tão ocupados tentando pregar sermões impressivos a respeito de Deus, levando restauração a muitos lares, combatendo em Seu nome o mal na sociedade, e falhando em nosso relacionamento pessoal com Deus?
Outros são chamados
É importante lembrar que outros discípulos iguais a você também foram chamados. Desde o princípio, Jesus procurou promover entre Seus seguidores o conceito de equipe. O ministério não é atividade executada por um showman, embora nele sempre tenha havido homens destacados. O ministério pastoral envolve comunidade, colegiado.
Observando rapidamente a personalidade dos discípulos, encontramos algo como uniformidade. Eles eram diferentes, e isso era muito bom. Havia entre eles representantes de variados antecedentes, condições sociais, políticas e profissionais. Havia um hebreu revolucionário e um simpatizante do poder romano. Um deles era questionador, outro falava muito e outro dificilmente falava. Alguns estavam mais interessados em posição do que na pregação, e outro estava interessado em vantagens. Qual foi a mensagem que Jesus estava tentando transmitir através dessas diferenças? A mensagem de que o ministério não sou eu nem você, isoladamente, mas nós.
Esse ministério realizado através de pessoas tão diferentes faz lembrar a arca de Noé. A arca tinha muitas características que reduziam o nível de conforto. Havia apenas uma janela e pares de animais presos dentro dela, durante um extenso período de tempo. Pequenos alojamentos podem trazer à tona o pior das pessoas, e estou certo de que, embora Noé tivesse desenvolvido fé inabalável, algumas perguntas podem ter surgido na mente dele, enquanto olhava para fora da arca e visse seu antigo lar coberto pela água.
Ministrar às pessoas tem seus dias maravilhosos, mas também dias tempestuosos, depressivos, vazios. Administrar egos, tratar atitudes infantis, manter diálogo difícil com pessoas sensíveis, policiar tendências extremistas, tudo isso pode tornar desconfortáveis alguns dias e noites.
A realidade é que vivemos em uma sociedade polarizada e essa polarização algumas vezes invade a igreja. Abordamos as pessoas e com elas nos relacionamos, tendo como base os antecedentes delas e, muitas vezes, é mais fácil rotulá-las do que engajá-las. Contudo, essa não é a maneira de Deus trabalhar.
Agora, imaginemos o que representava para Noé ter que organizar milhares de animais em cada um dos mais de cem dias. O mau cheiro poderia ser suficiente para abater qualquer pessoa. A igreja e o ministério não são diferentes. As pessoas nem sempre chegam e permanecem fiéis ou verdadeiras. Às vezes, planejar é semelhante a dirigir um time de futebol. Todos os detalhes da tática são explicados pelo técnico, a equipe é treinada, mas fracassa no dia do jogo. Ajustes devem ser feitos, assim com devem ser testadas opções diferentes. Desconfio quando algum “especialista” diz que, se implementarmos algum princípio supostamente fácil, teremos a igreja com que sonhamos. Conseguir isso não é assim tão fácil.
Ainda pensando na arca de Noé, centenas de pessoas ajudaram a construí-la, mas apenas oito foram salvas. Isso nos diz que trabalhar para Deus nem sempre se traduz automaticamente em relacionamento salvador com Ele. Portanto, não nos esqueçamos de tornar as palavras do evangelista o objetivo primário de nossa vida: “Escolheu [aquelas pessoas]… para que estivessem com Ele.”