Sintético enunciado de nossos deveres e privilégios como igreja e como indivíduos em face dos problemas que nos apresenta a liberdade religiosa.

O falar de liberdade religiosa coloca-nos diante do mais fundamental e inviolável de todos os direitos humanos, pertinente ao âmbito sagrado da consciência, e que afeta a mais íntima de tôdas as relações: a do homem com seu Deus.

Liberdade — Atributo Fundamental do Homem

A liberdade é uma das características básicas da natureza humana. O homem é um ser moral dotado de livre arbítrio, ou seja, da capacidade para decidir e escolher, porque o Criador ao formá-lo à Sua imagem e semelhança, concedeu-lhe êste atributo fundamental. Neste sentido diferencia-se de todos os demais sêres da criação, e em virtude dêle se torna responsável diante de Deus pelo curso de sua vida. (Jer. 31:30; Ezeq. 18:4.)

Coerente com êste princípio, cada filho de Adão, de cérebro normal, possui inteligência, consciência e vontade, e goza da faculdade de tomar decisões e determinações em sua vida privada.

Eis porque a religião de Cristo e da Bíblia é uma religião de liberdade, de escolha: “Quem quiser, tome, de graça, da água da vida”. “Eis que estou à porta, e bato. Se alguém ouvir Minha voz, e abrir, entrarei.” “Escolhei, pois, a vida”. “Examinai tudo; retende o bem.”

Direito Inalienável Reconhecido Pelos Estados Modernos

Se Deus fêz o homem, dotando-o da faculdade de tomar decisões relativas à sua vida privada e, em particular, à sua maneira de adorar a Deus, nenhum ser humano, nenhuma legislação, nenhum govêrno e nenhuma organização eclesiástica podem privá-lo dêsse direito natural, que é o que, por excelência, o eleva em hierarquia e o constitui na própria coroa da criação.

Depois de uma luta de séculos, que fêz cair inúmeros mártires e tirou a vida a milhões de heróis anônimos, as constituições dos Estados modernos consagram a liberdade religiosa como um direito fundamental e inalienável; não como uma graça ou concessão feita pelo governante, mas como garantia individual inerente à condição humana. Nas cartas magnas de todos os países modernos, êste conceito ficou claramente fixado, em expressões mais ou menos amplas, mais ou menos terminantes.

A Constituição norte-americana, além de reconhecer a liberdade de culto, proibe ao Congresso legislar sôbre matéria religiosa. A Constituição argentina, que, em sua maior parte, é reflexo da norte-americana, estabelece:

“Todos os habitantes da Nação gozam dos seguintes direitos . . . professar livremente seu culto” (Art. 14).

E êste preceito constitucional acha-se apoiado pelos seguintes:

“A Nação argentina não admite prerrogativas de san-gue nem de nascimento . . . todos os seus habitantes são iguais perante a lei” (Art. 16); “as ações privadas dos homens, que de nenhum modo ofendam a ordem e a moral pública, nem prejudiquem a terceiros, estão reservadas exclusivamente a Deus, e não se tutelam à autoridade dos magistrados” (Art. 19); “os princípios, garantias e direitos reconhecidos nos artigos anteriores não poderão ser alterados pelas leis que regulamentarem seu exercício” (Art. 28).

Na realidade, no âmbito das garantias humanas, o mais sagrado e intocável dos direitos é o de render culto a Deus ou não fazê-lo, à vontade, e segundo a determinação da própria consciência. Se é preciosa a liberdade de imprensa, de ensino, de reunião, o direito de trabalhar, de exercer qualquer atividade lícita, de entrar e sair do território e viajar de um lugar para outro, muito mais sagrada é a liberdade religiosa porque afeta as mais íntimas convicções do coração. Não foi sem razão que Domingos Faustino Sarmiento, grande educador e presidente argentino, escreveu: “A liberdade de consciência é a base de tôdas as outras liberdades, a base da sociedade e da própria religião”.

Assim o próprio Estado reconhece, em consonância com os princípios bíblicos, que não lhe assiste o direito de ultrapassar os limites invulneráveis da consciência.

Depois desta desataviada introdução, vejamos quais os nossos deveres e privilégios como filhos de Deus e como igreja em face dos proble-mas que nos impõe a liberdade religiosa.

Espírito de Gratidão e Lealdade

1. Em primeiro lugar, devemos manter um espírito de gratidão a Deus e aos mentores de nossas respectivas pátrias pela oportunidade de vivermos num país de liberdade e respeito aos direitos humanos, quando tal é o caso.

Nem sempre foi assim. A história da humanidade é uma longa sucessão de lutas cruentas e denodadas contra a opressão, a intolerância e a perseguição religiosa. Graças a Deus, porém, por vivermos numa época em que, em extensos setores do mundo, se respeitam os direitos da consciência. Lamentàvelmente tal não ocorre em vastas regiões de nosso planêta, e precisamos nos lembrar de que, finalmente, a perseguição se desencadeará em todo o orbe contra os que se decidam a rejeitar o sinal da bêsta e exibam sòmente o sêlo do Deus vivo.

2. O sermos bons cristãos implica na obrigação de sermos os melhores cidadãos da pátria onde nascemos ou do país de adoção. O cristão contribuirá para o engrandecimento do país onde mora e que lhe oferece proteção, levando vida honrada, altruísta e útil à comunidade: em uma palavra, viverá o cristianismo.

Reconhecerá as autoridades constituídas sem servilismos degradantes, e respeitará as leis do país cumprindo-as com tôda fidelidade. (Rom. 13:1-7; Tito 3:1; I S. Ped. 2:13-15). Cumprirá os deveres cívicos (S. Luc. 20:25; Rom. 13:7): o sufrágio, os trabalhos que sejam serviço público (por exemplo ser presidente ou mesário de uma seção eleitoral), o serviço militar, o pagamento dos impostos, etc.

Embora como filhos de Deus devamos exercer o dever de participar de eleições para a escolha de governantes mediante o voto consciente, não podemos ser arrastados à militância ou a discussões políticas, que sempre dividem e causam contendas na igreja. Eis o que nos adverte a pena inspirada:

“Não devem gastar seu tempo a falar de política e agir em favor dela; pois assim fazendo, dão oportunida-de ao inimigo de penetrar e causar desinteligências e discórdias. … Os filhos de Deus têm de se separar da política, de tôda aliança com os incrédulos.” — Obreiros Evangélicos, pág. 395.

“O Senhor quer que Seu povo enterre as questões políticas. Sôbre êsses assuntos, o silêncio é eloqüência. Cristo convida a Seus seguidores a chegarem à unidade nos puros princípios evangélicos que são positivamente revelados na Palavra de Deus. Não podemos, com segurança, votar por partidos políticos; pois não sabemos em quem votamos. Não podemos, com segurança, tomar parte em nenhum plano político.” — Idem, pág. 391.

Por sua vez, a serva do Senhor nos admoesta contra o usar distintivos políticos:

“Os que são deveras cristãos são ramos da Videira verdadeira, e darão o mesmo fruto que ela. Agirão em harmonia, em comunhão cristã. Não usarão distintivos políticos, mas os de Cristo.” — Obreiros Evangélicos, pág. 392.

Em uma palavra, embora devamos exercer nossos direitos, e quanto a êles temos que nos informar devidamente e ter nossa opinião, não pode-mos militar na política, fazer manifestações públicas e filiar-nos a determinado partido político.

E no ato de votar, devemos considerar especialmente que é nosso dever apoiar, numa eleição, os homens que respeitem a liberdade de consciência:

“Não podemos trabalhar para agradar a homens que irão empregar sua influência para reprimir a liberdade religiosa, e pôr em execução medidas opressivas para levar ou compelir seus semelhantes a observar o domingo como sábado. O primeiro dia da semana não é um dia para ser reverenciado. É um sábado espúrio, e os membros da família do Senhor não podem ter parte com os homens que o exaltam, e violam a lei de Deus, pisando Seu sábado. O povo de Deus não deve votar para colocar tais homens em cargos oficiais; pois assim fazendo, são participantes nos pecados que eles cometem em quanto investidos dêsses cargos.” — Obreiros Evangélicos, págs. 391 e 392.

Suprema Obediência a Deus

3. O cristão estará disposto a obedecer de modo supremo a Deus. Ao acatar as leis e reconhecer as autoridades, cuidará que nenhuma lei ou autoridade humana esteja acima da lei e autoridade de Deus. Sempre que se apresente algum conflito entre as exigências de Deus e a de César, o cristão estará disposto a tomar a mesma ousada e decidida determinação que os apóstolos Pedro e João tomaram ao declararem: “Mais importa obedecer a Deus que aos homens” (Atos 5:27-29).

Nossa atitude como filhos de Deus será, em tais casos, de prudência, humildade e mansidão, porém de absoluta lealdade aos preceitos divinos. Assim se comportaram os mártires cristãos do tempo do império romano, e da Idade Média, ao afrontarem serenos e ousados as feras, o patíbulo e a fogueira. Assim agiram os membros de verdadeira igreja de Cristo em tôdas as emergências, diante da opressão e perseguição. E assim agirão os que constituem o pequeno rebanho, o povo remanescente, que hão de levar o sêlo do Deus vivo, ao desencadear a última perseguição mundial, quando tôda a Terra seguir após a bêsta, e todos aquêles cujos nomes não estão no livro da vida receberem o sinal da bêsta na testa ou na mão.

Que Elementos Inclui a Liberdade Religiosa

4. O quarto princípio relativo à liberdade religiosa consiste em ter-se um claro conceito de que a mesma inclui os seguintes direitos:

  • a) O direito de escolher nossa religião de acôrdo com nossa consciência.
  • b) O direito de reunião com propósitos de culto, para adorar a Deus, cantar, orar, dar testemunhos, pregar, etc.
  • c) O direito de propagar a fé. Isto é parte integrante do culto cristão. Uma proibição legal que afete êste aspecto da liberdade religiosa desnatura a religião de Jesus. Ordenou Êle: “Ide por todo o mundo, e pregai o evangelho a tôda a criatura.” Segundo a parábola do grão de mostarda, o reino de Deus deve crescer. É atentatório à liberdade de culto reservar zonas geográficas de um país para a evangelização por parte de um credo privilegiado, excluindo-se delas as demais igrejas.
  • d) O direito de publicar e fazer circular livros, revistas e folhetos sôbre assuntos religiosos sem prévia censura; o de usar o rádio e todos os meios lícitos de divulgação religiosa.
  • e)  O direito de dirigirmos nossos lares segundo as normas cristãs. Para isso devemos opor-nos a tôda ideologia que pretenda tirar os filhos do lar e da custódia de seus pais para educá-los em institutos do Estado, porque é nos primeiros anos da vida que se lançam as bases firmes e permanentes do caráter e da convicção religiosa, que encaminham todo o curso da existência.
  • f) O direito de ensinar a nossos filhos as crenças religiosas de seus pais em nossas próprias escolas, sustentadas e dirigidas com base em nossos princípios. Não somos partidários da implantação do ensino religioso nas escolas públicas, nem cremos no ensino livre mantido pelo Estado, porém sustentamos que cada confissão religiosa deve ter o direito de fundar e dirigir suas próprias escolas, e estamos dispostos a manter as nossas ainda que à custa de sacrifícios, porque as crianças e os jovens constituem a mais preciosa herança e esperança da igreja, e qualquer sacrifício que se faça por êles será mais que compensado.

Somos Guardiães da Liberdade Religiosa

  • 5. O quinto princípio é que Deus nos constituiu, como Seus filhos, em guardiães natos da liberdade religiosa, e temos o sagrado dever de cumprir com zêlo tão alta investidura.

Na defesa dêste direito, temos que empenhar nosso interêsse, nossa energia e nosso mais decidido esfôrço. Deus enviou a Seu povo mensagens inspiradas e muito claras a respeito.

Comentando a decisão dos príncipes alemães reunidos na Dieta de Spira, na época da Reforma, em 1529, quando resolveram ousadamente repelir o decreto do imperador Carlos V, pois, “em assuntos de consciência — afirmaram — a maioria não tem poder”, lemos:

“O estandarte da verdade e liberdade religiosa que êstes reformadores arvoraram, nos tem sido confiado neste último conflito. A responsabilidade dêste grande dom pesa sôbre aquêles a quem Deus abençoou com o conhecimento de Sua Palavra.” — Test, for the Church, Vol. 6, pág. 402.

E lemos ainda:

“Como um povo não temos cumprido a obra que Deus nos confiou. Não estamos preparados para o desfecho ao qual nos levará a imposição da lei dominical. É nosso dever, ao vermos os sinais do perigo que se aproxima, despertar-nos para a ação. Que ninguém se assente em calma expectativa do mal, confortando-se com a crença de que esta obra terá de prosseguir porque a profecia o predisse, e que o Senhor guardara o Seu povo. Não estamos cumprindo a vontade de Deus se nos deixarmos ficar em quietude, nada fazendo para preservar a liberdade de consciência.” — Testemunhos Seletos, Vol. 2, págs. 320 e 321.

Por isso a igreja trabalha em todos os países por meio de seu Departamento de Liberdade Religiosa: a) realizando visitas aos magistrados, autoridades e personalidades de influência; b) publicando artigos em nossos periódicos, e em diários e revistas seculares; c) produzindo e divulgando folhetos especiais sôbre assuntos de liberdade religiosa; d) instruindo a igreja acêrca de seus deveres e privilégios neste terreno.

O Grande Princípio de Separação Entre a Igreja e o Estado

6) O sexto e último elemento que implica a liberdade religiosa é que, como um povo, sustentamos enfaticamente e lutamos com tôdas as nossas fôrças para fazer triunfar o grande princípio de separação entre a Igreja e o Estado, princípio que é também ensinado nas Escrituras (S. Luc. 20:25; S. João 18:36). É êste um princípio tradicional adventista, e onde quer que ainda não haja sido implantado, deve constituir um dos objetivos de nosso trabalho como igreja.

Cremos que êste sistema é próprio das estruturas estatais mais avançadas, tende ao progresso material e moral do país, e favorece a independência e a pureza da religião.

Juntamente com muitos outros grupos religiosos, sustentamos que esta separação constitui o único regime político que garante a mais ampla e efetiva liberdade religiosa, e a igualdade perante a lei. *

Conclusão

Depois de tudo o que dissemos, contudo, temos que nos lembrar que, tudo quanto se faça, não conseguirá senão protelar a hora da crise e perseguição que virá sôbre tôda a Terra contra os fiéis filhos de Deus.

As profecias estabelecem que os perigos e restrições se irão intensificando até que sobrevenha o grande conflito final, que porá à prova nossa lealdade ao Senhor.

Por isso nossa maior preocupação deve ser, enquanto lutamos para defender os direitos da consciência e a liberdade religiosa, conseguir o preparo espiritual que necessitaremos para essa hora, desenvolvendo: a) uma comunhão mais íntima e vital com Cristo; b) um conhecimento completo das Escrituras; c) um espírito de prudência, sabedoria e mansidão; d) a paciência e a fé característica dos santos; elementos que nos permitirão transpor triunfantemente os tempos de angústia, e nos conduzirão finalmente à cidade de Deus.

* Para mais informações e documentação sôbre êste aspecto do tema, ver o trabalho intitulado “La Separación de la Iglesia y el Estado. El problema religioso ante la reforma de la Constituición. La posición de la Iglesia Adventista expuesta por F. Chaij”.

N. da R. — Conquanto êsse trabalho seja de interêsse local da nossa igreja na Argentina, os obreiros do Bra-sil verão nêle valiosas idéias sôbre liberdade religiosa.