No livro clássico de Teodósio Dobzhansky, Genetics and the Origin of Species, segunda edição, página 8, lemos esta asserção: “Na presente geração, nenhuma pessoa informada entretém qualquer dúvida quanto à validade da teoria da evolução no sentido em que ela se tem apresentado”.

Após ter lido essa afirmação, pus-me a corresponder com o Dr. Dobzhansky, e nossa discussão quanto à veracidade dessa declaração se estendeu a sete ou oito cartas cada um. Evidentemente foi o primeiro contacto que teve com um crente na criação especial, e depois do nosso debate êle sintetizou: “A crença da maioria dos cientistas de que, se alguém dispõe de dados suficientes sôbre um problema mais do que outro seja capaz de obter, e se se der ao trabalho de relacionar-se com êsses dados chegar necessàriamente a determinada conclusão, é incorreta. Evidentemente pode-se ainda rejeitar a conclusão se ela é repugnante. Isto certamente requer correção da declaração da página 8 de meu livro”. Prometeu que, havendo oportunidade de revisar seu livro, corrigiría esta declaração.

Foi, portanto, com inusitado interêsse que compulsei a terceira edição da obra de Dobz-hansky Genetics and the Origin of Species, logo que saiu do prelo. Eis o que li à página 11 dessa edição: “Presentemente, uma pessoa informada e razoável dificilmente pode duvidar da validade da teoria da evolução. As raríssimas exceções (como o Sr. Marsh em 1947) apenas provam que algumas pessoas têm prevenções emocionais e fortes preconceitos capazes de fazê-las rejeitar mesmo as descobertas científicas completamente estabelecidas”.

Penso que diria pouco afirmando que fiquei pasmado. Escrevi novamente ao meu amigo de Nova York para protestar contra a inveracidade de sua declaração. Êle respondeu amàvelmente, mas me pareceu com certo orgulho, magoado por me ter sentido como me senti em face de sua declaração, e assegurou-me que, na próxima oportunidade de revisão do livro, omitiría meu nome dêsse trecho. Escrevi-lhe mais uma vez, procurando tornar bem claro que meu protesto não era especificamente contra o uso de meu nome mas contra a representação deturpada de todos os criacionistas. De novo lhe pedi, como o fizera várias vêzes antes, que me citasse um único caso em que eu, como criacionista, rejeitasse “descobertas científicas completamente estabelecidas”. Isto foi, porém, o final de nossa correspondência, porque não respondeu mais.

O Dr. Teodósio Dobzhansky é professor de zoologia na Universidade de Colúmbia, um dos nossos geneticistas da mais elevada classe e principal defensor da evolução em nossos dias. Sua asserção de que uma pessoa, para ser criacionista, precisa rejeitar “descobertas científicas completamente estabelecidas” é de grande influência não sòmente entre as massas como também entre os cientistas. O Dr. Dobzhansky é homem sincero, mas como ocorre com a maioria de outros evolucionistas, deixa de perceber a grande diferença que há entre a verdadeira ciência e a filosofia da ciência.

Para os gregos que viveram antes do nascimento de Cristo, a filosofia e a ciência eram uma só coisa, e na Idade Média ambas estavam amarradas à religião e mantidas numa condição estática por séculos. Dizemos que a ciência não podia progredir no decorrer da Idade Média devido ao dogmatismo estreito da Igreja Católica, que mantinha sua influência embrutecedora mediante uma eficaz boicotagem econômica contra qualquer que ousasse expressar idéias contrárias aos aberrantes dogmas científicos conservadores da Igreja. O movimento da Renascença, com o desenvolvimento do método experimental de estudar a Natureza, conduziu a uma separação gradativa da ciência e da filosofia, e elas, por sua vez se separaram da religião. A ciência, que era então chamada filosofia natural, passou a ser baseada na dinâmica de Newton, enquanto os seguidores de Kant e Hegel libertaram a filosofia idealista da Metafísica. No século dezoito e no comêço do dezenove, a ciência passou a ser considerada como divisão da Filosofia denominada Filosofia Natural,significado ainda mantido no grau acadêmico de “Doutor em Filosofia”, que ainda se concede a pessoas que fizeram curso totalmente nos domínios das ciências naturais empíricas.

Os cientistas de nossos dias falam de modo muito depreciativo do que era ensinado sob o nome de ciência durante a Idade Média. Era a época dos escolásticos; época do culto extremo da autoridade em tudo. O estudo direto da Natureza era desacoroçado como sendo anti-cristão e o tempo reservado ao estudo da ci-ência era gasto meditando sôbre tomos escritos por homens como Aristóteles e Galeno, e em estudar as asserções dos mestres escolásticos. Qualquer interrogação no espírito do aluno acêrca da verdade de um ponto científico era sufocada por uma declaração altiva e conclusiva: “Disse-o o mestre”. A opinião dos mestres escolásticos era final em determinar o que era correto e incorreto. Certamente os cientistas de nossos dias se justificam plenamente quando julgam que a época da autoridade foi um tempo em que o avançamento da verdade científica ia a passos de tartaruga.

Com demasiada freqüência, porém, entre os cientistas modernos encontramos de novo grave confusão de espírito sôbre o que pertence à ciência e o que pertine à Filosofia, e como resultado desta confusão vemos certos cientistas exigindo hoje a mesma espécie de acatamento à autoridade que produziu a estagnação da ciência e mutilou a liberdade individual de opinião durante a Idade Média. Encontram-se exemplos desta confusão de pensamento na asserção de Dobzhansky, atrás referida de que um criacionista, para justificar sua posição científica, tem que rejeitar descobertas científicas completamente estabelecidas; e na seguinte declaração que encontramos no novo tratado de Biologia Geral do Dr. Gordon Alexander: “A evolução orgânica es-tá plenamente provada como a maior parte dos princípios científicos. As provas da evolução não são apenas suficientes; são esmagadoras. O fato da evolução orgânica constitui parte do pensamento de tôda pessoa que se preza de ser biologista. Desta forma, não há controvérsia entre os biologistas quanto à existência do processo, embora haja alguma divergência quanto aos métodos pelos quais êle ocorre”. — General Biology, pág. 808 (grifos supridos).

Assim, na opinião dêstes dois preeminentes biologistas, Dobzhansky e Alexander, os cientistas criacionistas são taxados respectivamente de anticientíficos e incorretos. Esta confusão de conceito, mesmo entre figuras exponenciais da ciência, surge quando o homem, no seu pensar, deixa de distinguir entre ciência e filosofia. Os adventistas fazem uma contribuição positiva neste ponto ao demonstrarem onde se situa esta confusão.

O escopo da ciência natural empírica, consoante definição dos próprios cientistas, é o campo restrito do conhecimento que se vale de dados objetivos, medíveis e demonstráveis de nossa experiência. Limita-se a dados sensíveis, isto é, evidências sujeitas e dependentes dos processos sensoriais de nossa experiencia. É importante ter-se em mente que os dados da ciência empírica são como externos a ação mental e independentes dela. Êles são apenas anotados e registrados quando observados. estes característcos dão ncia seu objetivo e verificam idade universal. Nenhum coeficiente pessoal ou proposição racional podem penetrar na objetividade de seus dados. Têm que ser anotados e registrados por aquilo que se manifestam ser. O cientista de laboratório é exato em sua profissão e leal à verdade sòmente quando registra o que observa sob as circunstâncias indicadas. Esta é a ciência empírica, demonstrável, verdadeira.

A maioria dos evolucionistas de nossos dias confundem a ciência empíríca com a ciência especulativa. Evidentemente isto ocorre por deixarem de reconhecer o fato de que a prova científica é de duas espécies: a coerciva e a persuasiva. A prova coerciva é de natureza que pode ser demonstrada. Ninguém pode duvidar dela porque é òbviamente verdade. Podíamos ilustrar com a prova de que vivemos numa Terra redonda. Devido à prova de que nossa Terra é redonda ser tão conclusiva, que não admite outra explicação, dizemos que é prova coerciva. A ciência empírica consiste de tais provas. Podemos acrescentar exatamente aqui o pensamento de que evidentemente não existe nenhuma prova coerciva que apoie diretamente o problema da origem das espécies básicas de plantas e animais.

E para ilustrar a segunda espécie de prova, ou seja a chamada persuasiva, tomemos a estrutura óssea dos membros dianteiros dos animais vertebrados. No braço do homem encontramos o úmero, o cúbito e o rádio. Do mesmo modo, no membro dianteiro do cavalo, da vaca, do porco, do gato, do cão, da baleia, do morcêgo, da tartaruga, do pássaro e, na verdade nos membros dianteiros de todos os vertebrados que têm membros, encontramos o úmero, o cúbito e o rádio. Suponhamos que diante de nós se coloque uma mesa e sôbre ela se estendam os ossos articulados dos membros dianteiros dêstes vertebrados. Eis uma prova objetiva de natureza coerciva: de que os membros dianteiros de todos os vertebrados possuem um úmero, um cúbito e um rádio. Tanto o evolucionista como o criacionista concordam neste ponto porque ambos vêem a prova com os olhos e a apalpam com as mãos. Na verdade, todos os invertebrados que tenham pernas dianteiras, têm êstes três ossos.

Neste ponto, porém, termina a ciência empírica. O evolucionista avança para a mesa, contempla aquêle material e diz: “Eis a prova de que todos êstes animais evolucionaram através dos mesmos antepassados primitivos.” O criacionista analisa os objetos que se acham sôbre a mesa e diz: “Eis a prova de um Criador com um plano estabelecido, evidência que comprova a verdade de um Gênesis literal.” Qual o cientista que está certo? Esta é uma indagação que a ciência empírica ou real não pode responder. Prova desta espécie, suscetível de explicações de, pelo menos, dois pontos-de-vista, é denominada prova persuasiva.

É fato de extraordinária importância que cada ponto da prova que apoia diretamente o problema das origens é da natureza persuasiva. Os evolucionistas alinham muitos pontos de prova, dos campos da taximonia, morfologia, embriologia, fisiologia, paleontologia, distribuição geográfica, genética, etc., mas, ao fazerem isso, deixam estranhamente de notar que nenhum ponto desta prova é de natureza coerciva. Ao contrário, como no exemplo dos ossos dos membros superiores dos vertebrados cada caso é suscetível de explicação de, pelo menos, dois modos.

O criacionista precisa ser enérgico em fazer o mundo saber que aceita todo ponto de descobertas científicas completamente estabelecidas. Êle aceita todo ponto porque se as descobertas científicas são completamente estabelecidas então são de natureza coerciva; isto é, são empíricas, reais, demonstráveis, e como tais estão em harmonia com as declarações literais da inspirada Palavra de Deus. O Autor dos fatos da ciência natural empírica e das Escrituras é o mesmo Deus.

Quando cientistas como Dobzhansky chegam a crer que os criacionistas, a fim de manterem sua teoria intacta, rejeitam descobertas científicas completamente estabelecidas, estão confundindo os dois níveis de ciência. Confundem a ciência empírica, que existe no nível baixo do domínio do demonstrável, com os mais nebulosos níveis superiores de ciência, que não é de natureza coerciva mas especulativa ou filosófica. Quando os cientistas não são capazes de distinguir entre a prova coerciva, real e explicações especulativas, a ciência sofreu nova queda e seu futuro é na verdade sombrio. Um tal estado de coisas constituiría uma segunda Idade Média.

A triste situação a que caíram tantos cientistas de nossos dias resultou de sua recusa em aceitarem as Escrituras como o Livro-guia do homem. No remoto século dezoito e especialmente no dezenove, as ciências empíricas firmaram-se por si mesmas, seguiram seus próprios dados e criaram sua própria metodologia. As ciências tornaram-se crescentemente orgulhosas de suas consecuções na esfera natural de operação. Tornaram-se arrojadas em fazer pronunciamento sôbre questões filosóficas e religiosas. Dêsse modo, as ciências abandonaram a legítima esfera do nível empírico e penetraram no cientifismo, no qual as ciências pretendem para si mesmas tôda a esfera do conhecimento humano. Na opinião dos cientistas, a fé religiosa, longe de ser considerada uma fonte de conhecimento, se torna quando muito um asilo para a ignorância.

Muitos cientistas de nossos dias, tendo pouco ou nenhum respeito pela Bíblia como livro inspirado, e crendo na natureza autônoma do espírito humano, pretendem para suas pesquisas mais do que os dados e as circunstâncias permitem. Trazem para seus dados uma estrutura de pensamento que os leva a uma interpretação não contida nos próprios dados. Trabalham sôbre pressupostos que têm significações determinantes para suas conclusões, a ponto de suas pesquisas, não raro, os levarem muito além das conclusões justificadas pelos seus estudos.

O cientista que opera na esfera da ciência empírica obtém os mesmos resultados, seja êle comunista, maometano ou cristão. A divergência ocorre no nível especulativo, e o estudante de ciência que não é cristão deixará de reconhecer sua relação com o Criador, e, em lugar dessa relação consciente, porá uma autonomia que condicionará sua interpretação de acôrdo com esta atitude.

Na verdade, os resultados da ciência empírica consistirão de uma relação de fatos observados, medidos, e demonstrados, que por si pouco podem fazer em ajudar o homem a entender o mundo em que vive. Êstes fatos podem ser tratados em nível mais elevado e especulativo, classificados e incluídos em generalizações que tornarão as coisas naturais razoáveis, compreensíveis e suscetíveis de novas investigações. O cientista não-cristão, com sua falsa confiança na autonomia do espírito humano, é qual navio ao mar com as velas pandas de vento forte, mas sem mapa, bússola nem leme. Seu grito acadêmico é: “Deixar os fatos seguirem para onde querem!” e avivado pelo deus do engano, chega a concluir que êstes fatos indicam que a Bíblia não é um livro inspirado.

O adventista estudioso da ciência, porém, compreende que os fatos não seguem para onde querem, em qualquer mente. Ao contrário, a estrutura do pensamento dirige os fatos. Por conseguinte, crendo que a Bíblia é um livro que contém aquêles pontos básicos de informação essencial ao homem na construção de uma filosofia correta, o adventista estudioso da ciência lança seus fundamentos nas asserções do Escrito Santo. É neste nível mais elevado da ciência — o nível especulativo — que evolucionistas e criacionistas se separam. Ambos aceitam todos os fatos da ciência empírica ou estabelecida, mas ao decidirem sôbre o significado dêstes fatos demonstráveis êles têm que— como cavalheiros — concordar em discordarem.

O que é lamentável é que um cientista averbe outro cientista de anticientífico apenas porque o último, nos domínios da ciência especulativa ou persuasiva, chega a conclusão diferente. Os evolucionistas hodiernos estabeleceram suas próprias opiniões como autoridade no terreno do persuasivo, e imitando o exemplo infeliz dos escolásticos dogmáticos da Idade Média, declaram que qualquer opinião divergente é herética e anticientífica. A menos que os cientistas modernos possam aclarar seu pensamento com relação à enorme diferença entre ciência real e ciência especulativa, a descoberta da verdade natural descerá para uma segunda Idade Média, e o roufenho brado: “Disse-o o mestre” ecoará lùgubremente de novo das paredes do cárcere da ciência natural.

O estudante criacionista da Natureza experimenta grande satisfação em construir sua filosofia da Natureza sôbre as afirmações da Bíblia. É sòmente à luz destas grandes verdades que a Natureza animada e inanimada pode hoje ser entendida. Sòmente à luz da criação, é que hoje se podem entender o aspecto da Natureza e a entrada do pecado, o conflito entre Cristo e Satanás, e a redenção unicamente pela morte de Cristo, O adventista compreende as leis e processos naturais como sendo manifestações do poder de Deus. Deus instituiu estas leis e proces-sos no princípio, e desde aquêle tempo serviu-Se delas como instrumento para a manutenção do mundo natural. O grande biologista Luiz Pasteur disse: “Oro enquanto trabalho no meu laboratório.” O adventista aproxima-se da Natureza com a mesma reverência, pois não é seu inteiro objetivo e esfôrço pensar os pensamentos de Deus?