CLIFFORD A. REEVES

(Evangelista, Associação do Sul de Nova-Inglaterra)

NENHUM cristão — e menos ainda o obreiro de Deus — pode deixar de ser teólogo. Poderá ser um teólogo confuso. Poderá ser um teólogo inconsciente e irresponsável. Poderá ser um teólogo mal-informado. Mas não pode ser cristão sem ter uma teologia de alguma espécie.

Qualquer evangelismo que é vigoroso bastante para atender ao repto dêste tempo tem que apresentar vividamente ao homem moderno, imerso como está na lama do materialismo, o Cristo que é a resposta absoluta e adequada para tôda necessidade do homem nesta era atômica. Portanto, é imperativo que o evangelista possua uma teologia correta. Nenhuma quantidade de zêlo e fervor suprirá esta falta; Êm verdade, difícil é compreender como alguém que tem que proclamar a última mensagem divina aos homens, possa deixar de ser levado a um sério estudo teológico. Responsabilidade enorme é ousar transmitir a palavra da verdade divina aos nossos semelhantes — uma palavra que tem em si para êles infinitas possibilidades de vida — ou de morte.

Definição de Teologia Cristã

O têrmo teologia provém das palavras gregas theos e logos, e originalmente significava um discurso acêrca de Deus. Como um fase da teologia prática, o evangelismo está intimamente relacionado com a teologia propriamente dita. Tem sido dito que a teologia cristã “é a tentativa de modificar o pensamento do homem de forma que atue como cristão.” Os evangelistas.; são professores de teologia. Sua função é disseminar conhecimento concernente a Deus e a tudo, quanto revela a Sua natureza. Tem o evangelista que possuir compreensão nítida de Jesus Cristo, do Espírito Santo, da propiciação, da Bíblia, da igreja e da escatologia. Tem que conhecer a Natureza como uma manifestação da sabedoria e do divino poder criador, e a história humana como uma demonstração da revelação dos propósitos do Todo-poderoso. O evangelista só pode ser usado pelo Espírito Santo para converter e santificar os homens na medida em que saiba manejar “a espada do Espírito, que é a Palavra de Deus.” (Efé. 6:17). Nesse sentido, diz o Dr. A. H. Strong que o objetivo do instrutor cristão deve ser substituir as concepções obscuras e errôneas entre seus ouvintes, pelas que são corretas e vividas. Não pode êle fazer isto sem conhecer os fatos com elas relacionados — conhecê-los, enfim, como partes integrantes de um sistema. Com esta verdade êle é merecedor de confiança.

Mutilá-la ou deturpá-la não sòmente é pecado contra o seu Revelador; pode tomar-se a ruína da alma. A melhor salvaguarda contra tais mutilações ou maus testemunhos é o diligente estudo das várias doutrinas da fé em sua relação mútua, e especialmente para com o tema central da teologia — a pessoa e obra de Jesus Cristo.

Nós, adventistas, não temos uma confissão de fé estritamente teológica como um grande volume que compreenda um milhar ou mais de páginas de expressão sistemática; não possuímos credo denominacional rígido; mas temos uma definida teologia adventista do sétimo dia. Ela é o corpo de verdade a que nos referimos quando falamos de uma pessoa “aceitar a verdade.” Somos gratos a Deus pelos nossos vanguardeiros que dedicaram mui-tos dias e noites à fervorosa pesquisas da Palavra em busca de uma verdadeira teologia. Depois da passagem do tempo, em 1844, pesquisaram a verdade como em busca de tesouros escondidos para firmar os marcos da fé. Diz a Sra. Ellen G. White:

Nós nos reuníamos com o coração opresso, orando para que tivéssemos todos uma fé e uma dou-trina. … Um ponto de cada vez era tomado como assunto de investigação. As Escrituras eram abertas com o senso de reverência. Muitas vêzes jejuávamos, para que pudéssemos estar em melhor condição de compreender a verdade. Depois de fervorosa oração, se algum ponto não era bem-compreendido, êle era analisado e cada um expressava a sua opinião livremente. … Muitas lágrimas eram derramadas.

Muitas horas gastávamos dessa maneira. Às vêzes passávamos a noite inteira em solene investigação das Escrituras, para podermos compreender a verdade para o nosso tempo.

Os Teólogos Evangelistas do Passado

Olhai a História passada. A era das vitórias espirituais, das conquistas evangélicas e das reformas vitais foram as de poderosa pregação evangélica com base numa teologia revitalizada. Mais do que coincidência é que Deus tenha usado homens de saber escolástico para acender a chama do evangelismo com renovado brilho quando destemidamente pregaram a verdade para a sua época.

Paulo de Tarso, poderosamente possuído de Deus, executou com clareza a forma da mensagem cristã e lançou os profundos alicerces da Igreja. Versado na teologia hebraica, na jurisprudência de Roma e na filosofia da Grécia, tornou-se o inigualável evangelista de seu tempo. 

‘Agostinho, notável entre os Pais da Igreja e em alguns sentidos vanguardeiro da Reforma; era, quando jovem, professor de retórica. Ao conver-ter-se, empenhou o seu gênio potente no estudo e defesa das grandes doutrinas cristãs. De seus escritos, Lutero e outros reformadores auferiram fortaleza e inspiração.

João Wycliffe, campeão da Bíblia aberta, era professor em Oxônia quando começou a proclamar que Cristo é o único Senhor do homem. Revoltado contra os abusos da Igreja, proclamou a doutrina de que as Escrituras são a suprema autoridade e a única regra de fé. Suas crenças teológicas influenciaram João Huss, e por meio de Huss, Lutero e os morávios. Assim se tornou a estrêla matutina da reforma.

Quando aos trinta e quatro anos de idade Martinho Lutero pregou na porta da igreja, suas históricas teses, naquele dia de 1517, por certo não pensava em que se tornaria o fundador do protestantismo. As teses dêsse doutor em teologia e professor da Universidade de Wittenberg conduziram ao reexame das próprias bases da salvação e da natureza da verdadeira igreja. Lutero abalou um continente até aos seus alicerces ao soarem, quais trovões, os sermões do indomável reformador, até aos confins da Terra, e multidões apossaram-se do tesouro da justificação por meio do Salvador crucificado.

Numa noite de verão de 1536, um jovem estudioso francês, João Calvino, parou numa pequena estalagem de Genebra, Suíça. Aspirava êle a uma carreira erudita de estudo e escritos. Havia poucos meses antes, na idade de vinte e seis anos, publicara uma das maiores obras teológicas de todos os tempos — os Cursos da Religião Cristã. Compareceu à estalagem, naquela mesma noite, um grande pregador evangélico chamado Guilherme Farei. Êle por fim persuadiu Calvino a permanecer em Genebra e consolidar a obra da reforma já começada. Desde então a influência de Calvino em sua própria geração e nas vindouras tornou-se incomensurável. Quase não existe hoje uma subdivisão da cristandade protestante que não sinta de alguma maneira a teologia e o trabalho prodigioso dêsse forte e brilhante homem de Deus.

Poucas vêzes concedeu Deus à Igreja um líder com tantos dons, um pregador tão inspirado e um organizador tão capaz quanto João Wesley. A vida da Igreja na Inglaterra e na América tornara-se rígida e frígida. Os pregadores eram indolentes e insípidos os seus sermões. O ateísmo, a imoralidade, a bebedice e a corrução prevaleciam por tôda parte. Então Deus “de maneira estranha aqueceu”, com os fogos do evangelho o coração de um pregador, e naquela meia-noite de trevas espirituais acendeu-se um reavivamento da cristandade evangélica que exerceu sôbre a Inglaterra e sôbre o mundo de fala inglêsa daquela época, uma impressão que o tempo não apagará. Billy Graham, ex-presidente da Northwestern School, Minneapolis, expos recentemente sua convicção de que Wesley foi o maior dos evangelistas dos tempos modernos e sugeriu que parte do poder de Wesley consistia em que era homem de cultura teológica. 

Sim, a verdadeira teologia cristã e o evangelismo eficaz estão indissoluvelmente ligados. Quando Cristo Se revelou à mulher junto ao poço, apresentou-lhe o que foi chamado de “a mais profunda verdade teológica dá Bíblia.” Disse Êle: “Deus é Espírito, e importa que os que O adoram O adorem em espírito e em verdade.” (S. João 4:24). Ao falar Êle à samaritana, o evangelismo para Êle significava fazer dela não somente uma cristã, mas também uma evangelista, pois ela correu à aldeia para transmitir a divina revelação que recebera.

A Dupla Tarefa da Igreja Cristã

Muito cedo em sua história, a primitiva igreja cristã reconheceu que tinha perante si uma tarefa dupla. A mera proclamação do evangelho não era suficiente. Tinha que ser feito esfôrço subseqüente que era dirigido no sentido de conservar e aperfeiçoar as reações da fé nos que reconheciam que criam nos mensageiros de Cristo. A pregação apostólica que salientava a proclamação das boas-novas era chamada kerygma. Destinava-se aos não cristãos. O ensino apostólico que visava à aplicação do evangelho à vida e à instrução de novos con-versos, era chamado didache. O primeiro precedia o último. A necessidade de ambos é encontrada através de todo o Novo Testamento. E ainda é a necessidade dupla da igreja mesmo agora. O obreiro de Deus tanto tem que ser instrutor como anunciador. A comunicação de uma teologia sã tem que acompanhar a proclamação da mensagem. Uma razão por que certo evangelismo haja produzido pouco bem duradouro, é que a proclamação não foi acompanhada nem seguida de ensino forte e bom. Demasiadas vêzes os conversos não estavam profundamente convertidos nem doutrinados. Como a menina que caiu da cama, êles “dormiram muito próximo do lugar em que entraram.”

Conquanto estejamos agradecidos por todo o discernimento que a psicologia nos possa haver concedido, o evangelista que é inspirado pela psicologia mais do que pela teologia, inclina-se a perder o direito de dizer: “Assim diz o Senhor.” Pode êle expulsar demônios de temor e ansiedade e produzir paz de espírito e o senso do viver confiante. Mas será um procedimento humano com pouca relevância para o reino de Deus e para a proclamação da mensagem de advertência dos últimos dias.

Ainda mais, o evangelismo que está verdadeiramente alicerçado numa sã teologia terá uma vigorosa objetividade que eficazmente guarda contra o subjetivismo sentimental de certos tipos modernos e populares de evangelismo em que Jesus, nosso exaltado Senhor, pouco mais é do que o amigo pessoal do crente e cuja tarefa principal parece ser a de manter encontros secretos em algum belo jardim onde “Êle me diz que eu sou Seu” e me comunica alegrias que “ninguém mais provou.”

É de lastimar quando um evangelista assume atitude anti-intelectual para com a teologia. Desacreditar a teologia equivale a desacreditar a própria inteligência. Se o médico tem que conhecer a sua matéria médica; se ao advogado compete estar familiarizado com o código de leis; por certo o evangelista tem que forçosamente conhecer a sua teologia. Ela é a sua infra-estrutura intelectual e sua fôrça espiritual. Não pode êle conhecer demasiado, a menos que seja inteiramente consagrado. Tem êle por tarefa interpretar o evangelho eterno pOr maneiras meditadas que se tornem compreensíveis aos homens e mulheres de moderno pensar.

Intelectualismo Teológico Errôneo

Por outro lado, devemos precaver-nos contra um intelectualismo teológico que exalte indevidamente o conhecimento e transforme os pregadores em traças acadêmicas. Necessário é que tenhamos uma teologia correta. A teologia errada tem produzido resultados funestos inúmeras vêzes na história da igreja. Mesmo hoje estamos presenciando os frutos de falsos sistemas tais como o liberalismo e a neo-ortodoxia. Não podemos aceitar a filosofia Barthiana de que “a Bíblia contém a Palavra de Deus, mas nem tudo que está na Bíblia é necessàriamente a Palavra inspirada de Deus.” Diz mais Barth que a natureza de Cristo era a natureza humana caída, e que Êle não era homem muito notável, mas apenas “um simples rabino que nos impressiona com um pouco de banalidade mais que outro fundador de religião, e mesmo mais que muitos posteriores representantes de Sua própria religião.” “[Emil] Brunner insiste em que não somente Deus não é revelado na vida histórica de Jesus, mas está nela oculto, e tão completamente oculto que nem mesmo Jesus sabia.” 

Em oposição à presunçosa arrogância do pervertido raciocínio humano, nossa teologia deve mostrar-se triunfantemente Cristocêntrica, alicerçada na Bíblia e saturada do motivo de ganhar almas. Com muita precisão diz James S. Stewart: “Não há lugar hoje para uma igreja que não esteja inflamada do Espírito de quem é o Senhor e Doador da vida, nem valor algum na teologia que não seja apaixonadamente missionária.” 

João Bunyan apresenta em seu livro imortal, O Peregrino, um quadro frisante do evangelista. Ao cristão foi mostrado na casa de Intérprete, um retrato de Evangelista, pintado como pessoa muito grave, com os olhos erguidos para o Céu. Tinha nas mãos o melhor dos livros, a lei da verdade estava escrita em seus lábios, o mundo estava-lhe atrás das costas; sua aparência era de quem insistia com os homens, e tinha na cabeça uma coroa de ouro.

Ao nos aprestarmos novamente para a tarefa titânica do evangelismo que nos está à frente e para a terminação da obra, tenhamos sempre entre as mãos e no púlpito “o melhor dos Livros.” Podemos pregar-lhe as verdades com vibrante certeza. Diz Sir Frederic G. Kenyon, notável autoridade: “Pode o cristão ter entre mãos a Bíblia completa e dizer sem temor nem hesitação que nela tem a verdadeira Palavra de Deus, transmitida sem perda essencial de geração a geração, através dos séculos.” 

O mundo está agora esperando por uma nova definição do evangelho e por uma nova demonstração de seu poder. O impacto decisivo da tríplice mensagem angélica far-se-á tanto mediante o conteúdo de sua doutrina como pela consagração de seus discípulos. Com santidade pessoal e amor intenso às almas, unamos a teologia forte, escriturística e erudita.