ARTUR L. BIETZ 

(Pastor da Igreja White Memorial)

Capítulo XI — Mantenhamos Atitude de Segurança

SENTIMENTO mais marcante que se manifesta em minha personalidade é o de inferioridade. Creio que não me valorizo na justa medida. Lembro uma ocasião em que mantinha amizade com certo jovem que me agradava. As outras moças do internato não o apreciavam, e confundiram tanto a minha opinião, que optei pelo rompimento da minha amizade com êle. Lembro-me de que, por não confiar em mim própria, estava muito desejosa de escutar os conceitos que elas dêle faziam. Ainda agora, embora saiba que tenho razão, sempre temo que minhas opiniões não sejam aceitas.” A dificuldade da moça que assim se expressava, fornece-nos um bom exemplo dos sentimentos de incerteza que atribulam muitas pessoas. As perplexidades quanto ao nosso próprio valor são causas produtoras de enfermidades mentais e emocionais.

O sentimento de desamparo sempre acarreta a perda da estima própria. A incapacidade de amar implica no sentimento de falta de mérito próprio e de inferioridade. Quem pouco se valoriza, terá que valorizar o mundo e a sociedade em forma idêntica. Quem se considera inútil, crê que o mundo também o considera de igual modo. A pessoa ameaçada ou insegura, geralmente é considerada pelas demais como irritável e nervosa. Amiúde se caracteriza por ser suspicaz, invejosa, temerosa, irritável, instável e introvertida. Ou, ao contrário, pode ser tida como demasiado agradável ou dominante. Por exemplo, a risada forçada de uma pessoa insegura é diferente da franca e espontânea de quem possui confiança no aprêço que os demais por êle sentem.

O inseguro tem o desejo veemente de ser amparado por outros. O sentimento de desamparo quase sempre acarreta a ponderação excessiva da potencialidade dos demais. Esta superestimativa dos valores alheios provoca agressividade na pessoa e fá-la combativa em suas relações com êles. Sofre de um marcante sentimento de superioridade e valor, porque raciocina: “Se sou superior a todos, estarei livre dos perigos existentes no mundo. Valerei alguma coisa aos meus olhos e aos olhos do mundo. Sim, também chegarei a ser amado.” O inseguro primeiramente se sente ameaçado e depois se esforça por alcançar superioridade e valor. Depois experimenta nova ameaça, que é potencialmente mais intensa que a primeira, porque supõe que alguém pretende frustrar-lhe os planos e prejudicar os êxitos. Portanto, redobra os esforços, e assim o sentimento de insegurança leva-o a um círculo vicioso, cujo resultado é uma infelicidade extrema.

As pessoas emocionalmente inseguras realizam esforços constantes para defender-se. Provavelmente por essa causa são egoístas e exigentes em seu comportamento. O egoísmo sempre é uma compensação da falta de amor e estima próprios. O presumido não é orgulhoso, é inseguro. Os que sofrem dêste desequilíbrio emocional têm a tendência de apegar-se a qualquer coisa posta ao seu alcance, a fim de contar com um apoio maior. Nada temem tanto quanto perder a segurança ou a estima dos demais. Nenhum sofrimento é tão intenso quanto o que experimentam quando se sentem repudiados. Tais pessoas demonstram júbilo quase desenfreado ao receber o menor elogio ou ao alcançar uma vitória secundária. Mas a crítica mais leve leva-os aos desespêro.

A obrigação básica de um homem para consigo mesmo é a de custodiar a integridade. “Proteger o rosto”, é uma divisa oriental bem conhecida, e quando perdem a integridade, muitos orientais recorrem ao suicídio. Ninguém que haja perdido a própria estima pode viver com felicidade. Quem não pense bem de seu vizinho e não o respeite não poderá amá-lo. O amor aos demais é o resultado natural da boa vontade para consigo próprio; quem não sente amor a si mesmo não pode amar a outros. Quem despreza e odeia a si pró-prio observará a mesma atitude para com quem lhe está próximo.

Um dos maiores crimes que podem cometer os sêres humanos é roubar a outrem a segurança e o respeito próprios. Ao perder-se isso, tudo está perdido. Se tem estima própria, a pessoa pode suportar provações e privações, mas se a perde, experimentará fracasso completo e abandonará a luta pelo êxito.

A pessoa insegura sente necessidade profunda de ser amada, que se traduz por um sentimento definido de não ser querida dos demais. Durante a lactância, os infantes experimentam a primeira satisfação de ser amados. Desfrutam dêsse prazer que constitui o comêço de sua experiência do amor. As crianças que não receberam suficiente amor e compreensão, adoecerão de falta de estima própria. Ao sentir-nos amados experimentamos a sensação de que valemos alguma coisa. Em caso contrário, nos consideramos inúteis.

Quem tem uma justa estima própria é universalmente admirado e invejado por outros; tais pes-soas muito amiúde são queridas. O inseguro não pode prodigalizar amor e, portanto, não recebe amor.

Para que uma amizade seja proveitosa, as duas pessoas devem ser capazes de infundir-se mútua segurança. O espôso que não seja capaz de conseguir que sua companheira se sinta amada e segura, tampouco receberá dela estas satisfações. A espôsa que repreende e amesquinhe constantemente o marido, destruir-lhe-á tôda a capacidade de dedicar-lhe amor e aprêço. Então o espôso se queixará de não receber amor nem compreensão; mas raramente reconhece que a incapacidade da outra parte, de amar e compreender, tem sua origm em que êle ou ela minaram no cônjuge a estima própria. Se a espôsa não corresponde com amor, é porque perdeu o sentimento de seu próprio valor; e o mesmo sucede com o marido.

As crianças castigadas e repreendidas constantemente, ficam incapacitadas de manifestar aos pais o amor que êstes anelam; a criança deve sentir-se segura de si, antes de manifestar amor aos demais. Ao estar alguém destituído do respeito próprio, deve realizar todos os esforços para recuperá-lo, porque não é possível prodigalizar a outrem o que se não possui

Certo ministro se queixava de que lhe não manifestavam a honra, o amor e o respeito que merecia como pastor ordenado. Entretanto, os membros de sua igreja se queixavam, por sua parte, de que o pastor continuamente os repreendia por não serem o que deveriam ser. Vulnerava êle o espírito de segurança própria de sua congregação, e êles, por sua vez, eram incapazes de manifestar-lhe amor e aprêço. Ninguém pode querer outra pessoa, quando esta ameaça o senso do valor e do respeito próprios.

Dois esposos fizeram o pacto de que quando um dêles sofresse um dissabor, o outro deveria culpar-se. Não é mau êste plano. É possível que a pessoa não consiga satisfazer as necessidades de segurança e estima própria que outra deve ter, a tal ponto que provoque a infelicidade e o infortúnio de ambas. Nos casos de infelicidade conjugal, raramente cabe tôda a culpa a uma das partes. Duas pessoas podem amar-se e, contudo, surgirão entre elas desavenças. Ao fracassar um casal, ambos devem admitir a incapacidade de proporcionar-se mutuamente o amor e a estima própria necessários. Se um é amado e compreendido, não irá em busca de simpatia e compreensão por meios ilícitos. É possível encontrar exceções ocasionais a esta regra geral, mas são raras.

Exemplos há de marcante anormalidade no desenvolvimento mental ou emocional de uma das partes, de modo que a outra deve assumir a maioria das responsabilidades. Devido à sua insegurança geral, algumas pessoas se sentem impossibilitadas de aceitar amor, embora lhes seja oferecido. O inseguro é o pior inimigo de si mesmo; exclui-se precisamente das coisas de que mais necessita. Duas pessoas podem enganar-se mutuamente por um período de tempo tão longo, e criar-se uma situação tão incerta que logo se lhes torne impossível evitar de forma alguma o abismo. Tais resultados sempre são desanimadores. Nas relações humanas há um limite que se não pode traspassar sem destruir tôdas as possibilidades de felicidade e reconciliação entre os indivíduos.

Amor e temor são processos antagônicos. A pessoa que está em estado de temor e insegurança não pode amar. A insegurança produz separação, ao passo que o amor tende a afastar o mêdo. O amor atrai e une as pessoas, estreitando os laços de sua amizade; o temor provoca entre elas a separação e o isolamento.

O ódio é a resposta dada por quem não recebe carinho e compreensão; e êsse é o motivo de as pessoas que possuem a capacidade de suprir as necessidades mútuas, se odiarem com tanto encamiçamento quando malogra o seu amor. Se alguém não espera satisfações dos demais, não é provável que os odeie, se não as recebe. Portanto, diriamos que enquanto duas pessoas se odeiem, isso é sinal de que ainda esperam alguma satisfação mútua de suas necessidades básicas. Quando não se mantém esta esperança por muito tempo, logo desaparece a reação que se manifestara pelo ódio, e a outra parte é considerada meramente uma pessoa qualquer.

Por conseguinte, o ódio se revela como um anseio veemente de amor. Isto significa que unicamente se pode odiar a quem possua capacidade potencial para amar. Provavelmente uma pessoa não odiaria outra se não se preocupasse suficientemente para sentir-se por ela ameaçada, e esta “preocupação suficiente” pode converter-se facilmente na emoção oposta ao ódio. Por esta razão sabemos às vêzes de inimigos encarniçados que ajustam suas divergências e se tornam os melhores amigos. O abismo que separa do ódio o amor é estreito, e com freqüência pode ser transposto em qualquer sentido.

O ódio é empregado muitas vêzes para dissimular um amor demasiado perigoso. Por exemplo, pode ser que uma pessoa se sinta atraída por outra e surja entre ambas um amor profundo; mas podem existir barreiras externas que impeçam a manifestação dêsse amor. Um método que pode  reprimir êsse sentimento é o cultivo da emoção oposta — o ódio — que serve para encobrir os verdadeiros sentimentos. Isso explica que, com freqüência, o amor não correspondido se converte em ódio encarniçado. O amor não correspondido fica em suspenso; e desde o momento em que não recebe retribuição satisfatória, torna-se em sentimento intenso de aversão.

Os que têm atuado como conselheiros conjugais poderão testificar de que os ódios mais encarniçados provêm dos que se amaram no passado. Assisti a uma sessão de tribunal em que um casal unido durante vinte anos tratava de formular declarações relacionadas com o trâmite de desquite. Não é provável que exista outra situação em que um ódio mais intenso sature o ambiente. Em certas ocasiões, a atmosfera se carrega tanto que seria, por assim dizer, até possível cortá-la com uma faca. Pessoas que anteriormente supriam mutuamente suas necessidades básicas de amor, passam, em sua insegurança, a queixar-se de que foram ludibriadas.

As pessoas inseguras que perdem a estima própria não podem nem receber amor, porque se sentem incapazes de amar. As dúvidas quanto à própria capacidade de amar em determinada situa-ção, tendem a abranger outros campos. Quem sofre uma desilusão amorosa, talvez não por culpa sua, tratará, como conseqüência de seu infortúnio, de afastar-se inteiramente de todos os seus amigos. Silas Marner chegou a ser avaro por motivo da malfadada ocasião em que foi falsamente acusado de ladrão.

Amiúde as pessoas inseguras evitam amar por temerem não ser correspondidas. Beatriz encontra-se com Frederico, a quem ama, mas decide não mais vê-lo. Teme que se se enamorar profundamente dêle não será correspondida. Beatriz viveu insegura de suas próprias relações tanto com a mãe como com o pai, e duvida agora da sinceridade e da estabilidade de qualquer amizade. Tais pessoas não podem manter amizades íntimas por temor de mostrar-se tais como são e expor as deficiências que crêem devam manter ocultas. Portanto, as pessoas inseguras evitam amar, pelo temor de sofrerem detrimento na experiência. Os que assim procedem já foram feridos no passado e essa dolorosa lembrança os induz a evitar uma possível repetição de decepções chocantes.

Quem se sente seguro e amado observa conduta tranqüila e natural. Os adolescentes mostram-se inquietos, nervosos e tensos, por sentirem-se inseguros. Quem está confiante em si e nos demais, não encontra dificuldade alguma para sacudir o pêso da tensão. O amor ajuda-o a alcançar a paz mental e a vencer o sentimento de que possa ser repelido. A capacidade de poder realizar alguma coisa e a de poder viver, são duas armas ou ferramentas importantes para triunfar sôbre o mundo externo e a êle adaptar-se. O amor liberta-nos da afrontosa dependência de outros, e da sensibilidade perante a crítica, a burla e o desprêzo. O amor é uma excelente proteção contra a ameaça de solidão e isolamento. Os maiores prazeres experimenta-os quem está seguro e é capaz de dar e receber amor. O amor é a própria essência da vida. O desassos-sêgo a incerteza e o temor, são produtos da insegurança e da falta de amor. Em última instância, o amor é o único antídoto contra o ódio.

Os neuróticos precisam amar-se a si mesmos para sarar. Um conselheiro sensato aproveitará tôdas as oportunidades para formação de uma personalidade equilibrada, a fim de conseguir que a pessoa sinta maior respeito próprio e encontre mais prazer no que faz. O respeito próprio é o único fundamento sôbre que pode ajustar-se em boa forma a personalidade. Quando um enfêrmo emocional encontra segurança em uma amizade pessoal, e ousa aventurar-se por seus próprios meios, e entrega-se aos demais, encontra o caminho para a recuperação da saúde.

Uma senhora cuja vida matrimonial estava próxima do fracasso, solicitou de um conselheiro em assuntos conjugais que falasse com o seu espôso. “Quero que lhe fale sem rodeios. Repreenda-o e diga-lhe que não conseguirá nada com tratar a espôsa e os filhos na forma em que o faz. Diga-lhe que é desprezível e mau. Se o senhor se mostrar severo, êle raciocinará a regressará ao lar, emendando o seu procedimento.”

Ao falar o conselheiro com o espôso, que a êle recorreu espontaneamente em busca de auxílio, encontrou-se com um homem que perdera todo o respeito próprio, por culpa de uma espôsa rezingona e rabugenta. Ela jamais poderia imaginar que suas rabugices impossibilitavam êsse homem de portar-se bem. No esfôrço de reaver a estima perdida, buscou êle novas relações que lhe permitiram atuar normalmente. Ouvira e fôra-lhe repetido com insistência, que todos o odiavam e que ninguém nêle confiava. Buscou com desespêro essas novas relações que lhe infundiram segurança. Ao contar êsse homem à espôsa que o conselheiro não o repreendera, ela se pôs furiosa. Voltou ela ao consultório do médico e o tratou de homem sem energia e de duas caras.

Dificilmente reconhecería ela que a maior causa de sua desgraça conjugal era o seu própria procedimento desatinado com o espôso. Só via a má conduta dêle, mas não conseguia estabelecer a causa motivante. Um conselheiro sensato trata de sopitar os impulsos hostis, manifestando bondade e buscando conseguir que os sentimentos de amor aflorem através do ânimo alterado. O conselheiro trata de ajudar as pessoas a alcançarem a maturidade que favoreça a recuperação dos sentimentos de segurança necessários para a reabilitação da personalidade ameaçada. O conselheiro sábio nunca toma partido numa contenda. Só se interessa em auxiliar as pessoas para que aprendam a valorizar-se, e lhes devota a amizade por cujo meio o paciente pode restaurar seus sentimentos de segurança e respeito próprios.

O amor é a base da segurança e da estabilidade emocionais, quer se trate de um adulto, quer de criança. Ninguém poderá chegar a amar excessivamente ou demasiado bem. Os caracteres mais excelentes são os que foram formados numa atmosfera de amor. Todos nós aprendemos melhor quando estimulados pelo elogio e o amor, do que pela censura ou a indiferença.

A pessoa insegura teme empreender alguma coi-sa; sua realização tem o desenvolvimento tolhido por faltar-lhe a fé em si própria. Tratará ela de restringir seu campo de ação, e empregará mais tempo em buscar evitar a derrota do que em esforçar-se por alcançar o êxito. Dará a impressão de duvidar, de estar parada numa encruzilhada ou de abandonar a luta perante as dificuldades. Não é a falta de talento o que tão amiúde leva ao fracasso, mas sim o senso de inferioridade, de efeitos tão decisivos.

Um justo sentimento de segurança faz que sintamos confiança nos demais, e em nós mesmos. A insegurança engendra enfermidade e insatisfação.