Capítulo X — ORGANIZEMOS NOSSA VIDA SOCIAL DE MANEIRA INTERESSANTE

ARTUR L. BIETZ

(Membro da Associação Médica Americana de Psicologia, Professor de Cristianismo Aplicado no Colégio de Evangelistas Médicos, Pastor da Igreja White Memorial.)

Um homem que tinha dificuldades em suas relações com os demais, foi consultar médico em busca de remédios. Disse êle ao médico:

— Doutor: Ultimamente tenho lido muito acêrca da Medicina Social. Sofri dissabores em meu trato com as demais pessoas; parece que não me apreciam e eu não me preocupo delas. Pensei em que se o senhor me receitasse um ou dois vidros dêsse remédio social eu poderia melhorar minhas relações com essas pessoas.

Numerosas são as pessoas que precisam dessa espécie de remédio; mas, infelizmente, não é possível ministrá-lo em frascos. O resultado inevitável da má compreensão dos semelhantes é a solidão. Quase insuportável é o isolamento. Certo homem tímido que recorreu a um psiquiatra ensina-nos uma lição à maioria de nós outros. Disse-lhe êle:

— Doutor: Ser-lhe-ia possível dividir a minha personalidade? Eu me sinto terrivelmente só.

As pessoas ajuizadas sabem como partilhar a vida com as demais; as socialmente inadaptadas vivem solitárias.

Um dos melhores indícios de saúde mental é a capacidade de manter boas relações com os demais. Certo homem que, em companhia de um amigo, visitou um hospício de dementes, inquietou-se ao ver a atitude pouco amistosa e decididamente hostil de vários enfermos. Disse êle ao amigo, que era funcionário dêsse hospício:

— Não teme você que êsses pacientes o assaltem qualquer dia e matem?

— Não, respondeu o funcionário, não nos preocupamos com isso. Os dementes nunca se associam para fazer seja o que fôr.

Um sinal certo da má saúde mental e emocional é a falta de cooperação com os esforços dos demais sêres humanos. Alguém que não vive em boa harmonia com outros logo experimentará desassossêgo e inquietação. Um sargento que visitava um hospício de dementes ficou intrigado ao ver um enfêrmo que fazia ademanes de jogar beisbol. Interrogado do motivo pelo qual o observava, respondeu:

— Se me desouver com os oficiais que me mandam e com os homens que estão debaixo de minhas ordens, não demorarei em vir para êste lugar. Acho que me convém observar os movimentos dêsse jogador, para que, ao chegar aqui, possa arrebatar-lhe a bola.

A soma total das amizades e das companhias determina a verdadeira índole da personalidade. Uma pessoa não é pessoa, afinal de contas. Os sêres humanos foram criados para uma ação social recíproca, e sem ela não experimentarão progresso nem felicidade. Cada pessoa é a soma total das influências que sôbre ela atuam, as quais são maiormente de natureza social. Antes de que a criança possua a capacidade de raciocinar, a influência dos pais pesa na formação de sua vida. O lar, a igreja e a escola, não obstante tôdas as suas complicações sociais, moldam e edificam a vida de uma pessoa. Quem fôr deslocado pelos demais no sen-tido do isolamento nunca poderá ser considerado pessoa de êxito.

Estou convencido de que a maioria dos desequilíbrios da personalidade e dos desajustes emocionais são devidos ao fracasso nas relações humanas. Os que recorrem a um conselheiro em busca de ajuda, revelam indefectivelmente dificuldades e fracassos sociais.

Quando as relações humanas são perturbadas, sofre-se muito. O planejar uma vida proveitosa significa traçar uma conveniência social adequada, porque sem ela não haverá felicidade. O êxito na vida deve ser julgado sobretudo do ponto de vista das relações sociais. Quem não pode alegrar-se com a companhia dos demais e com êles não se entende bem, não compreende os verdadeiros e mais nobres propósitos da vida. As maiores satisfações procedem da associação mútua e da correta compreensão de nossos semelhantes.

Ao experimentarmos alegrias e tristezas, nosso primeiro impulso é partilhá-las com as pessoas que as compreenderão. Certa senhora que perdera o espôso passou semanas em companhia de uma amiga que, dois anos antes, sofrerá a mesma desgraça. A amizade entre ambas, que compreendiam o sofrimento recíproco, foi o meio de estabilizar e reabilitar a vida emocional da que mais recentemente havia sofrido a dolorosa perda. No calor da amizade, fortalecem-se as mentes e desenvolvem-se, reabilita-se o espírito e a vida cobra novo sentido.

Um octogenário falava com outra pessoa acêrca de sua solidão. Dizia-lhe que a maioria das pessoas com quem havia partilhado a vida, já não mais existiam. De quando em quando experimentava alguma ocorrência ou concebia uma idéia que desejava participar aos demais, e pensava em um de seus antigos amigos que apreciaria a idéia ou a ocorrência. Repentinamente se lembrava de que já havia morrido. Com o transcurso do tempo, esta necessidade de compartilhar suas idéias e sentimen-tos tornava-se cada vez mais imperiosa. Fazia êle o seguinte comentário: “Creio sinceramente que a vida, alheada das pessoas a quem amamos e que

nos amam, não tem significação alguma.” Tinha êle razão, porque tôdas as nossas necessidades pessoais básicas provêem-se com a amizade. A vida de uma criança que não encontra companheiros de brinquedos é anormal. A necessidade de contatos sociais e de brincar manifesta-se nas crianças de tenra idade. Uma mãe que tinha uma única filha decidiu não deixá-la sair de casa. Explicava que não queria que brincasse com as outras meninas porque aprendería a brigar, bem como más palavras e procedimento impróprio. Isolou a filha, que não se desenvolveu normalmente. Outra mãe, que também tinha uma filha única, e vivia num bairro distante, onde não havia outras crianças, cada dia a levava ao povoado para que brincasse com outras crianças. A menina aprendeu com isso coisas incorretas, mas desenvolveu-se normalmente e aprendeu a viver com as demais crianças. A lição básica que a vida nos ensina é a de aprender a cooperar com nossos semelhantes. Unicamente por meio da associação esquecem-se de si mesmos os indivíduos, em proveito dos interesses de todo o grupo. A ação social recíproca não sòmente ensina a adaptação às necessidades do conjunto, mas proporciona os maiores prazeres que a vida pode oferecer.

Ao queixarem-se os pais, diante dos filhos, dos maus tempos e das circunstâncias adversas, podem introduzir um obstáculo no desenvolvimento da sua vida social. Os que falam dos amigos e vizinhos, e os criticam desfavoràvelmente paralisarão a vida social dos filhos e induzilos-ão a dêles desconfiar e a ter-lhes antipatia. A menos que façam esforços decididos para vencer essas atitudes, elas os acompanharão a vida inteira. Os pais que censuram a amigos e vizinhos não devem surpreender-se se, por fim, seus filhos contra êles se virarem. Onde quer que seja dificultada a boa vontade social, só restam atitudes egoístas. O filho pensa: “Que necessidade tenho eu de fazer alguma coisa em proveito dos demais?” Desde o momento em que não pode resolver os problemas da vida com semelhante estrutura mental, fica obrigado a duvidar e a buscar meios fáceis de conseguir-lhes a solução. Verifica ser difícil viver, e não parece preocupar-se se prejudica os interêsses de outras pessoas. Para êle a vida é questão de luta, em que cada qual busca superar os demais; e, sem dúvida, “na guerra tudo é permitido.”

Algumas pessoas dão importância às coisas, ao invés de concedê-la aos sêres humanos. Ao perceber a criança que os pais se interessam únicamente em ganhar dinheiro, com facilidade pode desviar-se do caminho da cooperação e buscar suas próprias vantagens materiais. Se o juntar dinheiro fôr o seu alvo único, sem nenhuma relação com os interêsses sociais, não existe motivo algum que a impeça de furtar e defraudar o próximo. Ainda que a atitude adotada não seja tão extrema, propenderá para só escassamente atentar para os interêsses sociais na consecução de seus fins. Pode a pessoa ajuntar grande fortuna sem que suas atividades sejam de muito proveito para quem a rodeia; ao contrário, serão positivamente perigosas para o bem-estar geral do grupo.

Se a criança julga que as outras pessoas lhe são hostis, se pensa que está rodeada de inimigos e que a mantêm com as costas contra a parede, não e possível esperar que faça amizades. Nessas circunstâncias não quererá fazer coisa alguma em prol de outros, mas pretenderá impor-se.

Evidente é que as maiores enfermidades mentais que afligem os homens se relacionem com o seu alheamento dos seus semelhantes e com sua falta de relações sociais. Foi achada alta porcentagem de esquisofrenia paranóide [tipo de loucura em que o enfêrmo experimenta delírio de perseguições] nas casas em que são alugados cômodos a pessoas que vivem solitárias, sem amigos, ali confinadas.

Alguns se mostram continuamente receosos e temerosos dos demais. Possuem a certeza de que dêles falam mal. Não podem agir com naturalidade na presença de terceiros. Pertencem ao grupo, no que tange à sua presença no grupo, mas jamais experimentam a sensação de que dêle formam parte. Essas pessoas freqüentarão os cultos religiosos e em seguida se queixarão de que ninguém se portou amistosamente com elas. Fazem tais comentários por não se sentirem a gôsto em companhia dos demais. Esgueiram-se furtivamente para que ninguém possa com êles entabolar conversação; e dêsse modo consideram justificados os seus pensamentos de que as pessoas se comportam com frialdade e são pouco amistosas. Todos são amigáveis se se lhes demonstra confiança suficiente para inspirar-lhes um sentimento de segurança.

Existe grande perigo para os que se alheiam dos demais sêres humanos. Membros de igreja há que algumas vêzes formulam conceito desapiedado contra todos quantos não compartilham de suas crenças. Um membro de outra denominação, grupo muito exclusivista em suas atitudes, me disse: “Sempre tenho sentido temor de todos quantos não pertencem à minha igreja. Nossos pregadores falam contra as outras igrejas e dizem-nos que somos o único povo a quem Deus ama; por conseguinte, formei-me um complexo de temor dos demais. Es-tou convencido de que não se deve crer no próximo, e sinto que atuam contra mim. Sempre que me encontro entre um grupo de pessoas alheias à minha igreja, sinto-me incômodo e intimidado. Gostaria de vencer êste sentimento.” A razão básica da existência da igreja deve ser o conseguir que seu amor à humanidade alargue suas próprias fronteiras em amor à humanidade. Um grupo religioso que atue por temor e falta de amor para com os sêres humanos, sem dúvida alguma não poderá cumprir a missão que Deus lhe confiou.

As oportunidades de relacionar-se com outras pessoas são necessárias para o desenvolvimento normal físico, psicológico e social. Sem dúvida, muitas enfermidades emocionais e mentais aparecem nos lugares em que a população se muda com freqüência e em que as pessoas são afastadas de seu ambiente normal. A saúde mental e emocional é muito mais estável onde a vida apresenta quietude e sossêgo, em lugar de complexidade e condições precárias.

As necessidades sociais dos indivíduos procedem da circunstância de que a vida deva ser passada em contato com outras pessoas. Unicamente ao serem estabelecidas relações amistosas satisfatórias com o próximo, com as organizações e instituições, pode o indivíduo rodear-se das melhores condições para prosseguir vivendo, para formar e manter a própria família e descobrir as possibilidades de sua própria personalidade.

A assistência aos cultos e às reuniões da igreja constitui a melhor de tôdas as fontes de relações sociais, porque ali os sêres humanos se reúnem em comunhão de aspirações e desejos. Oram juntos e juntos cantam; existe um vínculo que une os espíritos semelhantes em sentimento de união e dependência. Os cristãos sempre foram de natureza sociável; e ninguém que se isole de seus semelhantes, podera considerar-se cristão verdadeiro. Devem atuar juntos e viver para outros. A família que freqüenta a igreja e celebra com regularidade cultos domésticos, estabelece um alicerce firme para a cooperação social.

Uma pesquisa praticada entre crianças que assistiam regularmente aos cultos religiosos, e entre outras que não o faziam, revelou que os primeiros possuíam inclinações e talentos sociais maiores. Quem freqüenta a igreja não pode ser inteiramente egoísta nem estar absorto na preocupação de seus próprios interêsses e nada mais. Cada semana verifica que existem outras pessoas que possuem sentimentos e desejos semelhantes aos seus. Os que pertencem à igreja e a freqüentam metodicamente, assumem responsabilidades individuais que as ajudam a crescer socialmente e lhes proporcionam grande satisfação.

Em anos recentes foram realizadas pesquisas no terreno do psicodrama. Essa espécie de tratamento para os desajustados sociais e enfermos mentais tornou-se de grande valor. Foram levadas à cena representações curtas em que os desajustados desempenham papéis específicos. À medida que se relacionam uns com os outros, no desempenho de seus respectivos papéis, encontram interêsses fora de si mesmos. Esta espécie de tratamento, em que tomam parte os enfermos, é indicada especialmente em caso de desordens leves e conflitos sociais menores; os que se produzem no seio de uma família, por exemplo, ou entre cônjuges, ou em casos relacionados com o emprêgo, porque constitui uma combinação ideal da ação do tratamento individual com a que resulta do que é aplicado ao grupo. Esta espécie de terapêutica pode ser aplicada com elevado número de enfermos ao mesmo tempo. Requer direção hábil para que todos trabalhem juntos harmonicamente.

psicodrama, ao atuar recìprocramente entre o indivíduo e o grupo, lembra-nos os cultos da igreja. Em uma reunião satisfatória acham-se oportunidades de cooperação e expressão, proporcionadas pelo cântico dos hinos, a leitura da Bíblia e a união nas orações. Tudo isto, em certo sentido, é de uma reciprocidade dramática, em que o indivíduo e o grupo cooperam uns com os outros. Se o psicodrama é aplicado para curar os distúrbios mentais e emocionais, não é, então, demasiado supor que os incidentes do culto, em que o indivíduo se relaciona com o grupo, têm ilimitadas inferências físicas, mentais e sociais.

terapêutica de grupo é outro método, amplamente difundido, de ajudar as pessoas perturbadas a encontrar a saúde mental, emocional e física. Durante a segunda guerra mundial, descobriu-se que os soldados perturbados emocionalmente encontravam grande alívio ao reunir-se regularmente para discutir seus problemas, e finalmente volviam à normalidade.

Os incidentes do culto formam o grupo terapêutico mais significativo. Reúne os participantes nas práticas mais elevadas do espírito humano. O culto é, para o espírito, o que para o corpo é o sono. É a prática mais elevada de que são capazes os sêres humanos. Disse-me um médico o seguinte: “Eu costumava freqüentar a igreja e as reuniões de ora-ção, para agradar a Deus. Estava certo de que Ele o queria; de modo que queria agradar-Lhe, prestando-Lhe mais respeito e cumprindo meu dever. Não obstante, começo agora a compreender que necessito do que me podem dar os cultos do sábado e as reuniões de oração. Sinto-me mais feliz e com melhor saúde, como resultado das bênçãos que recebo das práticas espirituais do culto.” Deus não instituiu para Seu benefício as práticas espirituais do culto, mas para nossa saúde e bem-estar.

A participação na vida social deve fazer parte integral da vida de cada pessoa, porque os que po-dem expandir-se socialmente não procedem bem; exageram o que fazem. São escravos de seu trabalho, em lugar de seu amo. Trabalhar apenas e não brincar faz de Joãozinho um menino apagado, e quer uma quer outra coisa, em demasia, produz desequilíbrio. Bom é o trabalho, mas deve equilibrar-se com o repouso.

Quem rema num barco, deve puxar os remos e fazer uma pausa. Se os movimentasse continuamente não faria o barco avançar. O arqueiro estira o seu arco e deixa a flecha partir em direção ao alvo visado; em seguida o arco é afrouxado. Se forçado continuamente, perderia sua flexibilidade; perderia a fôrça reservada para impulsionar a flecha através do espaço. Algumas pessoas submeteram o coração, que é órgão elástico, a uma tensão tão prolongada, que provoca a perda de sua elasticidade e fá-lo abandonar a luta. Nesta época, as enfermidades do coração causam o maior número de falecimentos. E êsses males se relacionam intimamente com o estado de tensão constante a que estão submetidas as pessoas.

Certo homem fêz o seu primeiro vôo em avião. Ao aterrissar, perguntou-lhe um amigo se lhe havia agradado o vôo. Respondeu-lhe êle: “Agradou-me muito; mas, quero dizer uma coisa a você: Em nenhum momento me sentei com todo o meu pêso.” Muitas pessoas se assemelham a êsse homem. Não sabem como espairecer nos momentos livres e encontrar dignas e satisfatórias as relações sociais nas recriações. Perdem de vista os verdadeiros propósitos da vida.

Uma senhora que passara quase a vida tôda en-tre diversões e reuniões sociais, ao converter-se a tornar-se membro de uma igreja decidiu dedicar-se às atividades mais sérias da vida. Pôs fim à prática de diversões e abandonou as atividades sociais. Consagrou a vida inteiramente ao estudo e ao trabalho. Tôdas as tardes pegava da Bíblia e de seus livros religiosos para dedicar-se a estudo prolongado. O espôso, que não se convertera, pedia-lhe que o acompanhasse a reuniões inofensivas e que participasse de algumas relações sociais. Ela firmemente recusou atender. Abandonado a si mesmo, não demorou êle a encontrar-se perturbado. Quando o lar estava a ponto de desabar, a espôsa despertou para o fato de que, se se quiser levar vida bem equilibrada, deve ela ser entremeada de atividades sociais e momentos de folga. Seu lar foi salvo, e sua experiência espiritual foi mais genuína e saudável desde que emendou o seu procedimento.

A hospitalidade é um dom esquecido por muitos. Lembro-me de como eram proveitosas, em minha juventude, as visitas que recebíamos em nossa casa. Os tempos mudaram, mas cada família deve organizar sua vida social de forma interessante.