S. H. HORN e L. H. WOOD

Antigos Calendários Civis

AO INTERPRETAR as declarações antigas, relativas ao tempo, devemos tratar não somente com sistemas de numerar os anos, mas também com calendários diversos. Há vários calendários implicados nas referências ao tempo encontradas na Bíblia e nas fontes históricas relacionadas com a cronologia bíblica. Analisaremos, a seguir, vários dêstes calendários.

Calendários com Base nos Movimentos Celestes

Pôsto que os calendários dependem dos movimentos da Terra, da Lua e do Sol, o conhecimento dêstes movimentos é indispensável para a compreensão dos diferentes calendários antigos e modernos.

O dia. Uma unidade natural que serve de base para todo calendário é o dia, período de vinte e quatro horas, determinado pela rotação da Terra em tôrno de seu eixo. Visto que o amanhecer e o pôr-do-Sol assinalam dois pontos claramente reconhecíveis de tempo nesse período de vinte e quatro horas, não tiveram as pessoas jamais dificuldade alguma em assinalar o dia, quer o tenham feito começar com o pôr-do-Sol, como é o caso, por exem-plo, com os babilônios (1) e os israelitas (2), quer com o amanhecer, como ocorria com os egípcios (3). O comêço do dia à meia-noite é prática relativamente recente, que não foi introduzida antes dos roma-nos (4).

mês. A seguinte unidade maior em relação com o calendário, reconhecível por uma observação dos fenômenos naturais, é o mês, que aproximada-mente coincide com o tempo que a Lua gasta para efetuar o seu movimento de traslação em tôrno da Terra.

Visto que êsse movimento de traslação se realiza em 29,53059 dias, os diversos meses não podem ser iguais em extensão ao expressá-los em têrmos de dias completos. Por êsse motivo, os meses lunares, tanto os empregados por povos antigos como os que algumas nações modernas empregam, têm a duração alternada de 29 e 30 dias.

O comêço do mês lunar é difícil de determinar mediante a observação, porque a Lua é geralmente invisível para o ôlho humano no momento da conjunção, geralmente Lua nova nos calendários e almanaques. A Lua está em conjunção no momento em que, em seu movimento de traslação em tôrno de nosso globo, acha-se entre o Sol e a Terra, de maneira que a metade dêste corpo celeste que se encontra em nossa direção, não recebe a luz do Sol e está, por isso mesmo, em escuridão completa. Algumas vêzes, quando a Lua se encontra exatamente entre o Sol e a Terra, sua sombra passa pela Terra e produz um eclipse parcial ou total de Sol durante o curto período da conjunção.

São êsses, pràticamente, os únicos momentos em que se pode observar a conjunção da Lua.

No oriente próximo são necessárias entre 16,5 e 42 horas depois da conjunção (5) — o que depende de se os movimentos em relação com sua distância da Terra são mais rápidos ou mais lentos — até que a Lua seja visível de novo em forma de uma peque-na crescente, que aumenta de tamanho até chegar o momento da Lua cheia. Diz-se que está em oposição, devido a que o Sol e a Lua se encontram em lugares opostos para o observador terrestre. Depois da Lua cheia, a parte visível dêste corpo vai diminuindo até tornar-se invisível entre 42 e 16 horas de sua conjunção, momento em que se completa um “mês astronômico lunar.”

Sendo que a conjunção da Lua é invisível, os antigos, que empregaram o calendário lunar, dependeram, quer da primeira ocasião em que era visível para determinar o comêço de cada novo mês, como é o caso dos babilônios (6), quer da desaparição da Lua velha antes da conjunção, como o fizeram os egípcios (7). O intervalo que medeia entre a conjunção da Lua e a tarde em que começa a observar-se de novo, não recebeu universalmente nenhuma denominação específica; em relação com êste estudo o chamá-lo-emos “período de traslação.”

ano. A unidade calendária mais longa, o ano, mede-se com base no tempo que a Terra emprega para percorrer sua órbita em redor do Sol, o que ocorre, em média, em uns 365,2422 dias, ou seja, 12,1/3 meses lunares. Êste ano solar natural (ou tropical), assinalado pela aparição fàcilmente observável das estações, tem quatro pontos principais: os solstícios de verão e inverno, quando o trajeto aparente do Sol no céu se realiza no extremo norte e sul respectivamente, e os equinócios vernal e outonal, quando o Sol se levanta e se põe exatamente no oriente e no ocidente e o dia e a noite são iguais em todo o globo.

Mas o ano solar não é exatamente divisível por meses lunares, nem por dias completos, circunstância que induziu a elaborar uma quantidade de planos diversos para harmonizar com o ano astronômico, o ano calendário computado em dias de 24 horas.

Calendário Solar. Dos vários sistemas de registar os anos solares, empregados na antiguidade, os calendários egípcio e juliano são os mais importantes. Os antigos egípcios, que usavam o ano solar com propósitos cronológicos, tinham doze meses iguais de 30 dias cada um, e mais cinco dias adicionais que apareciam ao final dos doze meses, o que totalizava 365 dias. Êste calendário, entretanto, era 1/4 de dia mais curto que o ano astronômico, ou seja, um dia mais curto cada quatro anos, ou 10 dias mais curto cada quarenta anos. Os antigos egípcios nunca tomaram medidas para corrigir esta situação; por conseguinte, seu calendário retrocedeu através de tôdas as estações do ano, no curso de 1460 anos, o que será explicado depois (8).

O calendário juliano (que também explicaremos mais adiante), introduzido por Júlio César, corrigiu a deficiência do calendário solar egípcio com acrescentar-lhe um dia cada quatro anos, de manei-ra que fôssem 366, em lugar de 365, no ano comum. Mas ainda esta reforma do calendário não foi suficiente, pois o ano é mais curto que 365,1/4 dias. No tempo do papa Gregório XIII (1572-1585 A.D.), o calendário juliano estava tão fora de harmonia com as estações, que foi necessário corrigi-lo outra vez. Presentemente a maior parte das nações ocidentais emprega o calendário gregoriano, que é um calendário juliano levemente modificado (9).

Calendário Lunisolar. Por motivo de suas festividades anuais, que deviam ocorrer sempre nas mes-mas estações, os antigos assírios, babilônios e hebreus, como a maior partes das nações que empregaram calendários lunares, via-se na obrigação de acrescentar um mês extra periodicamente para manter o ano lunar em harmonia com o solar, que é uns onze dias mais longo.

Os antigos assírios tinham doze meses lunares, mas observaram que depois de dois ou três anos o fim do duodécimo mês não chegava exatamente na estação em que devia cair o dia de Ano Novo. Transferiram então essa data para um mês lunar mais adiante. Desta maneira o comêço do ano novo devia cair, através do tempo, em cada um dos doze meses lunares. No século XII A.C., aceitaram as características principais do ano calendário babilônio, que seguia um sistema ligeiramente diverso (10).

O calendário lunar babilônio foi ajustado ao ano solar, contando, quer o 6o. quer o 12°. mês, duas vêzes cada dois ou três anos; dêste modo o dia de Ano Novo sempre caía no primeiro dia do primeiro mês, Nisan, e próximo do comêço do ano solar (11). Êste calendário, como já dissemos, foi adotado pelos assírios, no século XII A.C. Os judeus tinham um calendário similar, como explicaremos no capítulo seguinte.

Depois destas explicações preliminares, analisaremos os diversos calendários que se relacionam com êste estudo.

O Calendário Egípcio

Os egípcios empregaram vários calendários diferentes através de sua história, mas para êste estudo sòmente nos interessa o calendário civil, com base no ano solar. Descartaremos o calendário lunar egípcio, por êles empregado sòmente com o propósito de celebrar suas festas.

Ano Solar. Não é inteiramente certo que os egípcios tenham chegado à conclusão de que o ano consistia em 365 dias. O erudito O. Neugebauer apresentou recentemente a teoria de que êles chegaram gradualmente a esta conclusão, ao observar que as inundações anuais do Nilo ocorriam, em média, a intervalos de 365 dias (12). Visto sabermos que os egípcios mantinham anotações cuidadosas das inundações anuais desde os tempos mais antigos, é possível deduzir que o seu ano solar de 365 dias surgiu dessa maneira.

Até agora havia sido aceita amplamente a teoria de Eduardo Meyer, que sustinha que as observações astronômicas eram o fundamento do ano solar egípcio (13). Desde os tempos mais antigos, a festividade anual de Sothis era celebrada no dia da aparição helíaca [seu surgimento no horizonte] da estrêla Sothis, a que chamamos Sírio, isto é, no dia em que essa estrêla aparece primeiramente no horizonte do oriente, pouco depois do amanhecer, depois de um período em que se encontrava próxima demais do Sol para ser visível. O dia em que por primeira vez Sírio aparecia pela manhã, que durante o período dinástico do Egito oscilava entre 17 e 19 de julho (14), foi celebrado por muitos séculos como dia de festa. Pensa-se que a observação do surgimento helíaco de Sírio foi a origem do ano solar de 365 dias.

A isto deveria acrescentar-se a circunstância de que a primeira das três estações em que se dividia o ano egípcio, se chamava Akhet, que quer dizer “inundação”. A inundação produzida pelo Nilo começa no Egito em princípios de junho, e portanto pareceria que o ano começasse na época da festa de Sothis. Quando os egípcios provavelmente descobriram que a aparição helíaca de Sothis ocorria aproximadamente cada ciclo de 365 dias, coincidindo com o comêço da inundação do Nilo, devem haver chegado facilmente à conclusão de que o ano teria 365 dias.

Depois de fixar dêste modo o ano, seu espírito conservador os impediu de alterá-lo, embora houvessem observado que cada quatro anos a aparição de Sírio ocorria um dia mais tarde no calendário, ou, para dizê-lo doutro modo, o Ano Novo egípcio caía em um dia antes que o dia de Sothis, pois o ano de 365 dias é aproximadamente 1/4 de dia mais curto realmente que o ano solar. Dêste modo o deixar de acrescentar um dia extra cada quatro anos influiu para que tôdas as datas egípcias retrocedessem um dia em relação com as estações, até que finalmente o dia de Ano Novo realizou o circuito completo através das estações e novamente coincidiu com o surgimento helíaco de Sothis, 1.460 anos mais tarde (15).

No lapso de uma vida a deslocação das estações não era muito grande, visto que atingia só uns quinze dias em sessenta anos. O observador profundo, entretanto, deve haver sido capaz de dizer, nos dias de sua velhice, aos sessenta anos, que a inundação começava, então, duas semanas antes do que quando êle era criança.

O ano egípcio, por sua vez, dividia-se em três estações de quatro meses cada uma: (1) Akhet, “inundação”, (2Peret, “surgimento” dos terrenos da água, e (3) Shemu “verão” (16). Presume-se que êsses nomes foram dados às três estações do ano calendário quando elas foram sincronizadas com as estações, tal como se apresentam no Egito. Não obstante, as estações calendárias retrocediam um dia cada quatro anos no “móbil” calendário egípcio. Assim é que, depois de 120 anos, a estação denominada inundação precedia à verdadeira inundação do Nilo, trinta dias, e, depois de 360 anos, três meses completos. Aparentemente, isto não perturbava os egípcios mais do que nos preocupa a nós o costume de dizer 15 de outubro de 1952, abreviando-o pela fórmula 15/10/52, embora saibamos que outubro significa literalmente o “oitavo”, e não o décimo mês.

Chamou-se “calendário móbil” ao egípcio, devido a que cada data, ao retroceder um dia cada quatro anos, “movia-se” através de tôdas as estações do ano astronômico, no curso de 1460 anos, e êste período foi denominado “ciclo Sótico,” pois o Ano Novo regressava à data do surgimento de Sothis, ou Sírio, depois de transcorrida essa quantidade de anos.

Nos começos da história egípcia não havia nomes para os meses do ano civil, e a fórmula “no mês 3o. de Peret” pôde traduzir-se como equivalente ao 7o. mês do ano. Ao fim das três estações, constituídas de trinta dias cada uma, o que dava o total de 360 dias, acrescentavam-se cinco dias extras, chamados “epagomenae,” para completar o ano de 365 dias.

Desde meados do segundo milênio A.C., a pouco e pouco se deixou de designar os meses por nú-mero, para começar a empregar nomes que estavam em uso no calendário lunar. No último período a que se refere intimamente nosso estudo, usavam-se somente êstes nomes dos meses. Visto que são empregados nas datas dos papiros arameus que estudaremos mais adiante, fizemos dêles uma lista, a saber: 

Thoth          30 dias

Pharmuthi 30 dias

Pahophi        30  ”  

Pachons        30

Athyr           30  ”  

Payni 30

Choiak         30  ”  

Epiphi         30

Tybi           30  ”  

Mesore         30

Mechir        30  ”  

Epagomenae 5

Phamenoth      30  ”  

Total           365

A regularidade e simplicidade do calendário egípcio, tal como pode apreciar-se pela lista que fornecemos (17), facilita a tarefa de converter uma data egípcia em sua equivalente do calendário juliano, para os períodos em que se conhece o dia do Ano Novo. Isto foi possível no tocante aos sete e meio séculos que precederam o nascimento de Cristo, graças ao astrônomo greco-egípcio Ptolomeu, cuja obra consideraremos com certa extensão.

Cânon de Ptolomeu. Cláudio Ptolomeu, ou simplesmente Ptolomeu, foi um notável matemático, astrônomo e geógrafo que viveu em Alexandria no século II de nossa era. Sua fama deve-se principalmente à sua teoria astronômica, incorporada à sua monumental obra grega sôbre astronomia, intitulada Mathematike Syntaxis (Composição Matemática), mais conhecida pelo nome árabe “Almagesto”. Esta obra que sobrevive totalmente, é um desenvolvimento da obra de Hiparco de Rodas, cujos escritos não mais existem. A teoria de Ptolomeu, que considerava a Terra um globo a cujo derredor giravam os corpos celestes em complicados círculos, constitui a explicação comum do universo, feita há cêrca de 1.400 anos (18).

Em seu “Almagesto”, Ptolomeu freqüentemente fornece datas com base na observação, para demonstrar sua teoria dos movimentos da Lua e de outros corpos celestes. Nesta obra, menciona dezenove eclipses lunares no período de nove séculos, datados de ano, mês, dia e hora, princípalmente em têrmos de ano régio de vários reis (19). Estas datas são extraordinàriamente valiosas para a cronologia, porque capacitam o astrônomo moderno a verificar os cálculos de Ptolomeu. Visto que os intervalos entre as observações eram importantes para a sua teoria dos movimentos celestes, Ptolomeu acrescentou ao seu “Almagesto” uma espécie de apêndice, constituído de uma lista ou cânon de reis, na qual era indicado o comêço e o fim de cada reinado, e haveria de servir como uma escala para verificar os dados cronológicos por êle registados (20).

O primeiro rei mencionado no cânon de Ptolomeu é o monarca babilônio Nabonassar, cujo primeiro ano régio começou, em conformidade com o cõmputo egípcio, em 1o. de Thoth, o dia de Ano Novo egípcio, e na data do calendário juliano que foi estabelecida por eclipses lunares, como sendo o dia 26 de fevereiro de 747 A.C. (21). Êste é o ponto de partida do que se passou a chamar a era de Nabonassar. O cânon dá o número do ano régio de cada rei mencionado: primeiramente dos governantes babilônios, a seguir dos persas, de Alexandre Magno e seus sucessores ptolomeus no Egito e, finalmente, dos imperadores romanos, encerrando-se a lista com Antonino o Pio. O propósito de Ptolomeu não foi fornecer uma lista histórica completa dos reinados, mas, preferentemente, ter uma escala cronológica conveniente para fixar os intervalos entre as diversas observações astronômicas que figuram em seu “Almagesto”. Visto que cada ano devia levar o nome de um ano régio, não teve Ptolomeu o propósito de fazer uma lista dos monarcas que reinaram menos que um ano; pelo que não deve surpreender a circunstância de os não encontrarmos incluídos em seu cânon.

Passando por alto os diversos métodos de computar o tempo, usados nos países implicados, Ptolomeu sistemàticamente empregou o seu ano calendário egípcio de 365 dias. Visto que o ponto de partida da era de Nabonassar, o dia 1o. de Thoth do ano 747 A.C., (26 de fevereiro), foi estabelecida por 19 eclipses lunares, podemos fixar qualquer ano de qualquer dêsses reis, segundo o ano calendário egípcio, e computá-lo na data correspondente da era pré-cristã. Êsse é um processo fácil, dado que o Ano Novo egípcio retrocede um dia, cada quatro anos, no calendário juliano, que é o empregado para fixar as datas da era anterior ao Senhor.

O Calendário Juliano

O calendário juliano, assim chamado em honra de Júlio César, que o introduziu no mundo romano, constituiu o passo seguinte no desenvolvimento lógico do calendário solar empregado pelos egípcios ao adotar seu ano de 365 dias e corrigir o quarto de dia, aproximadamente.

O primeiro calendário usado pelos romanos foi o lunar. Sendo que um ano lunar é mais curto que o ano solar natural, é necessário encumpridá-lo periodicamente, como já foi explicado, para manter os meses em harmonia com as estações. No tempo de César, o calendário romano encontrava-se distanciado uns dois meses do comêço das estações, por motivo de os funcionários haverem deixado de fa-zer os acréscimos necessários periodicamente. Por fim, Júlio César tomou medidas drásticas para remediar a situação. Para corrigir o deslocamento do ano, instituiu um ano de 445 dias, e no dia 5 de janeiro do ano 45 da era pré-cristã, estabeleceu um ano puramente solar, traçado pelo astrônomo egípcio Sogígenes. Tinha por base o ano egípcio de 365 dias, mas fazia provisão para o acréscimo de um dia cada quatro anos, melhora que os egípcios nunca haviam praticado. César manteve o dia de Ano Novo em 1o. de janeiro (o comêço das funções dos côncules), e conservou os antigos nomes, embora já passados de moda, de setembro, outubro, novembro e dezembro, que haviam sido, como sua etimologia o indica, os meses 7o., 8o., 9o. e 10°. respecti-vamente (22).

Quando o sucessor de César, Augusto, fêz do Egito uma parte do Império Romano, introduziu o ano bissexto juliano na estrutura do antigo calendário egípcio, fixando o dia 1°. de Thoth, que antes se movia através de todo o ano, em 29 de agôsto, 30 de agôsto, nos anos bissextos.) Durante o período do Império, várias províncias orientais ajustaram ao calendário romano os seus antigos meses. A versão síria do calendário juliano, por exemplo, sobrevive ainda em muitos países árabes paralelamente com o calendário lunar não corrigido dos maometanos (23). Conserva em sua maioria os antigos nomes dos meses lunares semíticos, começando, portanto, com o dia 1°. de Teshrin, que coincide com o nosso outubro, e tem 31 dias, e seu mês Shubat, que coincide com nosso fevereiro, e tem 28 ou 29 dias (24).

O calendário juliano foi adotado, com os nomes dos meses e tudo mais, nas províncias ocidentais. Por conseguinte, foi empregado no mundo europeu generalizadamente até à revisão gregoriana de 1582, e, em muitos países, até muito mais tarde ainda. Com efeito, o calendário gregoriano é basicamente o mesmo que o juliano, com a exceção de que elimina três 29°. dias em fevereiro cada quatro séculos (25).

Os astrônomos empregam o cômputo juliano sem variantes até ao presente, por sua conveniente regularidade, e os historiadores datam todos os acontecimentos ocorridos antes de Cristo com base no calendário juliano, estendido assim teoricamente até ao passado, como se houvesse estado em uso nessa época.

O Calendário Babilônio

Os babilônios celebravam seu dia de Ano Novo na primavera, o que era natural fazer no vale de Mesopotâmia. Logo que as neves se fundiam nas montanhas da Armênia, aumentava a tal ponto o volume das águas dos rios Tigre e Eufrates, que os canais destinados à irrigação da baixa Mesopotâmia se enchiam e comunicavam nova vida a tôdas as terras. É provável que o equinócio vernal haja tido alguma influência decidida na fixação do dia de Ano Novo na primavera, mas há certeza a êsse respeito. Quaisquer que hajam sido os motivos, sabemos que desde os tempos mais antigos da história babilônia, o dia de Ano Novo era celebrado em fins de março ou em abril (26).

Os babilônios não tinham um ano puramente solar, e o seu chamado ano lunissolar consistia em doze meses de tamanho desigual, que tinham 29 ou 30 dias cada um, o que dava ao ano de doze meses lunares o total de 354 ou 355 dias. Visto que o ano lunar era aproximadamente onze dias mais curto que o solar, o sexto mês, chamado Ululu, ou o décimo-segundo, chamado Addaru, eram repetidos cada dois ou três anos. Cada ano com seus treze meses denominava-se embolismal, ou bissexto, e tinha 383 ou 384 dias (27).

Antes do século IV A. C., não havia uma clara seqüência na inserção dos meses embolismais, mas quando, graças à observação, se descobriu que dezenove anos solares continham aproximadamente o mesmo número de dias que 235 meses lunares, praticou-se um sistema de intercalação mais uniforme. No século IV, o chamado ciclo de dezenove anos, em que o 3°., o 6°., o 8°., o 11°., 14°, o 17°. e o 19°. anos eram embolismais, chegou a ser um sistema regular para empregar o ano lunisolar na Mesopotâmia. Essa regularidade havia sido conseguida cêrca do ano VI A.C., mas certa quantidade de exceções põem em dúvida a sua elasticidade antes do século IV (28).

Nos começos da história de Babilônia, parece que não havia um sistema regular para determinar quando um Ululu (o 6°. mês) ou Addaru (o 12°. mês) deveriam repetir-se. Mais adiante, quando o ciclo de 19 anos foi mais definidamente fixado, o segundo Addaru era acrescentado seis vêzes, e o segundo Ululu, uma vez (cada 17 anos) em cada ciclo. Para o estudo dêste calendário, a excelente monografia publicada por R. A. Parker e W. H. Dubberstein, sob o título de Babylonian Chronology (626 A. C. — 45 A. D.), têm tábuas completas de calendários que contêm todos os anos ambolismais conhecidos na época da publicação da monografia, e datas aproximadamente corretas para o comêço de cada mês babilônio para a época assinalada no título (1). Esta obra permite-nos converter sem esfôrço qualquer data babilônia em sua equivalente do ano juliano, com bastante exatidão.

O costume babilônio de começar cada mês depois que a Lua crescente podia ser observada por pri-meira vez, é responsável pelo tamanho desigual dos meses. Visto que o comêço dos meses dependia da vista do observador e do tempo, os meses começavam ocasionalmente um dia mais tarde do que haveria podido começar se o tempo houvesse sido mais favorável, e se a Lua crescente houvesse sido visível na tarde anterior. Por isso, Nisanu ou qualquer outro mês, podia ter 29 dias num ano, e, no seguinte, 30. A reconstrução do calendário babilônio, feita recentemente na obra de Parker e Dubberstein, baseia as suas datas no comêço dos meses, tendo em conta um razoável “período de traslação”, mas as datas a que se chega mediante êsse método, devem ser desprezadas em cêrca de 30%, segundo admitem os próprios autores das tábuas (30). Êste fato confere sempre ao calendário babilônio certo grau de incerteza não encontrada nos calendários solares fixos dos egípcios. Para todos os propósitos práticos, as datas formuladas em têrmos do calendário babilônio, a partir do século VIII A. C., realmente podem fixar-se com uma margem de êrro de apenas um dia. Não obstante, sempre devemos lembrar que não se pode obter segurança absoluta com as datas babilônias.

Os nomes dos meses babilônios (31), que foram adotados pelos judeus durante o cativeiro, são os seguintes (com os nomes judeus entre parênteses) (32):

  • 1. Nisanu (Nisan)
  • 2. Aiaru (Iyyar)
  • 3. Simanu (Sivan)
  • 4. Duzu (Tammuz)
  • 5. Abu (Ab)
  • 6. Ululu (Elul)
  • 7. Tashritu (Tisbri)
  • 8. Arashmnu (Mraschesh van ou Heshvan)
  • 9. Kisilimu (Kislev)
  • 10. Tebety (Tebeth)
  • 11. Shabatu (Shebat)
  • 12. Addaru (Adar)

Depois de haver abrangido os principais calendários antigos que se relacionam com as datas que aparecem nos documentos que vamos estudar, dedicaremos o capítulo seguinte a examinar o calendário hebraico of Astronomy em Encyclopaedia Britannica, Vol. II, pág. 583, (1945).

Quanto à possibilidade de confundir qualquer dêstes eclipses com outros ocorridos na mesma data de anos diferentes, deve notar-se que um eclipse lunar só se produz quando há Lua cheia. Uma Lua cheia pode repetir-se na mesma data em nosso calendário só cada 19 anos, mas reaparece no calendário egípcio, com suas datas que retrocedem através das estações, só cada vinte e cinco anos. Para observar a repetição de uma fase da Lua nos calendários juliano e egípcio, ver a apresentação gráfica de Lynn H. Wood, no artigo The Kahun Papyrus and the Date of the Twelfth Dynasty (Com diagrama), em Bulletin of the American Schools of Oriental Research (daqui em diante abreviado BASOR), N°. 99, págs. 5-9, de outubro de 1945.

Além disso, nem tôdas as Luas cheias podem resultar em eclipse; isto pode ocorrer só umas duas vêzes ao ano. Portanto, a possibilidade de que um eclipse lunar se repita na mesma data egípcia se reduz ainda mais.

Por outro lado, os dezenove eclipses de Ptolomeu, datados pelo ano, o dia e mesmo a hora em que ocorreram, estão todos em perfeita harmonia, e vários astrônomos que fizeram os cálculos mediante métodos modernos, variam nas datas só em frações que não chegam a uma hora. As tábuas de Oppolzer sôbre os eclipses lunares demonstram que a media de variantes entre seu cômputo e o de Ptolomeu é de apenas dez minu-tos. (Para os eclipses lunares de Ptolomeu, ver Tehodor von Oppolzer, Syzygien Tafeln für den Mond, págs. 31-34; para os dados astronômicos, ver seu Cânon der Finsterniss, pág. 332 e seguintes.)

Gradualmente, esta mudança produziu preocupação devido a seus efeitos sôbre a festa da Páscoa, que cada vez caía mais e mais tarde na primavera. No século IV da era cristã, quando se estabeleceu por primeira vez o método de calcular a Páscoa, a data do equinócio era o dia 21 de março. Esta data havia-se movido gradualmente para diante de modo tal, que em 1582 caía dez dias depois do equinócio, o último dos quais ocorreu em 11 de março de 1582.

Os astrônomos haviam pleiteado durante muito tempo a correção dêste êrro. Daí que o Papa Gregório XIII tratasse de restaurar a data de 21 de março como data do equinócio vernal, e, da mesma forma, para colocar a Páscoa no lugar em que se encontrava no século IV, decretou que o dia seguinte à quinta-feira, 4 de outubro de 1582, não seria chamado sexta-feira, 5 de outubro, mas sexta-feira, 15 de outubro, com o que se eliminaram os dez dias de excesso que havia no calendário, e que haviam sido acrescentados des-de os comêços do século IV. Mais adiante legislou para que o ano começasse uniformemente em 1o. de janeiro, e, para evitar novas discrepâncias entre o ano calendário e o astronômico, decretou que daí em diante os anos que não fôssem divisíveis por 400 (1700, 1800, 1900, 2100, etc,) não deveriam ser considerados bissextos.

Êste calendário gregoriano foi aceito imediatamente pelos países católicos, mas, pelos protestantes, só muito mais tarde. A Inglaterra e as colônias norte-americanas introduziram-no somente em 1752, época em que o fato de haver sido considerado bissexto o ano 1700 influira para que o êrro no cômputo dos dias aumentasse para onze. Os países da Europa oriental só o adotaram no século presente. (Peter Archer, The Christian Calendar and the Gregorian Reform, págs. 10, 11 e 75; John Gerard, artigo Chronology, em The Catholic Encyclopaedia, Vol. III, págs. 739 e 740.)

(Continua)