ARTUR L. BIETZ

(Membro da Associação Médica Americana de Psicologia, Professor de Cristianismo Aplicado, no Colégio de Evangelistas Médicos, Pastor da Igreja White Memorial)

CAPÍTULO IV

Uma Sã Filosofia de Vida

“OH! O que você crê não me interessa absolutamente! Só me interessa o que a gente faz; não o que crê,” declaram muitas pessoas modernas. Tempo houve em que as crenças eram consideradas de grande importância. Os sêres humanos estavam dispostos a por elas morrer. A história cristã dá testemunho de que, no passado, a humanidade atribuía grande importância a seus ideais e convicções.

Em anos recentes, fomos rudemente sacudidos por uma nova ideologia que se está propagando pelo mundo. Esta crença modifica inteiramente a atitude dos homens, e muitos estão dispostos a por ela sacrificar a vida. A filosofia materialista de Carlos Marx — a que nos referimos— opos-se aos ideais básicos da religião cristã.

Têm importância as crenças? Estamos começando a convencer-nos de que a têm. Empregam-se milhões de dólares em modernos métodos de propaganda, porque compreendemos que, conquanto possamos vencer uma guerra pela fôrca das armas, é possível, também, perder a paz, se os homens se opõem às crenças bá-sicas sôbre que se funda a nossa maneira de viver.

Embora seja um axioma que a natureza sente horror ao vácuo, os homens são suficientemente néscios para crer que a mente vazia pode permanecer sã. Nossa democracia é o resultado dos ideais das religiões hebréia e cristã que a precederam. Não se poderia repudiar os ideais sôbre que está alicerçada a democracia, sem repudiar a própria liberdade. Uma flor não pode ser arrancada sem ser destruída.

Alguém me disse, certa vez: “Unir-me-ei à igreja de Los Angeles, onde cada membro tem a liberdade de crer exatamente como quer.” Muitos estão agora procedendo dessa maneira, mas tão néscia atitude nunca poderá fortalecer o indíviduo nem a igreja cristã. O que o homem crê hoje se evidenciará provàvelmente

em seu procedimento de amanhã. Bastaria considerar as teorias de Carlos Marx para notar que tiveram influência na vida dos homens em tôda a Terra. Poderá dizer alguma pessoa inteligente que o que o homem crê não tem importância?

Demasiadas pessoas ignoram por que vivem e têm escassa noção do propósito de sua existência. Por não conhecerem o porquê da vida, tiram dela pouco proveito. Notável produtor de Hollywood, por ocasião de uma enfermidade, mandou-me chamar ao seu quarto, no hospital, e me disse: “Tenho escutado as suas mensagens através do rádio do hospital. Desejo falar-lhe de alguma coisa que me preocupa. Que pensa o senhor, realmente, acêrca da vida? Quero saber para que estou vivendo.” Esta declaração pode, para alguns, parecer jocosa mas apresenta uma necessidade básica de nosso tempo.

Perguntam alguns: “Como é possível que homens inteligentes se tornem comunistas?” A resposta é clara. Quanto mais inteligente é a pessoa, mais obrigada se sente a dar uma significação para o mundo em que vive. Se não aceitou o conceito cristão do mundo, será um candidato para outra doutrina qualquer. O homem necessita de uma filosofia em que fundamentar as antagônicas experiências da vida. Se não dispõe de uma filosofia, será uma vítima das circunstâncias. Um retardado mental não precisa preocupar-se por uma filosofia de vida, mas a pessoa inteligente deve tratar de compreender o significado do mundo em que vive. Deve entender qual seja a sua relação para com o Universo. Quem chega a compreender o porquê de sua vida, pode assombrar-se a si mesmo e a outros, por sua capacidade de suportar o desengano e o sofrimento. Uma fé impelente constrange os homens à realização das maiores proezas e façanhas. Sem crenças, os homens tornam-se criaturas impotentes, tímidas, que tanto temem a vida quanto a morte.

Ao falar da necessidade de uma fé, de uma filosofia de vida, e de compreendei’ o significado de alguma coisa, entramos imediatamente no campo da religião. O cristianismo forneceu a milhões de pessoas a chave da vida e inspirou os pensamentos e as ações mais elevadas e nobres. A medida que as crenças religiosas têm perdido influência, os distúrbios emocionais e mentais ocuparam um lugar cada vez mais amplo na experiência do homem. As perturbações emocionais graves são amiúde resultado de que ao paciente falta uma compreensão do significado da própria vida. O papel que desempenham as crenças não pode ser negado com êxito nem mesmo pelos que não lhes querem admitir a importância. Os jovens de nossas escolas não somente devem ser instruídos, informados com fatos, mas devem ser encaminhados para uma filosofia cristã, para que, por meio dela, saibam como usar corretamente essa informação. Os fatos não se mantêm sôbre seus próprios pés; devem ser entretecidos na tela da teoria, antes de adquirirem qualquer significação.

Um professor liberal com quem eu estudava, me perguntou que atitude eu assumia quanto a certos fatos apresentados pelos teólogos modernistas. Disse-lhe que não aceitava essas declarações como fatos, porque aceito a fé dos modernistas. Têm êles uma fé que os leva à interpretação dos fatos da geologia com base nos postulados da evolução. O criacionista, pelo contrário, encontra na geologia evidências abundantes para provar o relato da criação. As pessoas de fé diferente interpretam de maneira diversa os fatos. Quem crê que pode viver apenas fundamentado em fatos, sem uma fé ou filosofia básica, está-se enganando a si mesmo. É possível erguer uma parede torta com tijolos direitos.

Demasiado poucas pessoas sabem onde se encontram, porque lhes falta uma fé ou uma filosofia, por meio da qual julgar os fatos. Uma representação gráfica dessas pessoas produziría um homem encarapitado numa parede, indeciso de saltar, quer para um quer para outro lado. São como aquêle homem que, logo após haver lido a história dos primitivos cristãos que perderam a vida por não abjurar a sua fé, declarou: “Creio que eu teria podido fazer uma declaração que satisfizesse ambas as parcos.”

O homem moderno, depois de tentar fazer declarações que a todos satisfaçam, descobre que não se encontra nem com Deus nem com os homens. Ê uma tábua sacudida de um para outro lado pelas oscilantes ondas do mar.

Uma filosofia cristã de vida favorece as relações entre os sêres humanos. Origina uma humildade que prepara as pessoas para fazerem frente à verdade quanto a si mesmas. A fé, a esperança e o amor constituem o plano por cujo meio podem suprir-se satisfatòriamente tôdas as necessidades da vida. O cristianismo oferece uma forma de segurança que protege o indivíduo contra as diversas espécies de desordens emocionais e mentais.

Ao mencionarmos o valor que o cristianismo tem para a conservação da saúde, ouvimos que muitos objetam, dizendo que há muitas pessoas que possuem firme crença religiosa e, não obstante, padecem de distúrbios emocionais e mentais. Isto, naturalmente, é verdade. Insistimos, porém, em que o cristianismo não é a sua causa mas, em realidade, é um dos mais poderosos meios de prevenir e curar essas desordens. As doutrinas cristãs constituem-se em elemento restaurador de fôrças para alcançar a vitória sôbre uma personalidade ameaçada pelos diversos distúrbios emocionais, e não a causa da própria desordem. Devemos estabelecer distinção entre a experiência religiosa completa, e a incompleta. Ao realizar um estudo entre um grande grupo de pacientes achacados de enfermidades mentais, que haviam sofrido grandes desilusões no tocante aos seus conceitos religiosos, descobriu-se que êsses pacientes haviam utilizado a religião para colocarem-se a si próprios no centro da vida, em lugar de Deus. Usaram a Deus como menino de recados, ao passo que êles permaneceram no centro do universo. Seu universo não era maior que êles próprios e, para êles, Deus era alguma coisa já alcançada. Não seguiram o conselho de Miquéias, de andarem humildemente com Deus. Dir-se-ia que o chamado “cristão” que permanece no centro do universo, recebe muito escassa ajuda de seus conceitos ou crenças religiosas.

Os médicos estão compreendendo que, a fim de ministrarem aos pacientes o cuidado e o tratamento convenientes, devem tomar em consideração suas crenças. Estão êles chamando a atenção para a importância de uma filosofia de vida com base num ponto de vista puramente prático. As crenças do homem lhe acrescem à vida qualidade e valor. O estudo dessas crenças no que se relacionam com a saúde, torna-se mais importante por se haver descoberto que afeta a longevidade dos indivíduos.

Se os homens não vivem segundo um grande sistema de valores e ideais, em que se diferenciarão dos animais, que vivem únicamente para satisfazer suas necessidades fisiológicas? As pessoas a quem faltam as crenças se tornam débeis, lascivas, sentimentais e violentas. Vivem únicamente para o prazer sensual. Passam a vida dentro de fábricas superlotadas, em meio a espetáculos atléticos e filmes vulgares. Observam o veloz movimento do mundo sem nenhum sentido de valorização. Vivem por êle fascinados, como o gato intrigado com a imagem que vê no cinescópio da televisão, sem compreender o que está acontecendo. Essa inteligência chega a ser puramente rudimentar e não pode, em verdade, ser chamada inteligência, da mesma maneira que a adaptação física dos animais não pode ser considerada inteligência.

A maior necessidade dos jovens de hoje é possuir uma filosofia unificada de vida, com base nas crenças e ensinos cristãos. Como pode viver um jovem que tenha em vista um propósito definido, se não discerne entre o bem e o mal? Pode uma vida ser edificada sôbre algo de menor valor que as grande verdades?

A mais abrangente de tôdas as possíveis filosofias de vida se acha nos ensinos de Jesus Cristo. A pessoa que haja experimentado um despertamento espiritual genuíno com base na verdade cristã, não poderá esquecê-lo, porque tais crenças e experiências constituirão o centro de todos os seus pensamentos e desejos. A pessoa que possui visão cristã ampla, poderá suportar nobremente as duras realidades da vida, pôsto que a função unificadora de sua fé propende para a saúde da mente e do físico.

Não pode alcançar-se a liberdade sem crenças, porém ela nos vêm nos moldes de uma fé verdadeira. A liberdade jamais poderá sobreviver se a vida carece de significado. Se alguém quer manejar livremente as palavras, deve prestar atenção às definições que lhes dá o dicionário. Não é possível desprezar o dicionário e conseguir desembaraço no uso das palavras.

Não pode o médico ter liberdade na prática da medicina, a menos que se apegue às verdades da medicina e da fisiologia. O músico é livre somente quando se atém às leis que governam a música. A mãe é livre com seus filhos e com as restrições que êles lhe impõem; separai-a dos filhos, e não mais será livre nem feliz. Um bom cozinheiro só é livre na cozinha quando segue as prescrições das receitas. Sem elas não experimentará verdadeira liberdade em seu ofício. A liberdade para o homem ba-seia-se em que a vida tenha sentido, e sem êle, nada vale.

Muitos concordam em que é necessária uma filosofia de vida para alcançar a felicidade, e preocupam-se em alto grau quanto à natureza dessa filosofia. Assim deve ser. Há quem mantenha crenças que permitem a plena expressão de seus impulsos naturais, ao passo que outros sustentam um rígido autoritarismo. As enfermidades mentais e emocionais são o resultado de ambos os extremismos. Pode o homem ser tão rígido que se destrua a si próprio, ou tão liberal que se desintegre. O excesso de liberdade enlouquece a pessoa, e demasiada autoridade pode conduzir ao mesmo fim. Na verdadeira filosofia de vida deve existir equilíbrio adequado entre a autoridade e a livre expressão: A gente rapidamente se desintegra na moral, quando faz o que lhe apraz.

Um jovem expressou o anelo de que sua vida tivesse significado.

— Mestre, disse, temos que fazer hoje exatamente o que desejamos?

Os pais e professores desprovidos de um plano de ação, logo farão que as crianças se convertam em psiconeuróticas.

Algumas pessoas vivem constantemente preocupadas quanto a si próprias, razão porque sua vida não tem significado. Um jovem, empenhado em fazer uma campanha pré-eleitoral na vizinhança, achou-se diante da porta de uma senhora obstinada e firme. Ela lhe perguntou breve e secamente:

— Que deseja?

— Está em casa o Sr. Jennings? perguntou timidamente o moço.

— Que quer com êle? foi a arrogante resposta.

— Bem, desejo saber a que partido político pertence, tartamudeou o jovem.

A senhora, pondo ambas as mãos na cintura, lhe responde:                             

— Olhe, bem para mim, jovem, eu sou o partido a que êle pertence.

Podemos imaginar a dificuldade dessa senhora em lidar consigo própria e com o espôso.

Uma filosofia plena de significado outorga propósito e significado à vida. Sem ela, nossa existência tende a converter-se em um trágico e inútil episódio. A geração que desconhece sua necessidade de crenças, condena-se a si própria à ansiedade e ao desassossêgo. Os convencidos da atualidade declaram que o crer ou não crer pouco importa, pôsto que o procedimento é o importante. Êste raciocínio pode ser comparado à conclusão de que, afinal de contas, as vacas não importam tanto, mas o que nos deve preocupar é a qualidade do leite. A verdade é que êste não durará muito tempo se aquelas forem descuidadas.

Algumas pessoas vivem na penumbra da re-ligião dos pais. Ao dissipar-se essa penumbra, ficam em escuridão completa, a menos que façam dos ideais vitais de seus pais uma parte de sua própria existência.

Tomás Carlyle tinha razão ao dizer: “Aquilo em que o homem crê pràticamente; aquilo em que põe pràticamente o coração e que conhece com certeza, no tocante às suas relações vitais com êste misterioso universo, e seu dever e destino aqui, constitui em todos os casos o fundamental para êle, e determina criadoramente a base de tôda a sua vida.”

Já há muito, declararam as Escrituras: “Onde não há visão, o povo fica dissoluto.” (Versão Trinitarian.) Isto pode demonstrar-se cientificamente. Em resultado de haver-se dissipado a visão, há confusão em nosso redor. Como podem estar concordes os homens quanto a alguns pormenores de procedimento e ação diários, se não se podem harmonizar quanto ao propósito da existência dêste mundo? O homem que exerce domínio próprio, possui grande fé e convicção. Está preparado para ver as coisas pelo prisma da eternidade. Tal pessoa não pode ser lançada ao desespêro com cada mudança de circunstâncias.

Alguns modernistas negam a atualidade da verdade, por esta lhes reprovar a vida de indiferença. A negação da verdade conduz à corrução e imoralidade na sociedade. A conveniência torna-se uma senha. Tudo serve, se convém. Quando um grupo de cadetes de West Point foi surpreendido a colar em exame, reconheceu-se que êsse ato significava o eclipse de uma série de valores fundamentais. A cola, não é nada novo, pois muitos sucumbiram à tentação em momento de dificuldade. Não obstante, quando noventa homens concordam entre si para um procedimento tal, e o defendem, encontramo-nos perante algo novo na ordem da desintegração moral. Um dos cadetes defendeu seu procedimento declarando que a aprovação do grupo tinha para êle importância muito maior do que tudo quanto se dissesse acêrca do correto e do errôneo. Esta é uma prova de que os ideais haviam sido demolidos.

Legítima preocupação deveria apoderar-se de todos se o juiz da Côrte Suprema anunciasse que as normas que nos permitem distinguir o bem do mal já não mais têm valor algum. Em Times, de 23 de junho de 1951, é dito que o juiz norte-americano, Fred. M. Vinson, pronunciou as palavras seguintes: “Nada há mais certo na sociedade moderna do que o fato de não haver valores absolutos.” Parece estranho que para o juiz Vinson houvesse passado despercebida a contradição que se descobre em sua declaração, pois se nada é certo nem absoluto, ninguém poderia ler-lhe a mensagem sem que o embargasse a dúvida e o ceptismo. Não é de estranhar que com tais princípios os faltos de visão e os interesseiros tenham tanta influência em alguns governos. E se não há valores absolutos, no âmbito da moral, sôbre que se fundamentarão as leis da justiça?

Muita ansiedade que impera hoje em dia, é resultante direta do instável sistema de valores que foi dado contemplar no passado. Quando são ameaçadas as bases sôbre que assentam nossa cultura, que outra coisa pode fazer-se além de sentir ansiedade? Dos milhares que se acham mental e emocionalmente enfermos, o denominador comum mais freqüente bem pode ser a carência de um ideal digno, de um propósito na vida. Como poderia uma vida tal alcançar ricas satisfações?

Muitos se afastam de Deus e imediatamente atribuem a sêres humanos qualidades divinas. O médico, o psicólogo, o psiquiatra se convertem, às vêzes, em deuses à vista do paciente.

Uma sã filosofia de vida torna supremo o amor. Muitos se inspiram mais facilmente por suas inimizades e ódios, do que por seu amor. O amor é fonte de saúde, ao passo que o ódio a destrói. Há sòmente duas fôrças no mundo: a do amor e a do ódio. Muitas amizades alicerçam-se sôbre o ódio, como no caso das duas mulheres que se sentiam muito bem juntas por “haverem descoberto que odiavam as mesmas pessoas.”

Uma mulher que fôra mordida por um cão hidrófobo foi advertida pelo médico de que a mordedura poderia ser-lhe fatal.

— Convém que a senhora faça testamento, sugeriu-lhe êle.

A mulher estêve longo tempo atarefada com pena e papel. Por fim, o médico comentou:

— Será um testamento longo, não é assim?

— Testamento! respondeu àgriamente a paciente, estou fazendo uma lista das pessoas a quem irei morder antes de morrer.

Além do amor, deve haver a compreensão de que todo ser humano é um filho de Deus. O cristianismo concedeu dignidade à vida humana. Uma filosofia sã inclui também fé na vida futura. Provavelmente se poderia comprovar que os homens e as mulheres que mais fizeram em prol da humanidade foram os que creram mais sèriamente na vida futura.

Muito belo é saber que aqui estamos com algum motivo. A não ser assim, a vida perde sua razão de ser, seu sentido.

As vidas grandes fazem-se em volta de grandes significados e convicções. A vida foi criada para o mais nobre e elevado propósito. Se êsse fôr o nosso objetivo, deve a vida ser dedicada a um propósito que supere a si mesma. Os que tratam ùnicamente de preservar a vida são incapazes de penetrar os desígnios de Deus. Quem salvar a sua vida, perdê-la-á; ao passo que quem a perder, num ato de devoção cheio de significado, salvá-la-á. Atentai para os ideais que professais. Permiti que êsses ideais sejam dinâmicos e se desenvolvam. Não façamos dêles uma via de escape da vida, mas de investigação e progresso. Unicamente desta maneira poderemos ter a segurança da direção divina, que será alcançada por meio de cres-cente comunhão pessoal.