— Pastor, pensei que o senhor deveria sabê-lo. Tomei uma das mais importantes decisões de minha vida. Tudo esteve tão confuso por tanto tempo e parecia piorar continuamente! Mas agora sinto-me completamente tranqüilo. Encontrei a solução perfeita para os meus problemas, e é um alívio saber que eles logo terão passado. Vou suicidar-me!

A voz no outro lado da linha telefônica era monótona e destituída de emoção, a despeito da urgência das palavras. De algum modo, quase instintivamente, o jovem pastor sabia que a maneira prosaica como falou essa pessoa indicava sua absoluta seriedade.

A última frase repercutiu na mente do pastor durante os poucos segundos que levou para avaliar o que ele acabara de ouvir. Naquele momento foi-lhe impossível analisar acuradamente todas as suas emoções. Predominava em sua mente um sentimento de desamparo — que ele deveria fazer? Se já assistira a alguma aula sobre como lidar com tais situações, não conseguia lembrar o que devia fazer em seguida. Estava sozinho na linha de fogo, tratando de seu primeiro caso de suicídio.

Cada ano cerca de 24.000 norte-americanos põem fim a sua própria vida; calcula-se que outros 75.000 destroem a si mesmos, mas não são identificados como vítimas de suicídio.1 Isto significa que cada vinte minutos, em média, um norte-americano comete suicídio. E para toda pessoa que realmente se mata, há dez outras que fazem uma séria tentativa.2

A maioria desses indivíduos que destroem a si mesmos dão claros indícios de suas decisões suicidas, e grande número deles fazem evidentes tentativas para buscar ajuda, chamando amigos, parentes ou profissionais, como médicos ou ministros. Para que um profissional possa ser útil a uma provável vítima de suicídio, ele deve ter alguma compreensão desse fenômeno.

Eis alguns dos característicos mais comuns: 1. Para cada mulher que se mata, há dois ou três homens que fazem a mesma coisa. 2. O risco do suicídio aumenta com a idade. 3. Suicidam-se mais pessoas de raça caucásica do que de qualquer outro grupo étnico. 4. O índice de suicídio é maior entre os indivíduos separados, divorciados ou viúvos. 5. Mais mulheres tentam o suicídio do que homens. 6. Toda ameaça de suicídio deve ser encarada seriamente. Muitos ameaçadores passam a fazer tentativas, e muitos que fazem tentativas acabam cometendo suicídio. 7. Depois que uma pessoa tentou o suicídio e falhou, é mais provável que toda tentativa subseqüente seja fatal. 8. A maioria das pessoas que tentam ou cometem suicídio são ambivalentes quanto a morrer por ocasião de seu ato.3

As pesquisas indicam que a pessoa típica que comete suicídio é um homem caucásico de idade mediana (50-59 anos) que se acha empregado como operário especializado ou não. Geralmente está separado da esposa e tem um caso de enfermidade física, que julga não estar mais em condições de enfrentar. Suicidar-se-á provavelmente com um revólver, adquirido originariamente para proteção de sua família e dele próprio. As mulheres que se suicidam fazem-no mais freqüentemente entre os 35 e os 54 anos de idade.4

A maioria dos homens que cometem suicídio escolhem um método que é ao mesmo tempo rápido e irreversível, como um tiro, o enforcamento ou o ato de saltar de um lugar alto. A maioria das mulheres que se matam fazem-no com uma dose excessiva de medicamentos, um método que nem é rápido nem irreversível. Esta diferença entre os homens e as mulheres em sua escolha de métodos pode denotar uma distinção na maneira de encarar a vida em geral. As mulheres usam atitudes suicidas como forma de revelar seu desespero enquanto ainda há esperança de auxílio; os homens esperam até que o suicídio se torne a única opção viável que conseguem vislumbrar.

Se o suicídio é realmente uma forma de comunicação desesperada — um clamor por auxílio a que se recorre quando falharam todas as outras tentativas de comunicação — então todas as atitudes suicidas (tanto ameaças como tentativas) devem ser encaradas com seriedade. Infelizmente, muitas pessoas tendem a considerar essas atitudes como manipulações agressivas e caprichosas, e não como algo que seja sério. A ambivalência para com a morte manifestada pelos suicidas medianos não deve ser interpretada como sinal de engano intencional. Tais indivíduos oscilam realmente entre o desejo de pôr fim a sua infelicidade por meio da morte e o desejo de que alguém manifeste certa solicitude que os convença de que o suicídio não é necessário. A maioria das pessoas que realmente se suicidam fizeram ameaças e tentativas anteriores que falharam no sentido de produzir a ajuda que estavam buscando. Por conseguinte, toda atitude suicida deve ser encarada seriamente.

Evidentes tentativas de suicídio constituem, porém, apenas as indicações mais óbvias de que a pessoa chegou a tal ponto de desespero que considera a autodestruição como a única solução de seus problemas. As pessoas que tencionam suicidar-se com freqüência deixam indícios. Alguns deles são muito diretos e pertencem à categoria de ameaças de suicídio. Outros são mais sutis, consistindo de insinuações de que seria melhor morrer ou de que a pessoa está cansada de viver. Ou-tros indícios envolvem alterações na conduta ou no modo de proceder que talvez não sejam reconhecidas até que tenha ocorrido o suicídio. Muitas atitudes suicidas poderiam ser evitadas se os que estão perto da vítima em potencial compreendessem os indícios suicidas e se mostrassem sensíveis reabrindo as necessárias vias de comunicação.

Eis alguns dos indícios sutis a serem observados: 1) dificuldade incomum para dormir, seguida por períodos de melancolia geral; 2) perdas repentinas e inexplicáveis de apetite, peso, ou interesse sexual; 3) inexplicável perda de interesse no trabalho ou nas atividades costumeiras, tais como passatempos ou esportes; 4) inexplicável perda de interesse em amigos e parentes; 5) conversas freqüentes sobre a morte ou o desejo de morrer; 6) inesperados preparativos para a morte, tais como providências funerárias, atualização de apólices de seguro, elaboração de testamentos e consignação de encargos; 7) repentina e inexplicável doação de bens muito estimados; 8) repentino interesse em comprar ou tomar emprestado revólveres, punhais, cordas, medicamentos, etc.5

Obviamente, nem todos os que manifestam uma ou mais dessas atitudes tencionam suicidar-se. Contudo, quanto mais um indivíduo tomar notórios esses sinais comuns, tanto mais importante é que os que se acham por perto considerem seriamente as técnicas de intervenção para deter o suicídio.

Ao contrário da crença popular, o suicídio raramente é cometido como um ato impulsivo. A maioria dos suicídios são bem planejados e amadureceram através de um longo período de reflexão. O suicida típico passa por um processo de planejamento ordeiro desde o ponto incipiente até o ponto de ação. Em geral, o plano abrange as seguintes etapas:6

1. A resolução. O suicida tem de resolver primeiro as considerações filosóficas e éticas de sua autodestruição. O indivíduo geralmente revela agitação e preocupação ao superar suas inibições culturais básicas contra o suicídio. Esta etapa provavelmente continuará por um longo período de tempo, sendo feita alguma resolução toda vez que o indivíduo enfrentar uma crise pessoal que suscite pensamentos suicidas.

2. A etapa inicial. Depois que o indivíduo superou sua aversão preliminar ao suicídio, ele começa a tomar medidas concretas para converter o seu plano numa realidade. Primeiro, ele escolhe a forma da morte. Neste ponto, o indivíduo avalia as “vantagens” de uma arma sobre a outra; a resolução advém quando ele escolhe o meio com o qual porá fim a sua própria vida. Em seguida vem a escolha de um local apropriado. São levadas em consideração tais coisas como a quantidade de tempo necessário, o espaço de tempo entre o suicídio e a descoberta, quem com mais probabilidade fará a descoberta e o impacto que ela terá sobre essa pessoa. Durante essa etapa, o indivíduo ensaia continuamente o ato suicida em sua mente, até achar que aperfeiçoou o seu plano. Durante esse período, seus familiares e amigos talvez percebam suaves indícios de agitação.

3. Etapa de adiamento. Durante essa etapa final, o indivíduo freqüentemente se toma tranqüilo. Visto que ele decidiu todas as questões relacionadas com a morte iminente que causará a si mesmo, pode dirigir os seus esforços para a abertura de canais de comunicação com os que lhe são importantes. O ato suicida ainda é reversível, embora o seja cada vez menos com o passar do tempo. No entanto, se os canais de comunicação puderem ser devidamente abertos, mesmo durante essa etapa final, é possível que o suicídio seja evitado. Se, porém, os esforços do indivíduo em favor da comunicação forem frustrados, ele poderá expressar a premência de suas necessidades por meio de uma tentativa de suicídio que quase seja fatal. Se essa medida desesperada não resolver os seus problemas, é muito provável que faça outra tentativa, sendo que cada uma dessas tentativas subsequentes se tomará mais desesperada e mais letal. Se houver outra tentativa, ela ocorrerá provavelmente dentro de noventa dias após a anterior.7

Cumpre salientar novamente que a maioria dos suicidas são ambivalentes quanto a morrer.8 Essa ambivalência para com a morte pode explicar por que os suicidas com freqüência chamam o seu pastor ou médico e expressam abertamente sua intenção suicida. A importante questão agora é a seguinte: “Que devo fazer se receber o chamado de alguém que pretende suicidar-se?”

A primeira regra é permanecer calmo! A ansiedade na voz ou nas maneiras acentua a capacidade para manipular-vos, da pessoa na outra extremidade da linha. Apesar da premência da situação, a pessoa telefonou devido a sua ambivalência quanto a morrer e quanto a seu desejo de auxílio. Ela necessita de vossa confiança e estabilidade como reafirmação de sua capacidade para superar a crise atual.

A segunda regra é assegurar ao interlocutor que encarais seriamente sua capacidade para suicidar-se. Isso indica que não lidareis com o seu problema de maneira irrealista. Outrossim, às vezes é benéfico indicar ao interlocutor que não pretendeis dissuadi-lo de sua ação. Essas duas coisas indicam vossa aceitação de sua potencialidade e reduzem a necessidade de que ele vos convença de que precisa e pode suicidar-se. É um princípio psicológico que ao procurar convencer-vos da “honradez” de sua conduta, a provável vítima de suicídio pode muito bem acabar convencendo a si mesmo.

Podeis dizer: “Estou contente porque decidiu chamar-me e partilhar comigo a sua aflição. Tenho certeza de que considerou cuidadosamente a sua situação e compreendo plenamente que o suicídio é uma das opções que surgem à sua frente. Visto que julgo ser importante que cada pessoa tome suas próprias decisões, não procurarei dissuadi-lo de suicidar-se; entretanto, gostaria de tomar alguns minutos para ver se foram plenamente consideradas algumas de suas outras opções.”

O passo seguinte é analisar algumas das opções alheias ao suicídio que se acham à disposição do indivíduo. Isto é efetuado com mais facilidade pedindo-lhe que mencione algumas das outras opções que já considerou. É mais fácil que ele diga o que lhe é importante, do que fazerdes conjeturas a esse respeito. Esse passo constituirá a maior parte da conversação. Para assegurar sua eficácia deveis realmente prestar atenção a todas as mensagens sutis que estareis recebendo. Uma das coisas mais importantes na mente da pessoa que pretende suicidar-se é sua necessidade de ser ouvida. A atividade apropriada do conselheiro nesse ponto é escutar com atenção. Procurai encontrar maneiras pelas quais podeis reafirmar sinceramente os sentimentos de consideração e valor pessoal do interlocutor. A solicitude e o amor de vossa parte podem ser manifestados por meio de paciente e intensa atenção no tempo de crise e mediante constante contato depois que a crise tenha passado.

Finalmente, é importante reconhecer as limitações pessoais neste setor muito especializado. As pessoas que tencionavam suicidar-se devem ser estimuladas a buscar o conselho de um profissional. Às vezes o pastor acha que remeter o cliente a outro conselheiro pode ser encarado como mais um caso numa série de rejeições. O fato é, porém, que tal recomendação geralmente é encarada como uma demonstração da verdadeira solicitude do pastor por esse indivíduo, especialmente se o ministro mantém uma relação cordial e solícita com a pessoa depois disso.

A maioria das grandes comunidades possuem agora centros de prevenção de suicídio ou telefones especiais em que auxiliares competentes se acham disponíveis durante as vinte e quatro horas do dia.

Um dos mais importantes elos na rede de amparo às pessoas que tencionavam suicidar-se é o seu pastor, ao qual elas recorrem com muita freqüência em busca de arrimo quando a força interna está diminuindo.

Cada ano cerca de 24.000 norte-americanos põem fim a sua própria vida; calcula-se que outros 75.000 destroem a si mesmos, mas não são identificados como vítimas de suicídio.

maioria dos homens que cometem suicídio escolhem um método que é ao mesmo tempo rápido e irreversível, como um tiro, o enforcamento ou o ato de saltar de um lugar alto.

Ao contrário da crença popular, o suicídio raramente é cometido como um ato impulsivo. A maioria dos suicídios são bem planejados e amadureceram através de um longo período de reflexão.

Bibliografia

1. Leonard Linden e Warren Breed: “A Epidemiologia do Suicídio”, Suicidology: Contemporary Developments (Nova Iorque: Grune and Stratton, 1976), págs. 71-98.

2. Erwin Stengel: “Tentativas de Suicídio”, Suicidai Behaviors: Diagnosis and Management (Boston: Little, Brown and Company. 1968), págs. 171-189.

3. David Lester: Why People Kill Themselves (Springfield, III.: Charles C. Thomas, publicador, 1972).

4. Vem R. Andress e David M. Corey: The Demographic Distribution of Suicide in Riverside County Between 1965 and 1969 (Loma Linda Califórnia: Loma Linda University Press, 1976).

5. Calvin J. Frederick e Louise Lague: Dealing With the Crisis of Suicide (Washington, D.C.: U.S. National lnstitute of Mental Health, Public Affairs Pamphlet n? 406A, 1972), pág. 15.

6. Robert E. Litman e Norman D. Tabachnich: “Teorias Psicanalíticas do Suicídio”, Suicidai Behaviors: Diagnosis and Management (Boston: Little, Brown and Company, 1968), pág. 78.

7. Edwin S. Shneidman e Norman L Farberow, eds.: Clues to Suicide (Nova Iorque: McGraw-Hiil Book Co., 1957).

8. Erwin Stengel: Suicide and Attempted Suicide (Baltimore: Penguin Books, Inc., 1964).

Dr. Vern R. Andress, Diretor do Depto, de Psicologia da Universidade de Loma Linda