Siegfried H. Horn
As escavações de Jericó, reiniciadas recentemente, ainda não foram terminadas e prosseguirão algum tempo mais, mas os descobrimentos até agora feitos, de tal modo modificaram a nossa compreensão da história de Jericó, que tornam necessárias umas considerações para os leitores de O Ministério Adventista. Artigos recentes que descrevem a última (1953) expedição a Jericó, tornaram antiquado muito do que foi anteriormente escrito sôbre essa cidade, inclusive o meu estudo sôbre a queda de Jericó, feito no Congresso Bíblico de Setembro de 1952, e publicado no livro Our Firm Foundation, Vol. I, págs. 73-75. Essa declaração foi feita com base em tôda a matéria publicada até então, mas está agora totalmente antiquada.
Visitei Jericó duas vêzes em 1953, durante minha estada no Oriente Próximo, permanecendo, duma vez, quase o dia inteiro junto à elevação. Com o auxílio de relatórios publicados, fotografias e de senhos, fiz estudo minucioso dos remanescentes da antiga Jericó que vieram à luz nas recentes esca vações. Além dêsse trabalho na elevação propria mente dita, tive a oportunidade de encontrar-me com a Dra. Kathleen M. Kenyon, diretora da ex pedição a Jericó. Ela muito me auxiliou, respondendo a. perguntas e esclarecendo-me certas dúvidas que eu ainda tinha em mente. Entretanto, o estudo presente dos resultados da escavação as senta sôbre relatórios publicados, e não em informações confidenciais. Não obstante, êste artigo em muito se beneficiou dêsse primeiro contacto com a prova arqueológica estudada em Jericó, bem como com a palestra com a diretora da expedição.
A Jericó moderna é uma cidade florescente situada no vale do baixo-Jordão. Em sua extremidade norte está localizada Telles-Sultan, que, durante séculos tem sido mencionada como sendo a Jericó do Velho Testamento. Em 1868, Charles Warren fêz algumas explorações preliminares que não aumentaram materialmente o nosso conhecimento da história antiga de Jericó. (1) De 1907 a 1909 Ernst Sellin e Carl Watzinger escavaram partes da elevação mas encontraram as suas ruínas confusas e desagregadas pelas recentes atividades de construção e pela erosão. Devido a que a arqueologia da Palestina ainda estava em sua infância, as conclusões finais dêsse trabalho, publicadas em grosso volume (2), não foram inteiramente satisfatórias, sofrendo revisões pelos escavadores quando explorações posteriores realizadas noutros pontos mostraram que as interpretações de certa prova não podiam ser mantidas.
Devido a êsse estado insatisfatório de coisas, o professor John Garstang deu início a nova esca vação, em 1930, trabalhando na antiga elevação em seis períodos até 1936 (3). Garstang era já expe rimentado na ciência da arqueologia. Trabalhara já muitos anos no Egito e Turquia antes de ser designado para diretor do Departamento de Anti guidades da Palestina, após a primeira guerra mun dial.
Ao iniciar Garstang as suas escavações, verificou que as ruínas da antiga Jericó estavam muito confusas. Entretanto, o afortunado descobrimento do cemitério da antiga cidade permitiu-lhe esclarecer muitos problemas obscuros. O conteúdo dos sepulcros, inclusive alguns selos egípcios, chamados escaravelhos, provavam que a população da ci dade existira antes da Idade do Bronze (1600-1200 A.C.) (4). Visto que nenhum escaravelho mais foi encontrado além do de Amenhotep III (1412-1375 A.C.), concluiu êle que a existência da cidade ces sara durante o reinado dêsse rei.
Comparando os potes dessas sepulturas, suscetí veis de serem datados, com os encontrados na ele vação, e estudando os remanescentes dos muros da antiga cidade, chegou êle à conclusão de que Jeri có passara por quatro grandes períodos. Em cada um dêsses períodos a cidade possuira muros de fensivos que, um a um, foram destruídos. As primeira e segunda cidades, representadas pelos mu ros mais profundos encontrados, foram por êle ti das como existentes no comêço da Idade do Bronze, e datou-as de 3000-2000 A.C. Os muros da terceira cidade, que abrangiam área bastante maior, foram por Garstang datados de 1900-1600 A.C. A quarta cidade ficou reduzida à área das primeiras duas cidades do comêço da Idade do Bronze, de conformidade com o escavador. As ruínas de seus muros forma por êle encontradas sobrepostas aos muros do comêço da Idade do Bronze e foram explicadas como sendo a cidade do fim da Idade do Bronze. Elas foram por êle datadas como havendo existido de cêrca de 1575 a cêrca de 1400 A.C.
Visto que os muros dessa quarta cidade mostravam saberem sido destruídos por um terremoto, Garstang concluiu que a sua destruição fôra a descrita em Josué 6. (5) Êsses achados pareciam corroborar tão bem a história bíblica, que os estudiosos da Bíblia se deleitaram com ver que a pá do escavador aparentemente demonstrava a correção da história bíblica que cada cristão conhece desde a infância. Justo e dizer que a precisão e fidelidade dos relatórios da escavação de Garstang nunca foram contraditadas por qualquer arqueólogo. Sua declaração de que o muro duplo dessa quarta cidade pertenceu ao fim da Idade do Bronze permaneceu igualmente inconteste até haver come çado a escavação da Dra. Kenyon. Únicamente a sua datação da queda dessa quarta cidade não foi unânimamente aceita. Formulou êle 1400-1385 A.C. como data da queda da cidade, ao passo que W. F. Albright datou-a de 1375-1325, e Père H. Vicent, como havendo ocorrido em 1250 A.C. ou logo após. (6)
Descobrimentos Recentes
Um dos motivos do reinicio das escavações em Jericó foi essa divergência de opinião entre os eru ditos acêrca da queda da quarta cidade. O Fundo Palestino de Exploração e as Escolas Americanas de Pesquisas Orientais que unificaram fôrças nessa nova emprêsa, tiveram a felicidade de conseguir para seu diretor um dos mais hábeis arqueólogos da atualidade.
Essa expedição já completou duas etapas nos invernos de 1952 e 1953, havendo já sido publicados relatórios preliminares. (7) A terceira campanha começou em janeiro de 1954. A Dra. Kenyon e seus auxiliares abriram algumas velhas escavações de Garstang, bem como novo fosso através da parte nordeste da elevação. Cuidadosamente observando tôda prova arqueológica, encontraram confirmação para as conclusões de Garstang, no tocante às primeiras três cidades, mas descobriram que os muros da quarta cidade de Garstang pertenceram ao comêço e não ao fim da Idade do bronze como supusera Garstang. (8) Assim foi verificado que os muros da cidade que, segundo a prova descoberta por Garstang, teriam sido des truídos por um terremoto, e tidos pelos estudiosos da Bíblia como os da queda bíblica de Jericó, ha viam de fato sido destruídos alguns séculos antes.
No decorrer das novas escavações, nada foi encontrado dos remanescentes da última cidade. Os sepulcros, entretanto, provaram que Jericó existiu até à 18ª. dinastia, segundo dedução correta de Garstang. Os níveis mais altos da elevação foram aparentemente a tal ponto destruídos e carregados pelas águas, que nada parece ter ficado ali posteriormente ao ano 1600 A.C. É incerto se ainda virá a ser encontrado no futuro, nessa elevação qualquer material que auxilie a explicação da história da queda de Jericó, tal como no-la relata o livro de Josué, se bem que a possibilidade de outras explorações, já planejadas para futuras oportunidades, a seu tempo por certo trarão à luz algumas ruínas da última cidade. Que a elevação foi povoada até ao século XIV, provam-no o conteúdo dos sepulcros.
O leitor perguntará por que eu, já em 1953, me apego ainda à explicação de Garstang, quando já surgiam o Vol. I de Our Firm Foundation e o primeiro volume de Seventh-Day Adventist Bible Commentary (9), não obstante haverem já sido publicados os resultados da primeira etapa da nova expedição sob a chefia da Srta. Kenyon. A razão é que êsses relatórios já publicados não fornecem indicação de que os muros da quarta cidade de Garstang foram erradamente datados. A Srta. Kenyon, com muita cautela, declarou que nas partes por ela escavadas não surgiu vestígio algum da cidade no período final da Idade do Bronze, que foi a destruída por Josué. (10) Referências nesse sentido foram feitas em minha declaração já publicada. (11) Somente em novembro de 1953, durante minha estada em Jerusalém, quando estudei o material de Jericó, foi que me apercebídos resultados reais das escavações recentes, como foram depois publicados, especialmente pelo professor Tushingham, no que concerne à quarta cidade de Garstang.
Conquanto tenhamos que reconhecer, portanto, que as escavações fracassaram no sentido de for necer esclarecimentos sôbre a história da Jericó do tempo de Josué, em que mais interessado está quem estuda a Bíblia, fizeram-se descobrimentos sensacionais nos níveis mais recentes daquela velha cidade. Êstes foram descritos nos relatórios preliminares mencionados no rodapé n°. 7, e não há necessidade de menção neste artigo, que tem por finalidade exclusiva a retificação das declarações anteriormente feitas pelo autor, e advertência aos ministros para que não mais usem as declarações acêrca de Jerico, publicadas antes dos relatórios das escavações de 1953.
Precaução Quanto às Datações mais Recentes dos Escavadores
Entretanto, uma explicação pode ser acrescenta da no tocante às datas mais antigas A.C. atribuídas pelos escavadores às camadas mais profundas atingidas nas ruínas de Jericó. Não resta dúvida de que os níveis subjacentes aos remanescentes de Jericó do segundo milênio são muito mais velhos, mas a sua idade exata é uma conjetura. Isto foi honestamente reconhecido pelos escavadores num dos seus artigos mais recentes, em que foi decla rado: “Há quantos anos isso aconteceu, constitui uma conjetura, um cálculo seria 5.000 A.C.” (12) Por conseguinte, quaisquer datas atribuídas aos níveis mais profundos de Jericó não devem perturbar pessoa alguma que considera possíveis essas da tas primitivas.
O bem conhecido professor D.H.K. Amiran, da Universidade Hebraica de Jerusalém, mencionou que mesmo nos tempos modernos níveis sucessivos podem formar-se na Palestina em breve espaço de tempo. Por motivo dessa observação, emite êle a seguinte advertência importante:
“Há, para a arqueologia uma lição definida da história recente: a desintegração das aldeias ou a formação de uma crista (elevação formada pelas ruínas duma cidade antiga) é, sem dúvida alguma, processo vagaroso e gradual que, para for mar-se exige gerações. Muito ao contrário: é processo rápido que não requer mais que uns pou cos anos”. (13)
Portanto, ninguém deve ficar perturbado ao ler que Jericó foi uma cidade murada que produziu cabeças esculturadas “há 7000 anos”. Essa fixação de data, nas palavras do escavador, é simples “conjetura”.
Bibliografia
(1) C. Warren, Notes on the Valley of the Jordan and Excavations at Ain es Sultan, (Londres, 1869).
(2) Ernst Sellin e Carl Watzinger, Jericho: die Ergebnisse der Ausgrabungen, (Leipzig, J. C. Hinrichs, 1913, pág. 190).
(3) Os seguintes relatórios preliminares foram publi cados além de outros em Quarterly Statements of the Palestine Exploration Fund: John Garstang e J. V. E. Garstang, The Story of Jericho (Londres: Hodder and Stoughton, 1940, pág. 200. também no va edição, revisada; Londres: Marshall, Morgan & Scott, 1948.
(4) Os arqueólogos estão acostumados a datar os remanescentes de anti-sítios da Palestina de acôrdo com os períodos que têm os seguintes nomes e aos quais dão as seguintes datas aproximadas no esquema A.C. (o que não significa que estejam corretas, nem que sejam aceitas pelo autor dêste artigo)
Comêço da Idade do Bronze I 3200-3000 A.C.
Comêço da Idade do Bronze II 3000-2600 A.C.
Comêço da Idade do Bronze III 2600-2300 A.C.
Comêço da Idade do Bronze IV 2300-2000 A.C.
Meados da Idade do Bronze 2000-1600 A.C.
Fim da Idade do Bronze I 1600-1400 A.C.
Fim da Idade do Bronze II 1400-1200 A.C.
(5) Ver Garstang, The Story of Jericho, 2ª. edição, págs. 133 e seguintes.
As seguintes datas para a queda da quarta cida- de foram sugeridas: (1) J. Garstang: Entre 1400 e 1385 (Story of Jericho, 2a. ed. pág. 130).
(6) W. F. Albright: Entre 1375 e 1300 (Bole tim da American Schools of Oriental Research. n°. 58 (Abril de 1935), págs. 11-13; no 74 (Abril de 1939), págs. 18-20). (3) H. Vicent: 1250 ou logo depois (Quarterly Statements of the Palestine Exploration Fund, 1931, págs. 104 e 105; Revue Biblique, 44 (1935), págs. 538 e seguintes).
(7) Foram já publicados os seguintes relatórios das escavações de 1952: Kathleen M. Kenyon, Ex cavations at Jericho, 1952, Palestine Exploration Quarterly, 1952, págs. 4-6, 62-82; Kenyon, Early Jericho, Antiguidade, n°. 103 (Set°. de 1952), págs. 116-122; A. Douglas Tushingham, The Joint Excavations at Tell es Sultan (Jericho, Boletim de American Schools of Oriental Research, n°. 127 (Out°. de 1952), págs. 5-16.
Acêrca da expedição de 1953, foram já publi cados os seguintes relatórios: Kenyon, Excavations at Jericho, 1953, Palestine Exploration Quarterly, 1953, págs. 81-96; Tushingham, Excavations at Old Testamente Jericho, The Biblical Archaeolo gist, 16 (Set°. de 1953), págs. 46-47; Kenyon e Tushingham, Jericho Gives Up Its Secrets, Natio nal Geographical, 104 (Dezo, de 1953), págs. 853-870.
(8) Tushingham, The Biblical Archaeologist, 16 (Set°. de 1953), pág. 57.
(9) Foram feitas correções nos descobrimentos da Dra. Kenyon, nas págs. 124 e 125, e na pág. 194 da nota 8, na terceira edição do Vol. I do S.D.A. Biblie Commentary.
(10) Uma citação do relatório de 1952, da Srta. Kenyon, mostra a precaução que usou nas pala- vras das suas conclusões: “Existe, pois, uma fa lha cronológica de cêrca de 900 anos não reve lada na área escavada. Essa falha infelizmente inclui o período de Josué, que tem sido datado com variações, entre 1400 A.C. e 1260 A.C. É ainda cedo demais para dizer qual seja a explica ção para êsse fato surpreendente. Claro, porém, está que ocorreu tremenda desnudação das ca madas superiores da crista. Como já foi dito, só as camadas mais profundas das proteções da Mé dia Idade do Bronze permanecem êste ano na área escavada.”— Palestine Exploration Quarterly, 1952, pág. 71.
(11) Our Firm Foundation, Vol. I, pág. 75.
(12) Kenyon e Tushingham, National Geofraphic Magazine, 104, (Dez°. de 1953), pág. 870.
(13) D.H.K, Amiran, Palestine; Pattern of Settlement, Israel Exploration Quarterly, 3 (1953), pág. 209.