Atei o guardanapo em volta do pescoço de Alfredo e coloquei diante dele o seu copo de suco de laranja, o preparado de cereais e um grande copo de leite espumante. Em minha própria opinião, eu me classificava entre as mães superiores, cujos filhos são educados segundo o método aprovado de uma época esclarecida. Alfredo comeu obedientemente tudo isso e desceu então de sua cadeira.
— Mamãe, posso ir agora para a casa do Jaime? —perguntou ele.
— Mas, Alfredo — protestei — você esteve lá ontem e anteontem. Por que não convida o Jaime a vir até aqui, hoje?
— Oh! ele não aceitaria.
O lábio de Alfredo tremeu, a despeito de que ele tinha apenas seis anos de idade.
— Por favor, mamãe!
— Por que você gosta mais da casa do Jaime do que da nossa casa? — prossegui.
Veio-me subitamente à lembrança que Alfredo e todos os seus companheiros estavam sempre querendo ir à casa do Jaime.
— Ora — disse ele hesitantemente — é porque …, é porque a casa do Jaime é uma casa que canta.
— Uma casa que canta? — indaguei. — Que você quer dizer com isso?
— Bem — Alfredo tentou explicar com certa dificuldade — a mãe do Jaime cantarola enquanto costura; a Anita canta enquanto corta bolinhos com a forma, na cozinha; e o pai de Jaime sempre assobia ao vir para casa.
Alfredo parou por um momento, e acrescentou:
— Suas cortinas estão sempre bem erguidas, e há flores nas janelas. Todos os meninos gostam da casa do Jaime, mamãe!
— Você pode ir, meu filho — disse eu prontamente, pois queria que me deixasse em paz para pensar.
Olhei para todos os lados de minha casa. Todos me diziam quão linda ela era. Havia tapetes orientais, que estávamos pagando a prestações. É por isso que não havia aqui nenhuma “Anita na cozinha”. Também estávamos pagando a prestações a mobília superestofada e o automóvel. Talvez fosse por este motivo que o pai de Alfredo não assobiava ao vir para casa.
Pus o chapéu e fui para a casa do Jaime, embora fossem apenas dez horas da manhã. A Sra. Burton não se importaria em ser interrompida a essa hora. Ela jamais parecia estar afobada. Recebeu-me à porta de sua casa com uma toalha ao redor da cabeça.
— Oh! entre. Acabei de limpar a sala de estar. Não, não está me interrompendo, absolutamente! Só vou tirar esta cobertura para a cabeça, e estarei às suas ordens.
Enquanto eu esperava, olhei em todas as direções. Os tapetes quase estavam puídos; as cortinas, em ponto suíço, estavam amarradas e amarrotadas; as poltronas eram velhas e riscadas, mas tinham sido recobertas com cretone. Uma mesa de cobertura lustrosa continha diversas revistas recentes. Na janela pendiam cestos de hera e trapoeraba, enquanto um pássaro assobiava em sua gaiola exposta ao sol. Um aspecto caseiro — tal era o efeito.
A porta da cozinha estava aberta, e vi Haroldo, o bebê, sentado no limpo linóleo, observando Anita apertar e juntar os rebordos de uma torta. Ela estava entoando uma canção de primavera.
A Sra. Burton veio sorrindo, e perguntou:
Que há? Pois eu sei que você é uma pessoa muito ocupada e deve ter vindo por um motivo especial.
— Sim — respondi abruptamente. — Vim ver como é uma casa que canta. Alfredo disse que gosta de vir aqui porque vocês têm uma casa nessas condições. Estou começando a ver o que ele queria dizer com isso.
— Que agradável cumprimento! — declarou a Sra. Burton, enrubescendo-se. — Como você sabe, João não ganha muito, e temos de reduzir as despesas. Resolvemos, portanto, eliminar o que não é essencial. Não sou muito forte, e quando chegou o bebê, decidimos que a presença de Anita era indispensável para que eu pudesse ser para as crianças uma mãe bem disposta. Também há livros, revistas e música. São estas as coisas que as crianças podem guardar no íntimo da alma. Não podem atingidas por incêndios ou reveses, e chegamos portanto à conclusão de que eram essenciais. Naturalmente, bons alimentos saudáveis constituem outro ponto essencial. Não compramos as coisas fora de tempo, e por isso nossas contas são pequenas. As roupas das crianças são muito simples — eu mesma as confecciono. Quando, porém, todas essas coisas são pagas, não parece sobrar muito dinheiro para os móveis. Julgamos obter quase tanto prazer de nossos longos passeios pelo campo como o que poderíamos obter com a aquisição de um carro, especialmente se tivéssemos de preocupar-nos com o seu financiamento. Não contraímos dívidas, se podemos evitá-ló Além disso, somos felizes — disse ela em conclusão.
— Sim, eu sei — declarei pensativamente.
Olhei então para o canto em que se achavam Jaime e Alfredo. Eles tinham feito um trem de caixas de fósforos e colocavam nele agora grãos de trigo.
Fui para casa. Meus tapetes orientais tinham um aspecto desbotado. Abri completamente as pesadas cortinas mais internas, mas a luz perdia parte de sua claridade ao atravessar as cortinas de seda. O sofá superestofado parecia ser demasiado volumoso e não tão convidativo como a velha cama de descanso da Sra. Burton, com travesseiros que não teríamos receio de usar. Detestei minha casa. Ela não cantava. Eu estava resolvida a fazê-la cantar.
May Morgan Potter